Penso frequentemente que os painéis e as legendas nos museus
de arte ou de história são incapazes de transmitir paixão, maravilha, alegria,
orgulho, tristeza, desespero, entusiasmo; de falar com pessoas sobre outras
pessoas; de criar empatia, a necessidade de ler mais, de descobrir mais. A
linguagem é normalmente seca, académica, factual, incompreensível – estou certa
– para uma série (talvez a maioria?) de visitantes.
Voltei a pensar nisto durante a minha visita ao Museu Benfica.
Este é o mais recente museu na cidade de Lisboa, inaugurado em Julho 2013, e
recebeu até agora cerca de 43.000 visitantes (a entrada não é gratuita, o
bilhete adulto custa €10,00). O seu objectivo é contar a história do clube e
das suas diferentes modalidades – sendo que o futebol ofusca, claro, todas as
outras.
Haveria muitas coisas a dizer sobre o museu, mas gostaria de
me concentrar na mensagem e no sentimento que transmite através da sua
comunicação escrita e das ligações que cria com as pessoas.
Este é claramente um museu para e sobre pessoas. Um museu
sobre paixões. Procura contar a história de uma forma que as pessoas, todo o
género de pessoas, entendam, se sintam relacionadas com ela, envolvidas nela.
Pensando nos museus de arte ou de história, diria que a opção aqui não é narrar
simplesmente alguns factos ou explicar técnicas. A opção é reforçar a
identidade do clube – apresentando os seus valores, os seus objectivos, conquistas,
a sua contribuição para o país como um todo e para as vidas dos indivíduos.
(junção de duas fotos) |
No que diz respeito às pessoas, encontramos neste museu
tanto os ‘artistas’ (jogadores de futebol, outros atletas, treinadores) como
também os que desfrutam da ‘arte’ (pessoas famosas e sócios e fãs anónimos). Os
pensamentos e sentimentos de todos eles têm um lugar nas paredes deste museu,
ninguém é mais importante. Assim, vemos uma instalação com as caras de sócios
do clube, mas também um cenário especial com citações de escritores, cantores,
actores e de outras figuras públicas que apoiam o clube.
“É diferente, é futebol”, poderão dizer. “Têm dinheiro, isto
faz toda a diferença”, poderão dizer.
Começando pelo fim, não é uma questão de dinheiro. É uma
questão de atitude. O dinheiro pode permitir a um museu como o Museu Benfica
usar uma série de audiovisuais e outros truques caros para abrilhantar a
experiência. Mas todos os museus, independentemente do dinheiro que têm,
produzem painéis e legendas (e folhetos e websites). A linguagem que usam, a
história que optam por contar, as pessoas a quem se dirigem são opções que nada
têm a ver com dinheiro.
O futebol atrai mais pessoas do que a arte ou a história ou
a arqueologia? À primeira, podemos dizer que sim. Mas, pensando melhor, talvez
a arte e a história e a arqueologia atraiam também, mas não quando são
representadas em museus…. Talvez quando um amigo nos conta uma história e
desperta a nossa curiosidade; quando vemos uma reportagem ou um documentário na
televisão; quando lemos uma notícia na Internet ou no Facebook. Ou seja, quando
nos encontramos num contexto confortável onde alguém fala connosco numa
linguagem que entendemos, partilha os seus conhecimentos e entusiasmo sobre uma
temática querendo mesmo comunicar connosco, põe os seus sentimentos na
narrativa, torna-a numa conversa normal entre pessoas.
Não podem os museus falar e escrever sobre arte e história e
arqueologia e uma série de outras matérias transmitindo paixão, maravilha,
alegria, orgulho, tristeza, desespero, entusiasmo? Não podem falar e escrever
para as pessoas sobre outras pessoas? Não podem criar empatia, a necessidade de
ler mais, de descobrir mais? Acredito que podem, e alguns fazem-no, mas muitos
outros optam por não o fazer. A necessidade de impressionarmos e garantirmos a
aprovação dos nossos pares torna-se em muitos casos na prioridade quando se
toma este género de decisões. Dizemos que “Estamos aqui para todos, os museus
são para as pessoas”, mas a prática está longe de confirmar a retórica.
A diferença entre o Museu Benfica e muitos outros museus que
visitei é que este permanece fiel à sua missão. É um museu para e sobre pessoas
e isto não é apenas retórica, é algo que se confirma em cada opção (mais ou
menos bem sucedida; mais ou menos necessária) no desenvolver da história que se
pretende contar. No Museu Benfica senti as pessoas, senti as suas paixões, o
seu orgulho, a sua angústia, a sua tristeza, a sua alegria. E isto acabou por
me fazer ficar mais tempo no museu do que tinha inicialmente pensado.
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