Saturday 28 May 2016

Primeiro no nosso coração

Imagem cedida pelo Museu Nacional Soares dos Reis
De que forma poderíamos definir o ‘primeiro’ museu? Será aquele que melhor cumpre a sua missão? Ou aquele em que pensamos primeiro quando ouvimos a palavra ‘museu’ (o sonho de qualquer marketeer)? Será aquele que tem a maior colecção ou aquele que tem a melhor colecção? Será aquele que faz mais exposições? Será o ‘primeiro’ museu aquele que produz muitas notícias para os media, mas continua a trabalhar para a mesma elite? Ou será aquele que raramente é notícia, mas que trabalha para diversificar as suas ‘elites’? Qual deles merece ser considerado ‘primeiro’? E quem atribui a ‘primacia’, o museu a si próprio ou os destinatários, reais e potenciais, da sua acção?

Cada vez mais, ao reflectir sobre estas e outras questões e ao publicar a minha reflexão neste blog, sinto que contribuo para uma certa injustiça. O alvo da minha crítica, positiva ou negativa, é aquilo que me chega através de jornais, revistas de especialidade, blogs, comunicações em conferências. No entanto, o que se torna mais conhecido não é tudo o que se passa e a verdade é que a minha reflexão ignora, às vezes, outras realidades. E é mesmo ignorância, mas involuntária, uma vez que não posso fazer algo em relação ao que não se torna público, ao que não é partilhado. Deste ponto de vista, tenho muita pena que nem todas as instituições culturais tenham a capacidade e os meios para, além de fazer, também registar e comunicar o que fazem, de o partilhar com todo o sector e com a sociedade.

Regressando à questão principal, a da ‘primacia’, penso que a mesma deverá ser avaliada com base em múltiplos factores e desta avaliação irão, naturalmente, surgir vários ‘primeiros’.

No seu ensaio The Excellence Barrier, Diane Ragsdale apresenta os seus 7 pontos para um movimento slow arts (fazendo uma alusão ao movimento slow food), sendo que o 6º ponto diz: “Concentrar no impacto e não no crescimento”. Considerando que o crescimento é normalmente medido com números, eu também gostaria de reflectir sobre o impacto como uma forma de identificar os ‘primeiros’.

Num primeiro momento, ocorre-me o trabalho desenvolvido pelo Museu Nacional Soares dos Reis (MNSR). Uma actividade constante mas, diria, discreta, que para muitos de nós passa quase despercebida. Não sei se esta será uma atitude assumida ou se se trata de alguma falta de sensibilidade em relação à importância da comunicação ou se não é mais nem menos do que a habitual falta de meios. Qualquer que seja o motivo, é um facto que o MNSR tem-se mostrado atento ao que se passa à sua volta e tem procurado estar envolvido. A título de exemplo, em 2010 o MNSR realizava a exposição “Encontros Portugal China”, o que revelou estar consciente do crescimento desta comunidade na cidade do Porto e da necessidade de a incluir. Na altura, a esperança do presidente da Liga dos Chineses em Portugal era que esta exposição “[ajudasse] na integração e credibilidade da comunidade chinesa”, dando a conhecer ao público o “desenvolvimento dos chineses no Porto e a relação de Portugal com a China”. (ler artigo

Imagens cedidas pelo Museu Nacional Soares dos Reis

Mais tarde, em 2013, organizava-se no MNSR o primeiro encontro dos sem-abrigo, que permitiu levantar e promover questões sociais prementes e que teve novas edições em 2014 e 2015. Na altura, o MNSR aparecia nas notícias como ‘apenas’ o local do encontro. Mas não foi por acaso que os sem-abrigo esolheram este local. A sua relação com o museu, que lhes abriu as portas, vinha de trás. Qual será o ‘primeiro’ museu para a comunidade chinesa e para os sem-abrigo do Porto?

Encontro dos sem-abrigo no Museu Nacional Soares dos Reis (imagem retirada do jornal Público)

Da mesma forma, ocorre-me o projecto “EU no musEU”, do Museu Nacional Machado de Castro em Coimbra, que procura envolver as pessoas com Alzheimer, os seus familiares e amigos. O motto do projecto é “Porque mais importante que os objectos de um museu é o que se faz com eles”. 

Imagem retirada do site do projecto "Eu no museEU"
Há ainda o projecto “Museu Móvel” , do Museu Carlos Machado em Ponta Delgada, que leva o museu a comunidades distantes e desfavorecidas, porque pertence-lhes tanto quanto pertence aos habitantes de Ponta Delgada. Ambos estes projectos foram distinguidos pelo júri do Prémio Acesso Cultura em 2015. Qual será o ‘primeiro’ museu para os pacientes de Alzheimer e os seus cuidadores em Coimbra; ou para as comunidades distantes na ilha de São Miguel?

Projecto Museu Móvel (imagem retirada do website do Museu carlos Machado)
Uma outra experiência ainda que muito me tocou e que me fez reflectir sobre a questão do impacto foi asistir ao espectáculo “O Baile”, de Aldara Bizarro, no Bairro da Pasteleira no Porto. O espectáculo fazia parte da programação “Cultura em Expansão”, idealizada por Paulo Cunha e Silva. E tocou-me não só por ser um belo espectáculo, mas também por eu ter reconhecido entre os intérpretes rostos de moradores que me eram já conhecidos, dos espectáculos da PELE. Quem será o ‘primeiro’ para os moradores do Bairro da Pasteleira?

Normalmente, os resultados medem-se em números: quantas pessoas participaram, quantas notícias se fizeram, quantos “likes” e “shares” no Facebook? Não desvalorizo os números, mas penso que só por si não indicam algo significativo. Devem ser acompanhados de outros dados, qualitativos, que possam trazer mais conteúdo, mais substância para a avaliação que se pretende fazer.

Quem é que nos toca de um forma especial? Quem procura relacionar-se connosco? Quem quer partilhar o que tem e dá espaço para nós também partilharmos o que temos? Quem é que nos ajuda a crescermos, a sermos melhores? Quem é que traz significado às nossas vidas? Não é desta forma que decidimos quem é o ´primeiro´ no nosso coração? Ou ‘os’ primeiros, já que o nosso coração é grande e cabem muitas coisas boas...


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2 comments:

Maria Emanuel Albergaria said...

Muito boa reflexão. Obrigada

Maria Vlachou said...

Obrigada, Maria Emanuel