Monday 26 April 2010

O MNAA é notícia

O Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA) foi notícia por três vezes na semana que passou. Primeiro, foi a entrevista do seu novo director, António Filipe Pimentel, ao jornal Público (ler aqui). Dois dias depois, veio a notícia sobre os custos da exposição Encompassing the Globe (ler aqui), complementada por um novo artigo no dia seguinte (ler aqui)

Começando pelas notícias sobre a exposição, mereceram os comentários de vários leitores do Público online. Alguns dos defensores do investimento que houve para a apresentação da exposição em Portugal voltam a fazer a ‘inevitável’ comparação ao dinheiro que se investe no futebol (sinceramente, acho que deveríamos abandonar este argumento, que não serve nenhum propósito; de qualquer forma, o futebol, para além se ser rentável, mobiliza, emociona e entretém milhares de pessoas, e não apenas alguns “analfabetos que nunca visitaram um museu”). Outros comentários a favor referem-se ao benefício que foi para o país a exposição ter sido apresentada no MNAA, ao facto de ter atraído mais de 70000 visitantes, às obras que beneficiaram o museu, à oportunidade que foi para os técnicos do museu contactarem com museus internacionais e para o museu de se abrir para a realidade museográfica internacional.

É tudo uma questão de opções, prioridades, objectivos. Haverá por isso várias formas de avaliar o impacto da exposição. Os meus comentários acerca de Encompassing the Globe são os seguintes:

Não gostei. Porque deixei há muito de gostar de exposições que se limitam a apresentar objectos bonitos, mas que não nos ajudam a apreciá-los, que não contam nenhuma história. O Encompassing the Globe foi uma exposição tradicional do ponto de vista museológico e por isso vazia de sentido para muitas das pessoas que a visitaram. Fui uma delas, confesso-o. Atrevo-me a dizer, porque não disponho de dados concretos, que, se a exposição conseguiu atrair tantos visitantes, foi porque foi muito divulgada e apresentada como uma exposição “a não perder”. Porque a temática tinha a ver com Portugal e os Portugueses, um tema que chama a atenção tanto da população nacional, como dos turistas estrangeiros. Porque “Smithsonian” é um nome sonante que foi, e muito bem, usado na divulgação. Estas são as minhas explicações empíricas. Teria, no entanto, muito interesse em saber se o grande número de visitas se deve ainda ao passar-a-palavra, sinal de que os visitantes teriam gostado e recomendado a visita a amigos e familiares. Eu não a recomendei a ninguém nem alguém ma recomendou a mim.

Quanto ao investimento, diria que, apesar de nos faltar alguma experiência e também tradição no que diz respeito ao mecenato cultural, deveríamos no mínimo saber que, se seis meses antes da inauguração da exposição não temos o financiamento garantido (segundo declarações do ex-Ministro da Cultura José António Pinto Ribeiro ao jornal Público em Fevereiro de 2009), é muito provável que não o venhamos a conseguir. Estes negócios fazem-se com muita antecedência. Também é difícil entender porque é que entidades que financiaram a exposição aquando da sua apresentação em Washington não chegaram a ser contactadas a propósito da sua apresentação no MNAA. E se as obras no museu ou o contacto do pessoal com a museografia internacional são tão valorizados, e devem sê-lo, que se assuma a importância dos mesmos e que se invista neles directamente e não com o pretexto de uma exposição caríssima e, na verdade, pouco marcante.

Entretanto, pergunto-me mais uma vez porque é que nunca se prevê uma avaliação somativa do impacto destas iniciativas – que nos custam tão caro - e um inquérito ao público, em vez de cada um de nós estar a dar o seu palpite sobre o mesmo. Por outro lado, fico sempre desiludida pelo facto de, em momentos como este, os dirigentes responsáveis pelas decisões tomadas reclamarem o direito de se mostrarem indisponíveis para comentar, em vez de considerarem uma obrigação perante os cidadãos pronunciarem-se sobre as questões que lhes são colocadas.

Passando agora para a primeira notícia, gostei da entrevista do novo director do MNAA, António Filipe Pimentel. Porque afirma acreditar na ‘via intermédia’. Aquela que não privilegia nenhuma das funções fundamentais do museu (coleccionar, preservar, estudar, expor e comunicar), colocando-as em oposição, mas que procura o equilíbrio entre elas (ver também artigo de opinião no boletim Informação ICOM.PT, disponível aqui
). E passo a citar: “É preciso harmonizar as duas leituras: ter da preservação e do estudo uma visão estratégica e instrumental que não se esgota em si mesma. Deve ser mobilizada ao serviço dessa comunicação, que, contudo, não pode nunca sacrificá-la, nem pôr em causa os limites da sua segurança e salvaguarda.” A harmonização não é fácil e depende muito dos recursos disponíveis, humanos e financeiros. Muitas vezes, a falta deles obriga a fazer opções e criar prioridades. Mas parece-me também ser uma questão de mentalidade. Na sua entrevista, António Filpe Pimentel refere-se ainda ao museu como um palco, “o espaço de mobilização de uma comunidade a partir das obras que são expostas e por trás das quais há sempre narrativas”. E continua: “Um museu não é a Torre do Tombo do património. Num arquivo, o que existe é um tesouro de informação que ali está guardado, conservado e é consultado. O nosso tem que ser exibido e permanentemente mostrado em relatos e narrativas”. Foi com muito agrado que li estas palavras. Vejo por trás delas aquela que considero ser a mentalidade certa. Desejo que o novo director do MNAA e a equipa do museu as possam pôr em prática, que consigam transformá-las em acções concretas. Estamos atentos e expectantes.

Monday 19 April 2010

Lugares de encontro



No sábado passado assisti ao espectáculo da coreógrafa brasileira Lia Rodrigues Pororoca, apresentado na Culturgest. A Lia Rodrigues Companhia de Danças conta já com 20 anos de existência. Em 2007 iniciou um novo projecto, o Centro de Artes da Maré, na favela da Maré no Rio de Janeiro, um lugar onde não havia nenhum equipamento cultural. Foi ali que foi criado Pororoca (palavra índia para o fenómeno natural provocado pelo confronto das águas dos rios com as águas do mar) e é alí que se realiza o programa Dança para Todos, que envolve aulas gratuitas de expressão corporal e dança contemporânea. 

Monday 12 April 2010

Convite para a festa

“Imagine que ouviu falar de uma festa que tem lugar todas as semanas, mas não foi convidado. A julgar pelo alarido na cidade, esta festa é o evento mais in, por isso, mesmo que não tenha recebido um convite formal, decide ir. Quando chega, apesar de ser muito emocionante, sente-se estranho, embaraçado. Pergunta-se se os anfitriões falam entre eles sobre o porque é que você está lá. Pergunta-se se os outros hóspedes sabem que não foi convidado. Ninguém fala consigo ou reconhece a sua presença. Finalmente, recebe o recado. Vai-se embora. Decide que nunca mais voltará. Aos poucos perde o interesse e finalmente nem sequer se lembra que a festa tem lugar todas as semanas.”
Esta é uma das minhas passagens favoritas no livro de Donna Walker-Kuhne Invitation to the Party
. A autora tem larga experiência em projectos de desenvolvimento de públicos e descreve aqui muito eloquentemente a forma como as pessoas que não estão habituadas a frequentar museus, teatros, etc., se devem sentir no meio dos ‘entendidos’ e daqueles ‘anfitriões’ que não assumem como sua função convidar pessoas novas à ‘festa’ e fazê-las sentirem-se bem-vindas.

A propósito do ‘convite’, lembrei-me de duas acções muito distintas, levadas a cabo por entidades diferentes, com objectivos diferentes e com meios diferentes. A primeira, foi a campanha da Royal Opera House em 2008, que através do jornal populista The Sun ofereceu bilhetes a preços muito baixos (atenção, não eram convites…) para a estreia do primeiro espectáculo da temporada, Don Giovanni. A campanha do The Sun foi muito grande, a cobertura editorial, com fotografias e títulos muito sugestivos, também (ler aqui
). A procura foi enorme e entre as pessoas que assistiram muitas iam à ópera e à Royal Opera House pela primeira vez. Charlotte Higgins, jornalista de cultura do jornal Guardian, falou com os responsáveis e também com o público que assistiu à estreia (ler artigo aqui). Primeiro indicador do impacto da experiência? O facto de não ter havido um êxodo durante o intervalo… Segundo indicador? As impressões dos espectadores à saída. “O cabelo da minha nuca ficou de pé”, dizia uma senhora de 50 anos. “Queria ver como era. Agora fiquei apanhado”, dizia um jovem de 25. Alguns dos bilhetes do The Sun, que tinham custado entre 7,50 e 30 libras, tinham sido aproveitados por pessoas que costumavam ir à ópera, mas que quiseram ‘iniciar’ amigos que nunca tinham ido. Falta saber quantas dessas pessoas quiseram voltar. E também quantas conseguiram voltar. Porque os preços habitualmente praticados são proibitivos para um grande número de pessoas. Campanhas como esta, que conseguem cativar a atenção e despertar a curiosidade do público, devem igualmente pensar na forma de dar continuidade à iniciativa e fidelizar os novos públicos.


A segunda acção da qual me lembrei é bastante diferente, mais discreta, mas, à sua escala, igualmente eficiente. É levada a cabo pelo Museu Vale,
um museu de arte contemporânea na cidade brasileira de Vitória. O Projecto Aprendiz, no âmbito do programa Arte Educação, envolve jovens desfavorecidos das comunidades vizinhas ao museu na montagem das exposições temporárias, proporcionando-lhes formação profissional nas áreas da carpintaria, iluminação, pintura, etc.; permitindo um contacto directo com os artistas; e despertando também alguma curiosidade e gosto pela arte ali exposta. Cria-se assim uma ligação com a comunidade local em geral e com estes jovens em particular, um sentimento de pertença por parte das pessoas envolvidas e das suas famílias e amigos e, muito provavelmente, com alguns deles, uma relação duradoura.

Estava a preparar este texto quando li na Revista L+Arte deste mês a entrevista com João Carlos Brigola, Director do IMC, que dizia: “…A missão fulcral do museu é ser um repositório de memórias e trabalhar o seu património, mas esta identidade está a ser preterida por funções de maior visibilidade comunicacional, onde o que conta é o número de visitantes, o alarido público…”. Senti mais uma vez que quando somos confrontados com as questões de visibilidade e aumento do número de visitantes, sentimos que devemos defender “a missão fulcral do museu”. São cinco as funções que um museu deve desempenhar para cumprir a sua missão e nenhuma devia ser considerada mais fulcral que as outras. São mutuamente exclusivas as funções relacionadas com a colecção e as relacionadas com o público? Porque é que nos sentimos na obrigação de defender uma em detrimento da outra? Porque é que sentimos que devemos optar por uma ou pela outra? Porque é que parecemos ficar incomodados quando são consideradas ou nos são sugeridas acções mediáticas (adjectivo que parece que consideramos sinónimo de populista e de baixa qualidade)?

João Carlos Brigola lembra ainda, no mesmo parágrafo, que no Plano Estratégico não existe nenhum objectivo que tenha a ver com o número de visitantes. Porque será? Para justificar essa opção? Aumentar o número de visitantes, diversificar o perfil dos mesmos deve ser um objectivo permanente de todos os museus. Tal como os museus não existem sem colecções, também não existem sem visitantes. Aliás, os museus existem para as pessoas (ver discussão sobre a missão no meu segundo post aqui
). Nesse sentido, o número de visitantes é um indicador de desempenho, não podemos ignorá-lo. Não pode é ser o único. Nem pode ser apresentado sem uma análise daquilo que realmente representa, sobretudo no que diz respeito ao perfil dos visitantes.

Colocar esta questão em segundo lugar significa para mim que estamos satisfeitos com o que já temos. Que estamos contentes, como se diz às vezes, por ter “poucos [visitantes] mas bons”, o que Richard Sandell chama, no seu livro Museums, Society, Inequality
, “the good enough visitor”. Será uma pena se, mais uma vez, os ‘convites para a festa’ não forem uma prioridade.

Monday 5 April 2010

As entradas gratuitas (II) Teatros

Ainda sobre as entradas gratuitas e passando para a área das artes performativas, a situação torna-se um pouco mais complexa. Lembro que, de acordo com o artigo de Alexandra Prado Coelho no jornal Público (ler aqui), baseado em estatísticas disponibilizadas pelo OAC e o GPEARI – documento disponível no site em Planeamento / Estudos) as entradas pagas nos dois teatros nacionais (D. Maria II e São João) eram em 2008 ligeiramente superiores às entradas gratuitas, enquanto 66% dos espectadores da Companhia Nacional de Bailado assistiram a espectáculos sem pagar bilhete.

No caso dos teatros e das salas de espectáculos em geral, é importante distinguir entre entradas gratuitas (convites) e entradas livres(eventos/actividades/espectáculos para os quais não se paga bilhete). O TNDMII não forneceu dados para se poder fazer esta distinção. No entanto, no caso do TNSJ, entre os 49% dos espectadores que tinham assistido a espectáculos sem pagar bilhete, 85% tinha usufruído de um convite. Passando para a Companhia Nacional de Bailado, entre os espectadores que tinham assistido em 2008 sem pagar, 62% tinha convite para eventos com entrada paga.

Importa aqui esclarecer quem são as pessoas que têm acesso aos convites. Na grande maioria dos casos, não se trata de pessoas desfavorecidas ou de novos públicos; a oferta de convites não faz parte de uma política de marketing que lhes é dirigida. Quem tem acesso às entradas gratuitas são maioritariamente os convidados das estreias, as tutelas, os profissionais do espectáculo e uma vasta gama de colaboradores, amigos e conhecidos dos mesmos. Considerando os convites para a estreia um meio de promoção do espectáculo - através daquele que é o melhor e mais fidedigno meio de promoção, o passar a palavra -, importa reflectir sobre os convites disponibilizados para as restantes sessões de um espectáculo de carreira longa e também, e sobretudo, para espectáculos de carreira curta ou de apenas um dia. Não sendo, nestes casos, o objectivo a promoção, qual a razão de dar convites? É uma questão de hábito, o hábito das borlas. Porque pagar se, através de amigos e conhecidos, podemos arranjar bilhetes de borla? É ainda a preocupação de ter salas cheias ou compostas, um certo medo ou desconforto em admitir que um espectáculo não vende. É ainda, em alguns casos, mas que não são a maioria, a preocupação em facilitar o acesso a pessoas que não tenham meios financeiros que lhes permitam comprar bilhete.

O que acontece é que, para cada convite disponibilizado, a instituição que o concede é obrigada a pagar o IVA correspondente. São milhares de euros pagos em IVA para certas pessoas assistirem a espectáculos já subsidiados, muitos deles, pelo Estado. Ou seja, produz-se e ainda por cima paga-se para as pessoas assistirem. Pessoas essas que, na sua grande maioria, podem comprar bilhete. Faz sentido? Qual o propósito da continuação desta prática? Que objectivo ou estratégia serve? O dinheiro do IVA dos convites não poderia ser investido doutra forma? Ninguém questiona a perda de receita?

Portanto, ao contrário do que se passa nos museus, as entradas gratuitas nos teatros e salas de espectáculos não estão normalmente relacionadas à preocupação de formar novos públicos. Mas as políticas de preços em geral, sim. Na área das artes performativas debate-se frequentemente sobre a necessidade de disponibilizar bilhetes baratos para o público vir. Na maioria das instituições existem os descontos habituais (jovens, seniores, estudantes, etc.) A Culturgest foi a primeira a introduzir o bilhete de €5 para menores de 30 anos e o seu exemplo foi seguido por várias outras entidades. Não tenho conhecimento da existência de estudos de público com o objectivo de entender melhor a eficácia desta medida. No entanto, estaria muito interessada em saber se os jovens criaram o hábito de ver espectáculos graças aos bilhetes a €5; se vêem mais espectáculos do que seria de esperar porque o bilhete é barato e se veriam menos se fosse mais caro (digamos €10); em que outras actividades e eventos esses mesmos jovens investem o seu tempo e dinheiro e quanto pagam por eles; e se a medida contribuiu para o alargamento dos públicos.

Com base naquela que tem sido a minha experiência nesta área, diria que, mais uma vez, o bilhete mais barato só por si não cria novos públicos. Facilita o acesso a quem frequenta com alguma regularidade, mas não é incentivo suficiente para trazer novas pessoas aos teatros e salas de espectáculos. Tal como acontece nos museus, a formação de novos públicos é o resultado de uma direcção artística que programa assumindo este mesmo objectivo, da acção do serviço educativo e de uma estratégia de marketing que produzirá o ‘embrulho’ certo para esta oferta. As pessoas estão dispostas a pagar para assistir a espectáculos que consideram que não podem perder. Mesmo nesta altura de crise, as salas esgotadas não têm sido um fenómeno raro.

Portanto, e para concluir, diria que, por um lado, é preciso conhecer bem o mercado em que estamos a actuar e saber estabelecer o preço certo para cada produto. E o preço certo é aquilo que o público está disposto a pagar. Por outro lado, é necessário questionarmos a eficácia da gratuitidade como meio para a formação de novos públicos. Estudos de público e observações empíricas apontam para um caminho muito diferente para se atingir este fim.

Agradeço especialmente a CF e RC os seus comentários prévios sobre este texto.