Monday 25 June 2012

Tal como no futebol

(Foto retirada de Page3Sportz)
Não sou fã do futebol. Não porque acho que é o “ópio do povo” ou porque acho que está a tirar dinheiro à cultura… Simplesmente, não tenho paciência suficiente. E muito frequentemente as enormes quantias de dinheiro para a transferência de jogadores deixam-me profundamente indignada; acho um enorme exagero, uma provocação. Mesmo assim, confesso que em 2004 (e peço desculpa aos meus amigos portugueses por estar a lembrar-lhes desse momento difícil na nossa relação) vi todos os jogos a partir dos quartos de final. Era impossível resistir ao sentimento geral de expectativa e entusiasmo. E ainda me lembro do momento em que gritei “Golo!!!” na final, quando toda a vizinhança ficou de repente num silêncio de morte.

Penso frequentemente naquilo que faz as pessoas em todo o mundo, de diferentes backgrounds, vibrarem com o futebol; naquilo que, em certos momentos, faz com que, até aqueles moderadamente interessados ou totalmente desinteressados, sejam incapazes de o ignorar. Penso que sejam vários factores – tanto intrínsecos como desenvolvidos pelos clubes e as federações – e que o sector cultural poderia descobrir aqui algumas lições.

O futebol é emoção, excitação, entusiasmo, expectativa, prazer, alegria, orgulho, dor, satisfação, desilusão.

O futebol é também identidade, um sentimento de pertença, de fazer parte de uma comunidade que apoia os mesmos objectivos, onde todos os membros juntos celebram vitórias e sofrem pelas derrotas.

O futebol é ainda partilha e tolerância. Não se convive apenas dentro da comunidade, mas o gosto, a alegria e o prazer são celebrados juntamente com membros de outras comunidades, “adversárias”. 

Estas são algumas das características e dos valores intrínsecos do futebol que o tornam importante na vida das pessoas (existem igualmente outras características, totalmente contrárias a estas, mas aqui interessam-nos as boas lições). É precisamente sobre estas características e valores que os clubes e as federações constroem a sua ‘oferta colateral’, procurando fortalecê-los e criar uma extensa família de fãs, um dos pilares da sua sustentabilidade, tanto pelo seu apoio financeiro directo, como porque atraem patrocínios. Gostaria de me concentrar aqui em dois pontos que me parecem relevantes para esta discussão:

- Os clubes de futebol envolvem as pessoas partilhando extensivamente e permanentemente, através dos seus próprios canais e também dos media oficiais, notícias sobre a sua vida do dia-a-dia: treinos e jogos, análises de decisões estratégicas, objectivos, transferências, lesões, questões de gestão, eventos sociais, trabalho comunitário, etc. Partilham ainda os seus sentimentos, medos, esperanças, preocupações, expectativas, desejos e sonhos.

- Os clubes de futebol envolvem ainda as pessoas através das assinaturas, oferecendo benefícios (em geral, alguns descontos), mas também concedendo-lhes o direito de voto, partilhando, assim, com elas a responsabilidade pela gestão e o futuro do clube. Assim, os sócios desenvolvem um sentimento de propriedade, as direcções dos clubes tornam-se accountable (explicam o que andam a fazer, como o fazem, porquê, quanto gastam e o que vão fazer a seguir, dão a conhecer o que se conseguiu e justificam aquilo em que se falhou) e os sócios esperam que o sejam, exercendo frequentemente o seu direito de as questionar e sendo até capazes de forçar demissões.
(Photo taken from FanIQ)
Poderia agora recomeçar e dizer:

A cultura é emoção, excitação, entusiasmo, expectativa, prazer, alegria, orgulho, dor, satisfação, desilusão.

A cultura é também identidade, um sentimento de pertença, de fazer parte de uma comunidade que apoia os mesmos objectivos, onde todos os membros juntos celebram vitórias e sofrem pelas derrotas.

A cultura é ainda partilha e tolerância. Não se convive apenas dentro da comunidade, mas o gosto, a alegria e o prazer são celebrados juntamente com membros de outras comunidades. 

A cultura é tudo isto e muito mais. Estes e muitos outros são os seus valores intrínsecos. Nós sabemo-lo. Outras pessoas (o chamado “público em geral”) também o sabem. Sobretudo quando falamos com todos sobre a cultura em termos que cada um entenda. Porque nesse caso quase todos se apercebem que, de uma forma ou de outra, cada um de nós, quase todos, ou produz ou consome um género de produto cultural, um produto que lhes faria falta se não tivessem mais acesso a ele.

Não pretendo ser simplista, nem ignorar a diferença de escala, nem é minha intenção analisar aqui o lado negro do futebol (que todos conhecemos). Acredito, no entanto, que alguns dos meios usados pelos clubes de futebol para envolver as pessoas e garantir o seu apoio (assim como a sua própria relevância na vida delas) poderiam também ser usados pelas instituições culturais. Imaginemos:

Uma instituição cultural que anuncia publicamente a sua missão e objectivos específicos a curto, médio e longo prazo; que permite aos membros da sua ‘família’ de apoiantes terem uma palavra a dizer; que partilha com todos os interessados momentos da sua vida diária (montagem de exposições, ensaios, momentos do trabalho do dia-a-dia dos seus funcionários ou dos artistas – alegria pelas coisas conseguidas, desilusões pelas coisas que não correram bem, incidentes que tenham piada, pequenos segredos, desejos e esperanças -, as impressões dos visitantes e espectadores sobre a experiência, gestores ou directores ou curadores ou programadores a partilhar as suas ideias sobre futuros projectos, visitas de VIPs, parcerias com outras entidades, etc.); uma instituição cultural que procura formas de tornar a sua oferta de alguma forma acessível também para aqueles que não chegam a ela, fisicamente ou financeiramente. Em suma, imaginemos uma instituição cultural que não tem medo de se desmistificar perante pessoas de todos os backgrounds; e que não tem medo de se tornar mais accountable.

Na verdade, se pensarmos bem, tudo isto não é exactamente novo para todas as instituições culturais. Existem museus, galerias, teatros, companhias, orquestras em todo o mundo, pequenos e grandes, que, cada um de acordo com os seus recursos e à sua escala, implementam algumas destas técnicas. Talvez o impacto não seja comparável ao do futebol (talvez nunca o pudesse ser; estamos, na verdade, a falar de duas áreas diferentes). Mas há um impacto. E torna-se realmente considerável quando esta atitude faz parte do nosso planeamento estratégico; quando entendemos que a partilha (de planos, pensamentos, sentimentos, responsabilidade) é uma forma de construir uma ‘família’ mais forte e conquistar o seu apoio; quando somos sinceros no nosso desejo de comunicar e de envolver. Tal como acontece no futebol.

(Foto retirada de The Hindu)

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