Pensamento nº 1: No dia 5 de Maio de 2013 o Arab American
National Museum foi o primeiro entre vários museus americanos a desejar aos seus amigos ortodoxos uma Páscoa Feliz no Facebook. Lembro-me de sorrir e
de pensar que há 18 anos que vivo em Portugal e nenhum museu alguma vez
reconheceu o facto de eu estar neste país também como ortodoxa, celebrando dias
especiais juntamente com dezenas de outros gregos e provavelmente milhares de
russos, ucranianos, romenos ou sérvios; residentes permanentes em Portugal cuja
visita os museus teriam muito gosto em receber, estou certa, mas cuja cultura
não está reflectida nas suas políticas de coleccionar, programar ou comunicar.
Que género de relação poderia/deveria ser desenvolvida entre as partes?
Pensamento nº 2: No Canadá, os imigrantes que adquirem a
nacionalidade canadiana fazem o seu juramento como “novos cidadãos canadianos”
numa cerimónia que se realiza em museus: o Canadian Museum of Immigration em
Halifax, por
exemplo, ou o Canadian Museum of History (antes conhecido como Canadian Museum
of Civilization - ver no fim deste post) no Quebec. Não sei de todo qual o
conteúdo do juramento, mas quando ouvi falar pela primeira vez nisto, senti-me
comovida com a escolha simbólica do lugar, considerando (idealmente) os museus como
espaços que possam ser representativos da nossa identidade (aliás, das nossas
várias identidades) e da dos outros, permitindo-nos aprendermos uns sobre os
outros, estarmos uns com os outros. Imaginei as histórias destas pessoas, as
histórias dos novos cidadãos canadianos, a tornarem-se parte da história do
Canadá. Poderia ser esta uma forma de criar uma relação?
Imagem retirada do website do Canadian Museum of Immigration |
Pensamento nº 3: Há dois anos, numa conferência intitulada
“Programar para a Diversidade” que teve lugar no Ecomuseu do Seixal, moderei um
painel que incluía um refugiado iraniano. Lembro-me de ele dizer que se sentia
em casa quando visitava o Museu Gulbenkian, onde podia ver objectos que vinham
da sua terra. Gostei da ideia de ele se sentir em casa, mas fiquei a pensar se
a única forma de despertar o interesse das pessoas e de as envolver é
mostrando-lhes o que já conhecem. Poderá existir uma relação se uma pessoa procura
apenas o que lhe é familiar? Será falta de curiosidade relativamente à sua
“casa nova”? Ou, talvez, o facto de não se sentir a casa nova como “casa”? E o
que faz com que não a sinta como tal?
Estes pensamentos soltos e muitas mais questões surgem no
momento em que estou a preparar-me para moderar um debate sobre a relação das
instituições culturais portuguesas com as comunidades de imigrantes e aquelas
de refugiados que vivem actualmente no país. Vivendo numa sociedade que se
torna cada vez mais diversa, pergunto-me muitas vezes se existe, realmente, uma
relação, se existe algum interesse, para começar, em qualquer das partes –
instituições culturais e comunidades de imigrantes e refugiados - para se
encontrarem, para fazerem parte da vida umas dos outras e, se sim, qual a
melhor forma de desenvolver e manter esta relação. Digo isto porque me parece
que a maioria das iniciativas (pelo menos entre aquelas que conheço) são
projectos pontuais, confinados num determinado período de tempo que chega, mais
cedo ou mais tarde, ao fim. Projectos do género “festival”, onde uns vêm para
actuar e os outros para ver o exótico e nunca mais se encontram até… à próxima
vez. Se houver uma próxima vez. Valerá a pena? Tem algum impacto? Deveríamos
procurar algo diferente, algo que possa durar mais tempo? Quem está
interessado? E de quem deveria ser a iniciativa?
Museu d' Història de Catalunya, Barlelona. A Catalynua do século XXI, parte da exposição permanente (Foto: Maria Vlachou) |
Olhando para o estrangeiro, vemos grandes instituições que
operam dentro de sociedades multiculturais (o Victoria & Albert Museum em
Londres ou o Kennedy Center em Washington, para dar dois exemplos) a dedicar
grandes exposições e programas especiais a comunidades específicas e às suas
culturas. O objectivo é apresentar a cultura e as artes de um determinado povo
aos que possam estar interessados em conhecer, ajudar a aprender algo sobre ele
e, idealmente, a entendê-lo melhor. O objectivo é também fazer determinadas
comunidades sentirem-se incluídas, e é verdade que este género de exposições e
festivais atrai um grande número de representantes da cultura celebrada. No
entanto, permanece a questão: e depois? O que acontece às pessoas que vieram
para aprender e divertir-se? O que fica com elas? Há alguma mudança na sua
percepção relativamente à cultura com a qual acabaram de se encontrar? E os
representantes dessas comunidades regressam mais tarde para algo diferente? Dei
o exemplo das grandes instituições no estrangeiro, mas o mesmo se pode aplicar
a instituições mais pequenas no nosso país. Estaremos a desenvolver projectos e
políticas que possam dar respostas à pergunta “E depois”?
Serão os imigrantes e refugiados um grupo especial,
diferente de outros? Talvez não. Podem estar interessados no que as
instituições culturais têm para oferecer ou não; podem ter o hábito de visitar
/ assistir ou não; podem sentir-se representados ou não; podem sentir que
aquilo é para eles ou não; podem sentir-se bem-vindos ou não; podem frequentar
ou não; podem ter o dinheiro ou não. Tal como todos os outros. No entanto, ao
contrário de certos outros grupos (sub-representados), algumas instituições
culturais – ou projectos – sentem a necessidade de, de vez em quando, ‘lidar’
com imigrantes e refugiados. Talvez por interesse genuíno, talvez por ser
politicamente correcto. A minha preocupação é que, na maioria das vezes, parece
ser algo pontual, um “evento especial” ou um “projecto especial”, algo que
acaba por destacar as pessoas envolvidas também como um “grupo especial”, em
vez de promover o seu reconhecimento como parte integrante da nossa sociedade,
com quem se devia desenvolver uma relação de natureza mais permanente. Aquilo
que uma vez foi “especial” pode não o ser hoje, as coisas mudam. Estaremos a
acompanhar a mudança?
Para mim, idealmente, as instituições culturais são espaços
onde um recém-chegado (como eu o fui há 18 anos) possa saber o que existiu antes da sua chegada, o que
está a ser produzido neste momento e de que forma ele/ela poderá também deixar
a sua marca. São espaços de constante negociação e actualização. Para que não
estejamos perante o “especial”, o trabalho deveria ser contínuo para que a inclusão
aconteça com naturalidade.
Pode ser assim? É possível? Estará já a acontecer? O que é
preciso? Estas são questões para as quais espero poder encontrar algumas
respostas ou possíveis direcções no debate de quinta-feira. Vemo-nos por lá?
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