Monday 29 July 2013

Kennedy Center: o fim da aventura

Foto: Ihor Poshyvailo
Não estaria a exagerar se dissesse que o Fellowship no Kennedy Center for the Performing Arts foi a mais significativa experiência profissional que tive nos últimos anos.

Abriu novos mundos para mim, mostrou-me novos caminhos e diferentes realidades, ajudou-me a respirar, inspirou-me e fez-me pensar.

Graças à equipa do Kennedy Center e do DeVos Institute, pensamentos, ideias, dúvidas, convicções e práticas foram organizadas e começaram a fazer sentido, tornando-me, penso, numa profissional melhor, mais conhecedora e capaz.

Além disso, graças à grande oportunidade de estar e trabalhar com gestores culturais de todo o mundo, pessoas inteligentes e inspiradoras, os meus conhecimentos aprofundaram-se e tornaram-se mais diversos.

E mais: estas pessoas muito especiais, dedicadas e determinadas, lembraram-me que, se permitirmos que outros nos atrofiem, não seremos o melhor que podemos, não faremos o melhor que podemos; ajudaram-me a vencer o medo e a fazer o que tinha que fazer.

O meu profundo agradecimento à equipa do Kennedy Center / DeVos Institute e a todos os Fellows: por tudo o que aprendi convosco e que ficará comigo, para sempre.

Um agradecimento igualmente profundo ao Rui Catarino, Cecília Folgado e Rui Belo: não teria conseguido fazer isto sem vós.

Posts escritos durante o Fellowship

2011

A começar no Kennedy Center






2012




2013


Graduation Day

Monday 22 July 2013

Apresento-vos a Rosa Shaw

Rosa Shaw (Foto: Maria Vlachou)
Apresento-vos a Rosa Shaw. É a primeira pessoa que nos cumprimenta quando entramos no Kennedy Center for the Performing Arts. É um dos guardas do memorial e uma das caras da instituição. É bem educada, tem sentido de humor, é prestável. Quando alguém parece estar perdido ou confuso, não espera que lhe peçam ajuda, aproxima-se e tenta ver se pode ajudar. A farda poderia causar alguma inibição nos visitantes – uma preocupação permanente entre os que trabalham na área da comunicação – mas, olhando para a Rosa e a forma como faz o seu trabalho, torna-se claro que, mais do que uma questão de aparência, é uma questão de atitude.  

A Rosa faz-me pensar em vários guardas que tenho encontrado em museus. Pessoas que parecem extremamente aborrecidas e cansadas; ou pessoas que evitam o contacto visual e depois seguem-nos de perto, apesar de sermos o único visitante na sala; ou pessoas que estão a discutir em voz alta os seus problemas familiares ou laborais, não dando nenhuma atenção aos visitantes. Guardas deste género fazem-me pensar o quão mais interessante seria o seu trabalho, e qual seria o benefício para o museu ou a instituição cultural em que trabalham, se lhes fosse dada formação adequada e responsabilidades diferentes – mais responsabilidades – do que simplesmente estarem sentados numa cadeira ou de pé num canto, sisudos e aborrecidos, interagindo o menos possível com os visitantes.

Guardas no Brooklyn Museum (Foto: Maria Vlachou)
Digo isso porque tive também outras experiências. Há três anos, juntei-me a uma visita guiada à exposição das Tapeçarias de Pastrana no Museu Nacional de Arte Antiga em Lisboa. Quando a visita acabou, dirigindo-me à saída, ouvi um guarda a falar com duas senhoras, explicando tudo o que uma pessoa precisava de saber sobre aquelas obras, mas com um entusiasmo e empenho que igualava aquele do pessoal do Serviço Educativo. E numa linguagem muito mais acessível do que aquela dos textos nos painéis. Mais recentemente, numa visita à exposição de El Anatsui no Brooklyn Museum, ouvi duas guardas a falar sobre uma das obras. Adorei ouvir a sua conversa. Mais tarde, uma delas cumprimentou um pequeno grupo de visitantes e ofereceu-se para tirar-lhes uma fotografia à frente de uma das obras, para poderem ficar todos nela. Todo o ambiente estava descontraído e amigável e informal, senti que fazia toda a diferença.

Os guardas dos museus podem parecer silenciosos e sisudos, até ameaçadores às vezes, mas têm olhos e sentimentos e opiniões sobre as obras que os rodeiam. Há umas semanas, a Washington Post publicou um artigo muito interessante sobre os guardas dos museus da capital americana (ler aqui), onde falavam das suas obras favoritas e o porquê de serem as suas favoritas. Uma delas dizia que o facto de trabalhar num museu despertou o seu interesse pela arte e, consequentemente, fê-la olhar para todas as coisas de uma forma diferente. Ao ler as suas entrevistas, pensei como gostaria de ter tido uma conversa directa com eles, como visitante e como profissional.



Numa instituição cultural, o pessoal da Frente de Casa (sejam eles guardas ou assistentes de sala ou bilheteiros) são algumas das pessoas mais importantes na equipa no que diz respeito ao marketing institucional. São a cara, são a voz, são a atitude. São também os ouvidos, uma vez que estão mais próximos dos visitantes ou espectadores do que a Gestão. O pessoal da Frente de Casa tem um papel decisivo na qualidade de toda a experiência de visitar uma instituição cultural. Uma exposição que nos desiludiu ou um espectáculo que provou ser um desastre não nos vai manter afastados para sempre; assumimos um risco e sabemos que poderá não vir a corresponder à expectativa. Por outro lado, se não formos bem tratados, se nos depararmos com funcionários que são mal educados ou de mau humor, que não têm a informação que precisamos, que não são prestáveis ou que mostram não se preocupar, isto poderá fazer toda a diferença e determinar se vamos voltar ou não. Mesmo quando temos que escolher entre duas exposições ou dois espectáculos interessantes, é muito provável que o atendimento ao público, o lugar onde nos sentimos mais bem tratados, faça toda a diferença na nossa decisão.

No entanto, apesar da sua posição e papel estratégicos, o pessoal da Frente de Casa é normalmente negligenciado pela Gestão; menosprezado também. Não lhes é dada formação adequada em relações públicas e atendimento ao público; não lhes é dada informação sobre o que estão a guardar ou a vender ou o que vão ver as pessoas que encaminham aos respectivos lugares; muito frequentemente, não lhes é dada sequer informação importante sobre o que se passa na instituição na qual trabalham em termos de programação ou horários ou preços / descontos ou outras informações práticas que o público procura (já alguma vez presenciaram o desconforto e constrangimento de um membro da Frente de Casa quando não pode responder a uma pergunta lógica ou, pior, quando é informado pelo público sobre o que se passa na instituição onde trabalha?); sentem-se frustrados pelo facto da sua opinião não ser tida em conta, até quando se trata de opiniões e comentários do público que eles simplesmente transmitem superiormente, porque os ouviram ou porque os receberam.

Os funcionários da Frente de Casa não são o pessoal que ‘apenas’ guarda ou ‘apenas’ vende ou ‘apenas’ responde ao telefone ou ‘apenas’ leva as pessoas ao seu lugar. São uma parte valiosa da equipa, a parte mais visível. São aqueles que dão as boas vindas ao público, que falam com ele, que promovem a instituição – não apenas os seus conteúdos, mas também a sua visão e os seus princípios. Parece óbvio e natural que lhes sejam dadas as ferramentas para poderem fazer o seu trabalho e fazê-lo bem. A Rosa parece ter prazer em fazer o seu trabalho. E é um prazer vê-la fazê-lo.

Monday 15 July 2013

Blogger convidado: "Chile cultural ou a tentativa de modelos de gestão descentralizados", por Eduardo Duarte Yañez (Chile)

Eduardo Duarte Yañez é um gestor cultural chileno. Neste post partilha connosco as suas preocupações relativamente àquela que considera ser uma obsessão do governo do seu país com o “impacto” da cultura – conceito esse que Eduardo considera ter sido muito pouco ou mesmo nada definido por quem o usa. Ao mesmo tempo, deposita a sua confiança nas comunidades locais que, juntamente com a cooperação cultural internacional e as autoridades políticas locais, estão a desenhar modelos de gestão cultural, procurando abrir um caminho para a concretização de programas culturais. mv

Abertura do Primeiro Encontro Internacional Mujeres por la Cultura, que se realizou na semana passada do Chile.

Falar de processo culturais no Chile, na perspectiva do registo de modelos de gestão de cidades, onde o papel da cultura, apesar de não ser protagonista, tem uma importância vital nas políticas públicas de desenvolvimento local, é algo não muito animador para os gestores culturais, artistas e movimentos culturais comunitários, a sociedade civil organizada.

Existe, é certo, uma política cultural nacional que foi aprovada até 2016, onde nos são dados uma série de conceitos em voga, onde se menciona pela primeira vez a valorização do Património Cultural Imaterial, muitas medidas e eixos aos quais, quase transversalmente, não é associado um plano de gestão para os levar para a frente.

Por trás deste panorama, tentaremos focar-nos, de uma forma geral, nas realidades locais das comunidades. Nos últimos quatro anos não se avançou com nenhum conceito ou critério para se entender o que o Ministério da Cultura do Chile (sem classificação ministerial, outra contradição) chama de “impacto” e a sua obsessão com isto. Qual é o impacto de um poema ou de uma composição musical? O número de pessoas que o lêem ou que a ouvem? A qualidade da leitura ou da audição? E qual o prazo para se medir isto? Quantas décadas terão de passar para que a obra de Gabriela Mistral comece a ter um “impacto” na cultura nacional, caso esteja efectivamente a ter “impacto”…? Como quantificar “o impacto” de uma obra pictórica? Pelo número de olhos que a têm visto num determinado período de tempo (meses, anos?) ou pelo seu valor no mercado de arte? Receio que a preocupação legítima pelos resultados de uma certa política pública (neste caso, cultural), obcecada com o “impacto”, se não houver cautela, pode acabar num beco sem saída.

Por outro lado, também o debate pela gratuitidade ou não das actividades culturais (acesso à cultura) é algo feito apenas de forma marginal, e não como um debate entre os cidadãos. A maior parte da oferta cultural é gratuita, e em muitos casos mistura-se e confunde-se com o entretenimento de shows para as massas, que são capazes de atingir o valor do orçamento anual de um Departamento Municipal de Cultura.

No Chile existem 345 câmaras municipais. De acordo com o segundo inquérito nacional de cultura (realizado pelo Conselho Nacional da Cultura e das Artes), a forma artística com maior número de espectadores chilenos é o cinema (34%), seguido dos concertos (29,3%). Esta situação revela um interessante debate relativamente aos conteúdos cinematográficos, onde os cinemas tradicionais foram substituídos pelos cinemas nos grandes centros comerciais, e onde a programação está baseada na indústria cinematográfica de Hollywood, na qual “escolher” que filme ver significa “escolher entre os filmes que te obrigo a ver”, não há uma variedade de conteúdos onde possam também ser realizadas mostras de cinema independente ou ciclos de cinema nas universidades públicas ou privadas.

A política de fomento à leitura é um outro capítulo, ainda mais longo, de ambiguidades. Chile tem 19% de imposto nos livros, algo que faz sangrar as editoras, os autores emergentes ou não, e principalmente o cidadão comum que se vê impossibilitado de comprar livros que, muitas vezes, pressupõem 20% a 30% de um salário mensal com o qual deve sustentar a sua família. Um trabalhador não pode adquirir livros com conteúdos de qualidade, é proibitivo.


Contrariamente a tudo o que foi dito até agora, as comunidades locais, como é o caso de Coquimbo, juntamente com a cooperação cultural internacional e as autoridades políticas locais, estão a desenhar modelos de gestão cultural, como os Planos Directores de Cultura, ferramentas flexíveis que se constroem com todos os agentes culturais locais, procurando definir um rumo para a concretização de programas culturais, sustentáveis e com um registo preciso de cada acção para contemplar a maior quantidade de indicadores. Avançou-se com projectos como a Cartografia Sociocultural de Bairros Populares de Coquimbo e a Etnografia Escolar, seguindo os modelos de sucesso de Educação Patrimonial do Brasil e da Colómbia. Iniciou-se a implementação em 2012, com fundos do orçamento municipal para a cultura, da experiência dos Seminários Debates dos Microbairros, para incluir, com rigor e método científico na compilação de dados e também com múltiplos formatos de obtenção de indicadores, sem serem necessariamente académicos, questões muito importantes que devem ser tomadas em consideração.
Desta forma, os municípios vão criando uma visualização mundial dos seus principais activos bioculturais, e avançam igualmente com a experimentação de modelos de gestão cultural das cidades, de forma comunitária e inclusiva. Trata-se de uma tarefa muito ampla e, com certeza, com muitos altos e baixos, no entanto o mais interessante no processo cultural da região de Coquimbo - que contou com o primeiro prémio Nobel para uma mulher, Gabriela Mistral - é que há uma inter-relação entre as suas cidades e uma disposição integral dos gestores, artistas e autoridades políticas, para trabalhar de forma articulada. Espera-se que possamos ter no final de 2013 a primeira memória deste processo que se vai adaptando e que recebe novos impulsos por parte da comunidade local.
Eduardo Duarte Yañez é escritor e gestor cultural, criador de múltiplos projectos e programas de cultura para o desenvolvimento local e a integração cultural. Foi distinguido em 2006 com um prémio nacional de Gestão Cultural Municipal no Chile. É licenciado em Gestão Cultural, pela Faculdade de Artes da Universidade do Chile; pós-graduado em Cooperação e Gestão Cultural Internacional pela Universidade de Barcelona, Espanha. Publica em diversos meios de comunicação na América Latina e em Espanha.

Monday 8 July 2013

'Apenas' um museu, 'apenas' uma artista?

A artista Ahlam Shibli no Jeu de Paume (Foto LP/Philippe de Poulpiquet, retirada do jornal Le Parisien)
Já tinha escrito aqui sobre a minha experiência de há vinte anos quando visitei um museu de história na cidade de Halifax no Reino Unido. Tinha ficado absolutamente chocada quanto vi, numa das fotografias expostas, combatentes da resistência cipriota contra o poder britânico a serem identificados como “terroristas”. Ao mesmo tempo, penso que me apercebi naquela altura – tinha 23 anos – que havia pessoas que contavam aquela mesma história de uma forma completamente diferente. Os homens na fotografia poderiam ter matado os seus entes queridos, que tinham sido enviados pelo seu país para defender uma autoridade, na sua opinião, legítima.

Mesmo assim, independentemente do meu choque, não ameacei o museu com uma bomba, não iniciei uma petição para fechar a exposição. Que é exactamente o que tem acontecido em Paris nas últimas semanas como resposta a certas fotografias exibidas no âmbito da exposição Foyer Fantôme, no museu Jeu de Paume, pela artista palestiniana Ahlam Shibli. Porquê? Porque certas pessoas sentiram que a exposição de fotografias de bombistas suicidas palestinianos, e o facto de serem referidos como “mártires”, era uma forma de glorificar o terrorismo. Considero, obviamente, as reacções e ameaças dos grupos pró-Israelitas totalmente inaceitáveis. Mas devo também dizer que não me surpreendem. O assunto é sensível, controverso, e aqueles que afirmam estar surpreendidos pelas fortes reacções de certos grupos ou que nos avisam relativamente ao retorno da censura (ler o artigo de Emmanuel Alloa La censure est de retour) ou são ingénuos ou não são honestos com eles próprios e com os outros. Não há nada de novo ou de surpreendente nestas tentativas de censura, aconteceram no passado e voltarão a acontecer. Mas não é sobre isto que quero falar.

Elogio os museus que têm a coragem de tocar em assuntos difíceis e controversos. Os museus devem fazer exactamente isso: desafiar as nossas ‘histórias’, apresentar ‘o outro lado’, provocar debate, criar espaço para isso. No entanto, não tenho a certeza se o propósito do Jeu de Paume era esse.

Lê-se no website do museu relativamente à exposição: “Morte, a última série de Ahlam Shibli, especialmente concebida para esta retrospectiva, mostra como a sociedade palestiniana preserva a presença de ‘mártires’, de acordo com o termo usado pela artista. Esta série testemunha uma vasta representação dos ausentes através de fotos, cartazes, painéis e graffitis expostos como forma de resistência.” O museu parece ter perfeita consciência que o uso do termo ‘mártir’ pode ser controverso e atribui o mesmo à artista. Por outro lado, a artista, citada no artigo de Emmanuel Alloa, afirma que “O meu trabalho é apenas mostrar, não é nem denunciar nem julgar”. 

Na minha opinião, as exposições não mostram ‘apenas’. Nem os artistas. Exposições e artistas fazem afirmações. A Ministra Francesa da Cultura pareceu-me muito mais afirmativa no seu comunicado público e não pareceu querer fugir àquela que é a verdadeira questão: “Esta alegada neutralidade pode também ser chocante”, disse ela, “e causar más interpretações, uma vez que não explica o contexto das fotografias, que não é apenas aquele da perda, mas também o do terrorismo.” (ler o comunicado na íntegra aqui).

Death nr. 37, por Ahlam Shibli (imagem retirada do blog Lunettes Rouges)
O Ministério pediu ao museu para completar a informação disponibilizada aos visitantes para, por um lado, clarificar e explicar melhor o propósito da artista e, por outro, para fazer a distinção entre a proposta da artista e posição da instituição. A Ministra foi atacada de todos os lados, pró e contra a exposição. Pessoalmente, não vejo porque é que um museu deveria manter a distância das suas opções da forma como parece ter sido sugerido pelo Ministério Francês. O que deveria ficar mesmo claro é por que razão o museu escolhe apresentar a exposição A ou B ao público, como é que esta escolha vai ao encontro da sua missão e programação, o que pretende comunicar, que género de reflexão e discussão procura promover.

Não posso dizer que são claros para mim os propósitos do Jeu de Paume e as razões porque optou por apresentar uma artista que ‘quer apenas mostrar’. Procurei várias vezes no website do museu a existência de um programa paralelo que poderia complementar a exposição com comunicações e debates. Nada. Quando foi finalmente anunciado um debate, organizado pelo museu e pelo Observatoire de la Liberté de Création, “reagindo à controvérsia gerida pela exposição”, este iria abordar questões como a liberdade da representação artística, a responsabilidade das instituições que expõem obras que possam causar polémica, a liberdade do visitante de ter acesso às obras e a liberdade de expressão em todas as suas componentes (ler aqui).

Isto é tudo muito bom. Isto é exactamente o que deveria ter sido programado antecipadamente e não como reacção a uma polémica. E deveria ter ido mais longe do que a discussão geral da liberdade de criar, liberdade de expor, liberdade de visitar. Esta exposição levanta outras questões importantes e específicas.

Teria esperado que o Jeu de Paume não fingisse que não estava à espera de uma enorme polémica quando bombistas suicidas palestinianos são referidos como mártires. Teria esperado que a artista não quisesse “apenas mostrar”, como se fosse ‘apenas’ uma repórter, como se não tivesse tirado e exposto estas fotos com a intenção de fazer uma afirmação. Teria esperado que ambos, o museu e a artista, quisessem verdadeiramente provocar um debate, empurrar as fronteiras para a frente, criar espaço para discutir o que é história, identidade, conflito, justiça, resistência, um acto ou um estado terrorista. Esta é a questão palestiniana, aqui não há “apenas”.

Ainda neste blog

As histórias que contamos a nos próprios

Silenciosos e apolíticos?

A longa distância entre Califórnia e Jerusalém


Mais leituras

Marie-José Mondzain, Artiste palestinienne : liberté pour l'art au Jeu de Paume (Le Monde, 21.6.2013)


G.W. Goldnadel, France/Jeu de Paume: double honte (Israël Flash, 21.6.2013)
Marta Gili: Je refuserai toujours lacensure au Jeu de Paume. Entrevista da Directora do Jeu de Paume (Le Figaro, 24.6.2013)

Monday 1 July 2013

Blogger convidado: "Useo", por Jorge Barco (Colómbia)

Medellín é a segunda maior cidade da Colómbia. Para alguns, continua a ser sinónimo de cartel de drogas. Para outros, é a cidade-exemplo, que através de políticas culturais e sociais, conseguiu baixar o índice de criminalidade e mostrar aos seus habitantes novos caminhos para o seu desenvolvimento pessoal e também comunitário. Recentemente, li uma entrevista de Jorge Barco, Director do Departamento de Educação e Cultura do Museo de Arte Moderno de Medellín. Fiquei muito contente quando aceitou escrever para o Musing on Culture e partilhar a sua reflexão sobre o papel que as instituições culturais, e em particular os museus, podem ter no desenvolvimento de uma nova relação com a criação, o património e a vida em comunidade. mv

Colectivo Imoar (Foto: Andres Sampedro)
“La estabilidad que estamos construyendo ahora es afectivopráctico y no material, un inmenso laboratorio de la imaginación, aprovechando de toda grieta que se puede encontrar para dar cuerpo a lo que sentimos dentro” Las Grietas

O convite de Maria Vlachou para escever no seu blog, assim como do  ICOM para participar no próximo encontro de Museus no Rio de Janeiro, é para mim uma oportunidade para começar a organizar algumas ideias que têm motivado grande parte da minha reflexão como gestor, educador e activista nos museus da região de Antioquia (Colómbia) nos últimos  sete  anos.

Hoje faz sentido pensar o papel que as instituições culturais – e em particular os museus – podem ter como cenários propícios para reconfigurar uma nova relação com a criação, o património e a vida em comunidade. Os museus – num papel que se aproxima decididamente ao dos 'centros culturais', no caso especial de Medellín– têm um papel importante na promoção de programas educativos, culturais, expositivos, que ultrapassam os muros da instituição para chegar a favelas e populações distantes. E do seu interior, reinventam continuadamente as formas de se relacionarem com os seus públicos a partir da educação expandida (Edupunk), os novos enfoques de gestão cultural e o trabalho em rede.

Do seu lado, o Museo de Arte Moderno de Medellín (MAMM) – reinstalado, desde há quatro anos, numa antiga oficina de fundição de metais – tem sido consolidado como um lugar estratégico no país, pela sua programação expositiva, mas sobretudo  educativa e cultural. É um lugar propício para formular as seguintes perguntas:

Quais são as linhas orientadoras deste trabalho? Quais são os elementos para começar a criar uma nova institucionalidade e definição para o que historicamente temos chamado  Museu?

A procura de respostas para estas perguntas leva-me a propor a construção de confiança como um dos princípios orientadores: um exercício fino, perseverante e delicado de tecido e relacionamento comunitário que se  desenvolve a par com o trabalho colaborativo e em rede, o qual  se pode ver  desenhado na  cartografia de uma cena cultural cada vez mais expandida. O projecto  LABSURLAB é apenas um exemplo de como uma iniciativa que surgiu no MAMM se converteu numa rede mundial  de activistas que trabalham em torno das noções de arte, ciência, tecnologia e comunidades com um enfoque biopolítico.

LABSURLAB (Foto: Checho)

Através da construção de mapas dos projectos que se desenvolvem no território, estamos a criar relações de sentido entre os actores da cultura na cidade, na região, no continente e no mundo, procurando vincular cada vez mais grupos sociais, identitários, profissionais, assim como instituições, universidades, empreendimentos, projectos e comunidades, para a mobilização de ideais. A cartografia  dos projectos culturais é um instrumento fundamental nos processos de criação cultural contemporânea.

Uma outra linha de acção é dirigida à exploração de novas definições para o que normalmente chamamos gestão cultural, procurando conferir-lhe todo o poder criativo que alberga, a partir de modelos abertos que permitem reinventar as relações de criação, circulação e apropriação; reconhecendo que – assim como acontece com as práticas artísticas– nos projectos culturais boa parte do trabalho radica na mesma gestão. Necessariamente, esta situação faz-nos também repensar os papéis e as relações – entre quem cria, quem recebe, quem educa, quem exibe e quem gere –, ao mesmo tempo que ocorre uma transformação dos campos disciplinares.

Há mais um elemento que vincula o trabalho como activistas culturais às tecnologias, para além dos aspectos meramente técnicos: as ferramentas que nos proporcionam este momento albergam novos formatos para a criação colaborativa, a educação, a gestão de projectos, o activismo, a reorganização do trabalho e a produção dos bens comuns. Os processos culturais e artísticos ligados à cultura digital são hoje territórios de limite, fronteira e de intercâmbio, e o museu é um lugar estratégico a partir do qual se podem activar estes processos.

Uma linha adicional tem sido orientada para gerar diálogos criativos a partir do museu como instituição com os movimentos e iniciativas independentes, que podem ir desde residências artísticas, circuitos de música e bares a espaços não convencionais de educação não formal, com o objectivo de realizar projectos desde a cooperação e o mutualismo. O propósito tem sido gerar ambientes de diálogo, de co-criação e de oportunidades para ambas as esferas  (instituições e movimentos).

Equipa Educação e Cultura do MAMM (Foto: Clara Botero)
A partir desta perspectiva, a função do museu é global e, ao mesmo tempo, local, proporcionando um lugar de encontro entre as múltiplas camadas e ofícios da criação contemporânea e potenciando o desenvolvimento das subjectividades. Um lugar de encontro, trabalho, produção e investigação, para além de exposição e divulgação, onde todos os elementos se misturam, se alimentam e desde o qual poderia surgir uma nova institucionalidade e espaço que proponho que se chame provisoriamente ‘Useo’.


Jorge Bejarano Barco trabalha no sector dos museus da região de Antioquia (Colómbia) desde 2007. Actualmente, é Director do Departamento de Educação e Cultura do Museo de Arte Moderno de Medellín. No passado, trabalhou no Museo de Antioquia, na Rede de Museus e nos Conselhos Municipal e Departamental de Cultura. Participou na criação de projectos e redes independentes para a confluência entre arte, ciência, tecnologias e comunidades (ver aqui e aqui e aqui). Foi conferencista convidado na Cátedra Medellín-Barcelona, no Encuentro Internacional los Museos en la Educación organizado pelo Museo Thyssen Bornemisza em Madrid, no Master en Gestión Cultural y Economía de la Cultura de la Universidad de Valladolid, na Facultad de Diseño y Arquitectura da Universidad de Buenos Aires, no Festival de Cultura Digital de Rio de Janeiro, no Festival Internacional de la Imagen (Manizales) e nas Universidades de Antioquia e Jorge Tadeo Lozano (Bogotá). Actualmente, os seus interesses concentram-se na investigação sobre produção cultural, filosofia dos media, educação expandida, propondo diálogos entre instituições e movimentos, desde o trabalho colaborativo em rede ou a redefinição de uma série de acções que juntam a arte e o activismo cultural.