Monday 11 February 2013

Blogger convidado: "Nepal a desafiar-se a si próprio e ao mundo", por Sangeeta Thapa (Nepal)


Sangeeta Thapa é minha colega no fellowship do Kennedy Center. No verão de 2011 tive a oportunidade de ter uma longa conversa com ela sobre a primeira edição do Kathmandu International Art Festival, sendo a Sangeeta a sua impulsionadora. Vi o catálogo, aprendi sobre alguns dos artistas, uma história trazia sempre outra. Nessa altura, Sangeeta falava já da próxima edição do Festival, que seria dedicada a questões ambientais. Esta teve lugar em Novembro passado e as fotografias colocadas no Facebook eram lindíssimas. Sangeeta partilha aqui essa maravilhosa experiência que juntou artistas de 31 países e que envolveu o país inteiro. Este post foi escrito juntamente com Sharareh Bajracharya (Festival Coordinator) e Nischal Oli (KIAF Media Coordinator). mv 

"We may end up in the same boat", por Michelle Spalding (Foto: KIAF)
O Kathmandu International Art Festival (KIAF) é um festival de arte contemporânea não comercial, que se organiza de três em três anos com o objectivo de “colocar firmemente o Nepal no mapa global como um foro para a arte contemporânea, dar espaço à colaboração artística e ao intercâmbio entre artistas internacionais e locais, e usar a arte como uma plataforma para a reflexão crítica e a sensibilização da sociedade”. Cada edição do Festival concentra-se numa temática específica, de interesse local e global.

Em Novembro 2012 a Siddhartha Arts Foundation apresentou a 2ª edição do KIAF, centrada na temática do ambiente, da ecologia, das alterações climáticas e da relação humana com a natureza. Apesar de Nepal não ser um poluidor global, somos uma nação vulnerável. As alterações climáticas são um tema de grande importância para nós, uma vez que as montanhas dos Himalaias abrigam as maiores torres de água no mundo. O aquecimento global resultaria num tsunami vertical que poderia inundar 33 países.

A gestão do Festival envolveu diferentes instituições e pessoas na comunidade artística, e o Festival foi visto como uma plataforma de apoio para uma forte e emergente geração de artistas contemporâneos no país. Um dos mais importantes objectivos do Festival é promover a arte contemporânea do Nepal, por isso, foi possível juntar um conjunto de energias individuais e colectivas, que atraíram uma maior audiência, criando um impacto ainda maior. O KIAF manteve-se como plataforma de intercâmbio interdisciplinar sobre questões levantadas pelo tema e objectivos do Festival. Este intercâmbio foi promovido, através de todas as dimensões do Festival, entre instituições, artistas, os media, comunidades tradicionais e instituições de educação. Existe um consenso geral que o Festival foi uma esforço colaborativo e que as pessoas superaram aquilo que teria sido o seu dever para o fazer acontecer. Desta forma, criou-se um sentimento colectivo de pertença.


Seguindo a nossa missão de tornar a arte contemporânea acessível a um público mais alargado, e a colocá-la em diálogo com as pessoas, o KIAF exibiu os trabalhos dos artistas em vários locais em toda a cidade. Os trabalhos foram levados até à porta de casa das pessoas. Isto significa que mais pessoas visitaram as exposições e permitiu-nos tirar a discussão relativamente ao aquecimento global do domínio da academia e de a levar ao mundo das artes criativas e às pessoas. A alargada representação e a variedade de formas de arte permitiram atrair públicos diversos e deixaram uma impressão monumental. 

Pessoas de todo o país foram testemunhas de uma exposição de arte contemporânea e experienciaram um trabalho interpretativo relativo à serpente mítica, a “Naga”, cujas histórias são conhecidas da maioria dos Nepaleses. Não existem garantias que as pessoas tenham entendido na totalidade a intenção do artista do Camboja ao criar aquela obra de plástico reciclado, mas fez com que todas as pessoas que entrassem naquele espaço parassem, olhassem, admirassem e questionassem. Em geral, as pessoas liam as legendas de todas as obras expostas e queriam saber mais. Os artistas tiveram a possibilidade de ir a todos os espaços novos, ver novas possibilidades em termos de espaços para exibir, encontrando uma razão para fazerem o seu trabalho.


"Naag" por Leang  Seckon (Foto: KIAF)
Houve visitas guiadas para vários grupos etários. O trabalho de outreach criou confiança e permitiu que a comunidade artística se apercebesse da necessidade de envolver as escolas, os alunos, as famílias, para além de uma grande variedade de instituições, no seu trabalho. A Horlicks (Glaxo Smith and Kline) patrocinou e organizou três concursos artísticos em três cidades, motivando as crianças para recolher materiais e criar instalações tridimensionais, colagens ou mixed media/pinturas. As suas pinturas foram expostas no átrio do British Council como parte integrante do KIAF.

Mais de 400.000 pessoas visitaram ou viram partes das exposições, eventos, espectáculos, actividades de outreach do KIAF 2012. Entre estas pessoas, 100.000 foram registadas como visitantes dos espaços de exposições. As pessoas tiveram um sentimento de excitação, alegria e de curiosidade relativamente às diversas formas de arte, os lugares de onde vinham as pessoas e as questões levantadas pelos artistas. Os visitantes criaram laços profundos com Nepal. As reacções da comunidade de Patan foram muito fortes. Um grupo de seniores apanharam o autocarro Nevitrade porque ficaram entusiasmados com a ideia. Acabaram por visitar todos os espaços e gostaram do tour. Um dos senhores, quando chegou a Metropark, deu uma volta maravilhado e disse: “É graças a vós que chego a ver esta parte da cidade e tenho a possibilidade de ver trabalhos que nunca tinha visto ou pensado antes!”.   


O autocarro Nevitrade (movido com bateria) teve muita publicidade e muitas solicitações para eventos depois do KIAF 2012 (Foto: Sangeeta Thapa)
O Festival tentou reduzir o mais possível, dentro dos seus recursos, as suas pegadas de carbono. Uma das formas principais foi promovendo actividades de energia limpa – o pessoal usou bicicletas e transportes públicos e trabalhou em conjunto com a comunidade de ciclistas. Em colaboração com a Nevitrade, tivemos a possibilidade de operar um autocarro de energia limpa que levou as pessoas aos vários espaços expositivos. O Festival procurou ainda reduzir as emissões de carbono alojando os artistas próximo dos seus locais de trabalho. Sacos reciclados foram produzidos a partir de lonas usadas por várias organizações na cidade. Depois do Festival, as nossas faixas foram recolhidas e transformadas em sacos e pastas.

No que diz respeito ao financiamento e o fundraising, trabalhar com o governo foi o maior desafio antecipado. O Secretário de Cultura mudou seis vezes e de cada vez era necessário reverem os seus compromissos. Em termos do orçamento governamental, foram pagos apenas os salários dos funcionários e as necessidades básicas para o funcionamento das instituições. Qualquer montante que tivessem prometido não chegou a ser efectivado. Tivemos problemas parecidos com o Nepal Tourism Board. Com o generoso apoio da Prince Claus Fund, da Embaixada do Brasil, do WWF, da Hariyo Ban, da USAID e de outros, a escala do Festival expandiu exponencialmente, resultando na necessidade de mobilizar negócios locais, bancos, embaixadas, indivíduos e fundações de arte com afiliações no Nepal. Foi um desafio, no mínimo. Foi extremamente difícil conseguir com que certos financiadores cumprissem os seus compromissos. As embaixadas pagaram os montantes do seu patrocínio após o encerramento do Festival, e estamos à espera ainda da maior parte do dinheiro que foi angariado localmente. Seremos capazes de efectuar todos os pagamentos pendentes apenas na primeira semana de Março. 

O KIAF 2012 criou um caminho para a Siddhartha Arts Foundation desenvolver mais trabalho que junte diferentes organizações e instituições para promover a arte contemporânea no Nepal. No que diz respeito ao KIAF 2015, teremos que pensar e planear bem para conseguirmos manter a escala e qualidade dos trabalhos. Enquanto o preparamos, a Fundação irá continuar a trazer artistas internacionais a Kathmandu, a criar projectos com a comunidade para promover a participação das pessoas, a trabalhar com museus locais e a criar estruturas onde as crianças e o público em geral terão a oportunidade de interagir com e reflectir sobre os trabalhos artísticos.


Sangeeta Thapa é a fundadora e directora da Siddhartha Art Gallery que foi estabelecida em 1987 em Kathmandu. Nos últimos 25 anos, organizou mais de 400 exposições e promoveu vários projectos artísticos com a comunidade, que juntaram artistas, poetas, escritores, músicos, actores, bailarinos e pessoas de vários grupos sociais. Organizou ainda duas Feiras Internacionais de Arte, a última em 2012, na qual participaram artistas de 31 países. Em 2010 fundou, juntamente com Celia Washington, o Kathmandu Contemporary Art Centre (KCAC), no Patan Museum, que integra a Biblioteca Washington e que serve ainda como espaço para residências, onde artistas nacionais e internacionais partilham estúdios. Em 2011, registou a Siddharta Arts Foundation, que apresentou a segunda edição do Kathmandu International Art Festival. Sangeeta é a mentora de muitos artistas e gestores culturais que estão a promover o movimento da arte contemporânea localmente. É membro do Conselho Consultivo do Patan Museum Development Committee e autora do livro “In the Eye of the Storm – The Drawings of Manuj Babu Mishra”. Colabora com o programa Australian Himalayan Foundation Art Awards, que atribui todos os anos bolsas a dois artistas Nepaleses.

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