Monday 22 March 2010

Visão, missão, estratégia

Alexandre Pomar teve a amabilidade de comentar sobre o post anterior e de me indicar o link de acesso ao discurso que a Ministra Gabriela Canavilhas proferiu no dia da apresentação da estratégia para os museus do século XXI (disponível aqui). Agradeço muito, não o tinha ainda lido e, realmente, aqui parece haver uma tentativa de criar um contexto para as medidas anunciadas. Na minha opinião, o texto deste discurso deveria estar integrado no documento estratégico.

Apesar desta tentativa de criar um contexto, confesso que, quando procurei associar as linhas gerais do discurso às medidas concretas da estratégia, senti que havia algumas discrepâncias, que as medidas nem sempre procuram concretizar as aspirações. Mas aquilo sobre o que gostava sobretudo de comentar é o ponto que a Ministra quis frisar:

“(…) todos estes objectivos em nada alteram o cerne fundamental da missão museológica: a preservação, estudo e enriquecimento das colecções e acervos (…)”.

E para quem é que se faz tudo isso, pergunto eu.

O museu, de acordo com a definição do ICOM, é uma instituição que adquire, conserva, estuda, expõe e interpreta testemunhos materiais do homem e do seu meio ambiente, tendo em vista o estudo, a educação e a fruição. O ICOM não define de forma alguma que as três primeiras funções são mais importantes que as duas últimas. É através destas duas últimas que se estabelece sobretudo a relação e comunicação com o público em geral. É nestas últimas que normalmente se falha.

Se perdermos de vista os destinatários finais da nossa acção, continuaremos a montar exposições que comunicam apenas com os especialistas e entendidos, colocando objectos atrás do vidro, com legendas que se limitam a identificar os mesmos usando terminologia científica, indicando apenas a data de produção e, nalguns casos, também os materiais e as dimensões. Continuaremos a escrever textos para os painéis que, para além do conservador ou comissário, poucas pessoas entenderão. Continuaremos incapazes de contar histórias às pessoas comuns, histórias que possam inspirar e maravilhar, ou simplesmente divertir (custou-me tanto ouvir a Paula Rego, na altura da abertura da Casa das Histórias, dizer que o espaço para a sua colecção não ia ser chamado ‘museu’, porque num museu não se contam histórias…). Continuaremos irrelevantes e incompreensíveis para uma grande parte da sociedade. Estou a pensar no visitante individual, nacional ou estrangeiro,
e não nos públicos-alvo da riquíssima acção dos serviços educativos dos nossos museus, que contribuem significativamente para uma interpretação intelectualmente acessível e inspiradora das colecções. Esses públicos são sobretudo pessoas, na sua grande maioria crianças, que se integram num grupo inscrito numa actividade ou visita guiada. Grande parte do público em geral não visita os museus nessas condições.
A minha definição preferida de museu é a da Museums Association (Reino Unido): “Os museus permitem às pessoas explorar colecções para se inspirarem, para aprenderem e para se divertirem. São instituições que coleccionam, salvaguardam e tornam acessíveis objectos e espécimes, que gerem em nome da sociedade”. Aqui eu pessoalmente encontro uma visão.

É preciso uma visão para se definir de seguida uma missão. Gosto particularmente da ‘declaração de missão’ (e de visão) do programa Descobrir da Fundação Calouste Gulbenkian. Considero-a clara, inspirada e inspiradora. Aqui está:

“O Descobrir – Programa Gulbenkian Educação para a Cultura oferece a públicos de todas as idades, um conjunto vasto de eventos que transforma o património artístico e natural da Fundação Calouste Gulbenkian num percurso de prazer, descoberta e pensamento criativo.


Através de abordagens e metodologias diversas de estímulo à curiosidade e à imaginação, o Programa associa experiências do mundo sensível à leitura interpretativa e crítica das várias artes.

O Descobrir acredita que a Educação para a Cultura contribui para a formação de cidadãos abertos à criação e à fruição crítica das Artes, mas também, por inerência do trabalho de mediação que desenvolve, para a formação de pessoas capazes de questionar as rotinas e de assumir uma postura de inovação na esfera da sua actividade social e profissional.”

Proponho-vos ainda a leitura da missão (que reflecte igualmente uma visão) do Serviço Educativo da Casa da Música: "O Serviço Educativo da Casa da Música propõe a entrada no universo infinito da música através de uma variedade de experiências de ouvir, fazer, criar e saber. Independentemente da sua idade ou condição, todos podem encontrar nesta Casa caminhos de descoberta, participação e plena fruição". O documento apresenta a seguir as propostas do serviço no sentido de concretizar esta missão-promessa.


Visão, missão, e no fim estratégia e medidas concretas. Para fazer sentido, a ordem deve ser esta. E quando se chega às medidas, essas devem claramente derivar de ou corresponder à visão e à missão anunciadas. Assim, temos um quadro completo e um caminho mais bem traçado.

Depois, avalia-se.

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