Monday 26 May 2014

É triste quando um museu fecha? Porquê?

Museu do Brinquedo, Sintra
Há um ano e meio, a minha colega australiana Rebecca Lamoin escreveu neste blog sobre os esforços do Queensland Performing Arts Centre para perceber qual o valor público da instituição. Foram colocadas questões cruciais: Qual é a coisa mais importante que a instituição dá à sua comunidade? Porque é que a comunidade gosta da instituição? De que é que as pessoas na cidade sentiriam falta se a instituição deixasse de existir?

Há uma série de instituições culturais em vários países que coleccionam dados (além de quantitativos) que as podem ajudar a definir e a provar a sua importância na vida das pessoas. Porquê? Porque poderá não ser óbvio para todos, sobretudo para os contribuintes e para os decisores políticos. Mas faria sentido recolher esta informação nem que fosse apenas um exercício mental interno. Vale a pena fazer uma pausa de vez em quando e avaliar os factores de sucesso dos nossos projectos e a relevância da nossa oferta para as pessoas que procuramos ou que deveríamos estar a servir.

Estes pensamentos voltam a surgir em face da notícia do eventual encerramento do Museu do Brinquedo em Sintra. Parece que o museu já não é sustentável, devido aos cortes do Estado e a um significativo decréscimo das visitas escolares e de famílias. Os profissionais da cultura foram rápidos a reagir: “É uma vergonha”; É triste”; “É uma tragédia”; “É uma miséria”; “O meu museu favorito”. E de todas as vezes que lia uma afirmação destas, pensava: “Porquê?”. Porque é que é uma vergonha? Porque é que é triste? Porque é que é uma tragédia? Porque é que este é o museu favorito de uma pessoa? O que está por trás deste género de afirmações? Qual a sua substância? Quem sabe? O museu e a fundação que o gere saberão?

Mas estas não são as únicas questões na minha cabeça. Gostaria também de saber o que é que os visitantes normais – não os profissionais da cultura – pensam sobre o eventual encerramento do museu. Quantas vezes o visitaram? Porque é que o valorizam? De que é que vão sentir falta se acabar por fechar? E para além dos visitantes do museu, o que é que a população de Sintra pensa e sente relativamente ao encerramento de um museu no centro da vila? Está preocupada? Está chateada? Está preparada para lutar por ele e exigir apoio ao município e ao Estado?

Tenho ainda algumas questões relativamente à gestão do museu. Há quanto tempo que a situação tem estado a piorar? Terá sido tomado em consideração pela Fundação que gere o museu o contexto – algo hostil - político e económico em que está a operar? Que medidas foram tomadas até agora? Qual o seu plano B?

Não encontrei até agora respostas a estas questões em fóruns públicos. Sei apenas que existe uma petição pública numa plataforma online, a qual, na altura que escrevo estas linhas, tem aproximadamente 2600 assinaturas. O texto da petição concentra-se na colecção e cita apenas o coleccionador, para quem, como é natural, os objectos têm grande importância. Na verdade, trata-se de uma afirmação na primeira pessoa do singular. A foto que ilustra a petição mostra um museu vazio, com uma série de objectos atrás do vidro a chegar até ao tecto. Fiquei a pensar como é que alguém pode ter pensado que esta abordagem – citar exclusivamente o coleccionador e mostrar um museu vazio - seria a abordagem certa num momento tão difícil. Uma abordagem que possa convencer os que conhecem e, sobretudo, os que não conhecem o museu do seu valor e importância.

O Museu do Brinquedo não é um caso isolado, infelizmente, num país cujo governo não considera a cultura como sendo uma prioridade. Há um par de anos, o caso do Museu da Cortiça em Silves foi gerido da mesma forma. Um museu vencedor do Prémio Micheletti do European Museum Forum (um prémio para museus inovadores na área da indústria, da ciência e da técnica), acabou por fechar e não sei qual o destino da sua colecção. Outros projectos, também no sector das artes performativas, estão a lutar pela sobrevivência ou a desaparecer mesmo. Suponho que a minha verdadeira questão é “O que é que os gestores culturais deste país estão a fazer?”. Deve haver mais do que afirmações como “Que vergonha” e “Que pena”, deve haver mais do que petições. Isto simplesmente não é suficiente, as nossas instituições merecem mais de nós. As pessoas deste país merecem mais de nós.    


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Monday 12 May 2014

Notas de desespero



A canabis foi legalizada no estado de Colorado em 2012 e as primeiras lojas a comercializar o produto abriram no início deste ano. De acordo com o jornal The Independent, mais de metade dos eleitores acredita que a legalização da marijuana tem trazido benefícios ao estado. Ao mesmo tempo, o jornal relata que as autoridades têm sérias preocupações devido ao consumo de dosagens indevidas, devido à falta de experiência ou a confusão. Um estudante universitário morreu no mês passado após ter saltado da sua varanda e após consumido seis vezes mais do que a dose recomendada. 

No meio de tudo isto, a Colorado Symphony Orchestra (CSO) acaba de anunciar a sua nova série de concertos, “Classical Cannabis: the high note series”. Trata-se de concertos que serão realizados no Red Rocks Amphitheatre, onde será permitido ao público consumir canabis. Não nos seus lugares no anfiteatro e durante os concertos, no entanto, mas numa área separada. E o convite é BYOC (“Bring Your Own Cannabis” – Traz o Teu Próprio Canabis). E as pessoas são também aconselhadas a não conduzir, “devido à natureza do evento”, mas a usar meios alternativos de transporte. Na verdade, vale a pena ler o “disclaimer” no site da orquestra (tradução livre da autora): 

"Os participantes no evento devem ter pelo menos 21 anos de idade e devem ler e concordar com as normas aqui apresentadas. O comprador, titular e / ou usuário deste reserva entende que este evento está a ser realizado em propriedade privada e que apenas indivíduos com reservas pagas podem entrar . O participante entende que os restantes participantes podem usar marijuana neste evento, como é seu direito de acordo com a lei de Colorado. No entanto, não será vendido canabis no evento, e o preço da reserva é totalmente alheio ao facto da pessoa decidir consumir canabis ou não. Aqueles que optarem por usar canabis assumem todo e qualquer risco associado a esse uso. Informações sobre os efeitos da marijuana na saúde estão disponíveis no site do Estado de Colorado aqui. Os participantes são recordados que continua a ser ilegal de acordo com a lei de Colorado conduzir sob a influência de marijuana. O participante concorda em não reclamar junto da Colorado Symphony Orchestra e seus proprietários, parceiros, funcionários, directores, agentes, afiliados e entidades relacionadas todas e quaisquer reivindicações por ou em nome do Participante decorrentes directa ou indirectamente do uso por parte do Participante de THC e das instalações, incluindo reclamações e responsabilidades decorrentes de qualquer causa, incluindo, mas não limitado a, negligência por parte da CSO . Esta versão está em vigor na data em que o Participante adquire a reserva de evento". 


Red Rocks Amphitheater
Porque é que uma orquestra iria quer fazer isto, pensava enquanto lia tudo isto. Bom, de acordo com o seu director executivo, “Parte dos nossos objectivos é trazer um público mais novo e um público mais diverso, e diria que os clientes da indústria de canabis são ao mesmo tempo pessoas mais novas e mais diversas do que os públicos da orquestra sinfónica”. Bem... esse público mais novo e mais diverso não ia aos concertos da CSO porque não podia consumir marijuana? Adorava a música mas mantinha-se afastado porque não podia BTOC – Bring Their Own Cannabis (Trazer o Seu Próprio Canabis)? Teria sido esta a barreira? 

Os patrocinadores da série de concertos são – surpresa, surpresa – corporações relacionadas com a indústria de canabis. O jornal Huffington Post entrevistou dois deles: “Richard Yost da empresa Ideal 420 Soil, uma empresa de New Hampshire que vende terra e outros produtos de cultivo aos produtores de canabis, vê o patrocínio dos concertos como uma oportunidade para associar a sua empresa a uma das melhores orquestras do país e para mostrar que os consumidores de marijuana podem ser ‘limpos’ e sofisticados. ‘Uma pessoa pode ser inteligente e conhecedora e gostar de canabis também’, disse Yost, acrescentando que ouve Mozart enquanto trabalha nos seus planos de negócio. 

Um outro patrocinador, Jan Colem disse que a sua empresa The Farm tem ajudado a apoiar eventos artísticos na sua cidade e um concerto de Ziggy Marley em Denver. Disse que esperava que esta fosse uma associação a longo prazo com a orquestra, porque os seus públicos eram ‘a nossa malta… pessoas que gostam de arte e música e produtos alternativos.’” 

Acredito que ficamos a conhecer melhor uma pessoa (ou uma instituição) em momentos de crise. Olhando para os seus valores, as suas prioridades, a forma como toma decisões, o tipo de decisões que toma, a forma como se mantém (ou não) concentrada na sua missão. Vejo mais honestidade nas palavras dos patrocinadores do que naquelas do director executivo da CSO. Através da associação à orquestra, a indústria de canabis procura prestígio e alguma sofisticação. Através da sua associação à indústria, a orquestra procura… dinheiro desesperadamente necessário. Talvez consigam também aquele público mais jovem e diverso. Este é um evento bem capaz de o atrair, é um “happening”. Mas será mais que um “happening”? Irão voltar? A CSO irá conseguir mantê-los? Tenho sérias dúvidas quanto a isto, por duas razões: primeiro, porque os “happenings” como este não têm efeitos a longo prazo quando não existe paralelamente um plano a longo prazo com o objectivo de eliminar as barreiras, as verdadeiras, e estabelecer e alimentar uma relação com as pessoas; mas também, neste caso, porque a CSO não está a ser honesta em relação aos seus objectivos e “os públicos mais jovens e mais diversos” sabem disso. 


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