Monday 30 June 2014

"Ou...ou" ou simplesmente "e"?

Nicholas Penny, director da National Gallery (imagem retirada do Guardian)

Os directores de dois museus de Londres anunciaram este mês que irão deixar o seu lugar assim que forem nomeados os seus sucessores: primeiro, Sandy Nairne da National Portrait Gallery e depois Nicholas Penny da National Gallery. Dois directores considerados muito bem sucedidos.

Embora nem tenham especificado algum motivo profissional especial para deixarem o cargo (pelo menos, a minha pesquisa no Google não revelou algo neste sentido), o jornalista do Guardian Jonathan Jones pensa que o motivo pode ser o aumento da pressão sobre os directores dos museus de Londres devido a expectativas populistas, a suposição da parte dos meios de comunicação de que todas as exposições devem ser um sucesso e uma crença política que os museus devem não apenas apresentar colecções bem geridas, mas também fornecer entretenimento e educação a todos. E Jones afirma:

"(...) Será que estamos prestes a ver uma nova geração tecnocrata de chefes de museus que baixam a cabeça, colocam as relações públicas em primeiro lugar e fazem tudo o que podem para cumprir metas definidas pelos políticos e pela imprensa? (...) Esse tipo de pressão não deixa propriamente muito espaço para a experimentação. Os museus não podem ser apenas máquinas de entretenimento. Devem ter um lado mais calmo, onde a arte vem em primeiro lugar, as multidões em segundo e um lado académico que reverencia alguém como Penny. Tudo isto parece ser o anúncio deprimente do final da individualidade no mundo dos museus." (leiam o artigo)

Torna-se cada vez mais difícil para mim entender porque é que os museus são ainda e constantemente confrontados com dicotomias: objectos ou pessoas; estudiosos ou tecnocratas; quietude e reverência ou publicidade e acessibilidade. Tem que ser assim? Não é possível encontrar um equilíbrio? Não podem ser ‘E’?

Ao ler o livro “Civilizing the museum" de Elaine Heumann Gurian há um par de anos, lembro-me de ter uma sensação de grande consolo ao chegar ao capítulo "The importance of 'and'." Elaine comentava sobre o relatório da American Association of Museums Excellence and Equity (um relatório que em 1993 foi distribuído a todos os estudantes de museologia no UCL, onde eu estudava). Lia-se:

"(...) Este relatório fez uma tentativa concertada para aceitar as duas ideias principais propostas por facções dentro do sector – equidade e excelência - como iguais e sem que uma delas fosse prioritária." Mais adiante: "(...) para o sector dos museus ir para a frente, é preciso mais do que trazer uma paz política, associando palavras. Devemos acreditar no que escrevemos, ou seja, que organizações complexas devem abraçar a coexistência de mais que uma missão principal." E ainda: “Ocorreu-me que talvez toda a minha carreira tenha sido metaforicamente sobre o 'e' ".

Devemos acreditar no que escrevemos, este é um ponto. E, provavelmente, o outro ponto é que devemos ir em frente e fazer aquilo sobre o que escrevemos ou falamos. Porque não é impossível fazê-lo. Quem é a melhor pessoa para o fazer? Pode ser apenas uma pessoa? Será que as equipas que envolvem profissionais com diferentes sensibilidades conseguem atingir estes múltiplos objectivos de uma forma mais equilibrada? Procuramos criar este tipo de equipas? São todos ouvidos equitativamente?

"Publicidade e acessibilidade são tudo", escreve Jonathan Jones num tom de crítica negativa no seu artigo. A publicidade pode não ser tudo, mas a acessibilidade certamente é. Os museus são para qualquer pessoa que possa estar interessada neles, mas nem todas as pessoas abordam os seus conteúdos com o mesmo nível de conhecimento ou de interesse e com o mesmo tipo de necessidades. É um trabalho difícil, de facto, mas, se os museus querem cumprir a sua missão, têm que ter um lado mais calmo e um lado de celebração. Têm que agradar àqueles que sabem e têm que encantar quem não sabe tanto ou quem não sabe nada. Foi em 1853 que o naturalista britânico Edward Forbes escreveu: "Os curadores podem ser prodígios do saber e ainda impróprios para o seu lugar, se não sabem nada sobre pedagogia, se não estão preparados para ensinar as pessoas que nada sabem." Essas pessoas são importantes também. Essas pessoas talvez sejam ainda mais importantes.

Enquanto escrevo sobre estas dicotomias, surge-me mais uma necessidade, como profissional, mas também como cidadã. Gostaria de ouvir a opinião dos responsáveis ​​pela gestão dos nossos museus (e organizações culturais em geral) sobre estas questões. Gostaria de ouvir afirmações claras, gostaria de sentir que há uma visão por trás delas. Gostaria de saber qual o plano em que poderá incidir a minha crítica. Jonathan Jones está preocupado com os tecnocratas que mantêm a cabeça em baixo, eu estou preocupada com os directores (de museus, teatros, orquestras, bibliotecas) que se mantêm silenciosos. Estive recentemente num debate onde alguém disse: "Felizmente, eu nunca fui convidado para ocupar cargos de direcção e isso significa que fui sempre livre de dizer o que penso." Felizmente? Isto não é profundamente preocupante?

Não há dúvida de que há uma grande dificuldade em lidar com gestores ou directores com opinião. Nesta nossa democracia, alguém que assume um determinado cargo é suposto mostrar uma espécie de "lealdade" que o/a impede de partilhar publicamente a sua opinião (especialmente quando contrária às posições dos governos). Não estou a defender que todos os problemas, todas as discordâncias, devam ser tratados em público. No entanto, há assuntos que dizem respeito a todos nós. Quando o Estado nomeia certas pessoas para determinados cargos, gostaria de saber o que se espera delas. Quando essas certas pessoas aceitam o cargo, gostaria de saber o que pretendem fazer e qual será o plano para alcançar os objectivos. E se elas sentem que não lhes são dadas as condições para fazerem bem o seu trabalho ou se não sentem que estão à altura do que se espera delas, eu gostaria de saber sobre isto também. Quando dois directores de museus (em Londres ou em qualquer outro lugar) anunciam, num espaço de duas semanas um do outro, que se vão embora, gostaria de perceber o porquê. Quando outros directores de museus (em Londres ou em qualquer outro lugar), se mantêm no cargo, apesar do estado das coisas, também gostaria de perceber o que é que os faz ficar.

Monday 16 June 2014

Velhos amigos, novos amigos

A Seattle Symphony Orchestra com o Sir Mix-a-Lot
Algumas organizações culturais estão interessadas em avaliar a sua programação e a forma como a apresentam e a promovem, procurando diversificar os seus públicos. Por um lado, é um passo necessário no sentido de cumprirem a sua missão. Por outro, é uma questão de sobrevivência: quanto tempo mais vão existir se não conseguirem renovar a sua relação com as pessoas?

Quando a questão é a diversificação de públicos, emerge frequentemente uma preocupação: e se, ao tentarmos estabelecer uma relação com novas pessoas, estivermos a alienar os nossos velhos amigos, aqueles que nos têm acompanhado e que nos têm apoiado durante muito tempo?

Quando surge esta questão, penso em dois exemplos.

Primeiro nos EUA, e agora também no Reino Unido e na Austrália, os teatros promovem as chamadas “sessões descontraídas” (relaxed sessions). Foram inicialmente introduzidas para permitir a famílias com filhos autistas assistirem a uma peça de teatro todos juntos, como uma família. As luzes e o som são regulados, não se exige silêncio absoluto, é permitido às pessoas saírem da sala em qualquer momento. Pequenas adaptações que acabam por tornar estas sessões acessíveis também para pais com filhos pequenos, pessoas com deficiência mental e os seus acompanhantes, pessoas para quem certos espaços ou formas artísticas são uma novidade, etc.  As sessões descontraídas são claramente publicitadas, não só para se promover a oferta, mas também para informar outras pessoas que estas sessões apresentarão ligeiras alterações em relação às apresentações habituais. Assim, estas pessoas podem optar por assistir ou por ir a uma das outras sessões.

A questão é, de alguma forma, a mesma quando se trata de museus populares ou de exposições blockbuster, que atraem um grande número de pessoas, muitas das quais vêm pela primeira vez. Filas, muita gente à frente das obras, fotografias, conversas, barulho, um zumbido constante. Não propriamente o ambiente que alguns amantes de museus mais gostam. O que fazer? Para além de controlar as entradas através da venda antecipada online de bilhetes para períodos específicos de tempo, talvez informar também as pessoas sobre os períodos mais calmos, que permitem ter uma experiência diferente. Como no início da manhã ou, especialmente, ao final da tarde; durante os horários prolongados; em certos casos, à hora do almoço; no meio da semana; em dias bonitos em vez de em dias de chuva? Vários museus e guias turísticos fornecem este género de dicas.

Suponho que a verdadeira questão aqui é: haverá apenas uma forma, a forma de algumas pessoas, de usufruir de uma exposição, uma peça, um concerto? Haverá uma forma ‘correcta’ de o fazer? Pertencerá esta oferta apenas a um público específico? Estaremos realmente a afastar os nossos velhos amigos ao procurar fazer novos?

Gostaria de esclarecer aqui que não estou a sugerir a alteração da missão ou do produto de uma organização a fim de estabelecer novas relações. Um produto diferente significaria uma organização diferente, uma missão diferente e uma relação diferente, não aquela que nos preocupa. Isto significa que – para dar um exemplo recente – quando a Seattle Symphony Orchestra se orgulha de ocupar um lugar único no mundo da música sinfónica desde 1903, o seu concerto com Sir Mix-a-Lot, apesar de aparentemente ter sido muito divertido, não contribui propriamente para criar uma relação com novas pessoas pelo amor, compreensão e usufruto da música sinfónica. A orquestra está simplesmente a entrar num território diferente para trazer mais pessoas e pessoas diferentes (no entanto, devemos tomar em consideração o facto da senhora que mais parece ter gostado do concerto ter afirmado que está a pensar voltar e que tem o programa da orquestra – mas irá voltar para quê?) - leiam o artigo no New York Times.


A oferta cultural não é propriedade de alguns públicos, não pertence a um número restrito de pessoas. Pertence a todos aqueles que estão interessados e a todos aqueles que poderiam estar interessados, mas que não tiveram ainda a oportunidade de experimentar. Assim, acredito que as organizações culturais podem e devem servir mais que um género de público e com isso quero dizer que podem procurar formas diferentes de apresentar um produto específico. Às vezes, poderá não ser possível fazer isto em simultâneo, agradar a todos aos mesmo tempo; mas é possível fazê-lo separadamente, de forma que todos possam encontrar aquilo que procuram. Noutros casos, poderá ser possível juntar velhos e novos amigos, permitindo a cada parte descobrir, possivelmente, novos aspectos naquilo que pensavam que conheciam.


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