Monday 28 July 2014

Em círculos

Nelly´s, Refugiados gregos da Ásia Menor, 1925-27.

Dois dos meus avós nasceram súbditos otomanos. A minha cidade, Ioannina, no noroeste da Grécia, foi conquistada pelo Otomanos mesmo antes de Constantinopla, em 1430. Quase 500 anos mais tarde, em 1913, foi liberada pelo exército grego e tornou-se parte do Estado Grego. Ao longo dos séculos, tinha havido várias revoltas contra os Otomanos, mas não tiveram sucesso. Resultaram numa ainda maior repressão, que, por sua vez, alimentou a determinação dos ocupados.

A minha cidade teve um forte passado multicultural – cristão, muçulmano e judaico. Eu nasci em 1970, muito tarde para o presenciar, apesar de se encontrarem vestígios em várias partes. A minha casa hoje fica a 200 metros dos cemitérios muçulmano e judaico. A maioria dos muçulmanos que residiam em território grego teve que abandonar as suas casas e ir para a Turquia, um país que não conhecia, um lugar que não significava nada para eles, no seguimento do Tratado de Lausanne em 1923. Os Cristãos Ortodoxos que viviam na Turquia foram forçados em ir para a Grécia. Amigos e vizinhos separaram-se para sempre e eu passei a minha infância com um medo terrível dos Turcos. O último muçulmano de Ioannina morreu na década passada, enquanto a comunidade judaica, quase completamente aniquilada durante a ocupação Nazi na Segunda Guerra Mundial, conta hoje com aproximadamente 50 indivíduos.

A primeira e última vez que entrei na Sinagoga da minha cidade – que está quase sempre fechada – foi em 1993, para a comemoração do 50º aniversário da deportação dos Judeus de Ioannina para Auschwitz. A pessoa que se sentou ao meu lado nesse dia chorou silenciosamente durante toda a cerimónia. Foi naquele momento, com vinte e poucos anos, que me apercebi que a História é muito mais que factos e datas nos meus livros, como é normalmente ensinada nas escolas e até nas universidades. A História são as pessoas que a fazem e as pessoas que vivem as suas consequências, tanto as figuras públicas como, especialmente, os indivíduos anónimos.

Sempre que viajo, visito os Museus Judaicos ou exposições sobre o Holocausto quando patentes nas cidades em que me encontro. Visitei alguns muito bons (Imperial War Museum, Londres; Dachau Concentration Camp Memorial Site, Munique; Jewish Historical Museum, Amsterdão; Jewish Museum, Viena; The United States Holocaust Memorial Museum, Washington), alguns menos bons, do ponto de vista da museografia, mas, mesmo assim, interessantes por causa do tema (Jewish Museum Berlin; Jewish Museum of Greece, Atenas), enquanto espero ainda poder conhecer outros, como o South African Jewish Museum na Cidade do Cabo. Através destas visitas, revisito também a história de um povo orgulhoso pelas suas origens, que respeita e preserva as suas tradições, independentemente da parte do mundo onde vive e, sobretudo, apesar de todas as perseguições que tem vivido… desde sempre. Sinto um respeito e uma admiração profundos por eles e não me canso de ouvir a história de novo, as partes boas e as partes más.

Muitas vezes nessas visitas somos confrontados com a lição “Nunca mais”. Este é, claro, um dos propósitos do contar a história, o facto desta se repetir, o facto de termos que aprender com o passado. Na verdade, o United States Holocaust Memorial Museum dá um passo além da afirmação “Nunca mais”. Investe activamente no estudo, denúncia e prevenção do genocídio em todo o mundo. Foi este museu que me ajudou a lidar com o meu sentimento de pequenez, impotência e insignificância e ensinou-me que todos podemos fazer algo para prevenir o genocídio: aprender mais e partilhar o que sabemos com amigos e familiares. Mas não refere a Palestina.

E esta é uma lição maior para mim, a verdadeira lição. Uma lição que mostra que o “Nunca mais” vai acontecer – mais e mais e mais vezes – porque uma vez confrontados com ele começamos a fazer cálculos. Calculamos as vantagens e desvantagens para nós próprios, quem é que deveríamos apoiar abertamente, em que momentos seria melhor permanecermos silenciosos e neutros, quando deveríamos assumir uma postura mais reconciliatória. É precisamente isto que têm feito muitos políticos e cidadãos comuns desde o início de mais um ataque israelita em Gaza, um ataque que matou até agora muitos civis, que destruiu muitas casas, que deixou marcas terríveis em muitos seres humanos. Como todos os ataques anteriores. Quando ocorre uma tal carnificina (ainda por cima, levada a cabo pelo exército regular de um estado democrático), a primeira coisa que temos que fazer (nós, o Ocidente democrático e defensor dos direitos humanos) não é discutir as origens do conflito, o que cada lado faz bem ou mal. A primeira coisa que temos que fazer é condenar claramente, inequivocamente e em voz alta o ataque e exigir o fim imediato da carnificina. Depois podemos e devemos conversar.  

Mas não é o que tem acontecido. Aparentemente, não damos o mesmo valor a todas as vidas humanas e assim, os países europeus representados no Concelho da Nações Unidas para os Direitos Humanos podem abster-se (todos!) na votação para a abertura de um inquérito sobre alegadas violações dos direitos humanos em Gaza; aparentemente, algumas situações do género “nunca mais” são justificadas, e assim os nossos governos podem continuar a apoiar e a vender armas ao governo israelita; aparentemente, cada caso é uma caso e tudo depende, portanto, existem alguns casos do género “nunca mais” em que nós cidadãos comuns podemos reservar o direito de sermos mais “equilibrados” ou neutros.

Aparentemente, não aprendemos com o que a História tem para nos ensinar, basicamente, que a ocupação, a humilhação e o aterrorizar de um povo nunca mantiveram os autores no poder para sempre e, sobretudo, nunca trouxeram paz.


Até Setembro.

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