Thursday 30 November 2017

Lutas operáticas


Andando pelas ruas de Viena, há três ou quatro anos, vi o cartaz de "Hansel e Gretel" da Oper Frankfurt. Muito tempo passou, mas ainda consigo lembrar-me do sorriso e da sensação calorosa que esse cartaz me provocou. Simples, directo, engraçado, informativo. Foi um momento e foi sobre ópera.


Mais ou menos na mesma altura, a Ópera Nacional da Grécia (ONG) iniciava um esforço para conquistar corações, para criar uma relação mais próxima com os que viviam na capital, Atenas e no resto do país. É uma ópera nacional. Foi uma luta pela sobrevivência e houve uma clara determinação em vencer a batalha (mais no meu post de 2013 Ópera e a Cidade). Era muito mais do que promover a ópera a, b, c. Tinha a ver com a definição de uma identidade (que abraçava valores e princípios) e com o estabelecimento de uma nova relação, uma relação de proximidade, relevância e apoio. Nesse contexto, a ONG quis actualizar e mondernisar o seu perfil, para comunicar também com pessoas novas, outras pessoas, pessoas que não costumavam relacionar-se com ela. Foi também claro para ela que esse esforço, esse processo, tinha que ter uma expressão visual concreta, que seria imediatamente reconhecida, especialmente nas ruas e na imprensa, considerando a intensa competição pela atenção das pessoas. A ONG queria entrar nos corações e nas mentes das pessoas, de várias maneiras, incluindo através da sua publicidade. Isso resultou numa série de cartazes altamente eficazes e distintos, que atraíram a atenção das pessoas através de sua simplicidade e cores fortes, tornando imediatamente claro que era a ONG, e mais ninguém, que estava a comunicar com elas.



Em 2016, a English National Opera (ENO) também iniciou uma campanha para atrair novas pessoas ou para se tornar mais acessível. A ENO tinha passado também por um momento difícil, quando o Arts Council anunciou em 2014 um corte de £5 milhões, uma redução de quase um terço. Um novo director artístico e uma nova CEO assumiram funções no início de 2015. O novo plano estratégico envolveu uma série de decisões em relação à gestão, incluindo um processo de rebranding que durou aproximadamente 18 meses e envolveu uma nova estratégia de marca, identidade visual e um novo logótipo. A ENO tinha descoberto, através de um estudo, que as pessoas tinham dificuldade em diferenciá-la de outras companhias de ópera. Foi, então, decidida uma mudança de direcção, um novo começo e isso envolveu, naturalmente, uma expressão visual das intenções da ENO. A estratégia de marketing baseou-se também na ideia de resumir óperas numa frase (uma tentativa de ir além do "título da ópera + fotografia de palco”, que iria comunicar principalmente com as pessoas que já sabiam sobre a peça). Este esforço resultou, entre outras coisas, em cartazes arrojados, impressionantes e emocionalmente envolventes, apresentando um elemento particular da produção junto com um breve resumo, bastante cativante, da ópera (mais sobre o rebranding, bem como seus primeiros resultados neste artigo).



Tudo isto leva-nos, inevitavelmente, ao nosso Teatro Nacional de São Carlos. Quando partilhei no Facebook a minha reacção negativa ao cartaz da "Turandot" (negativa por causa da total ausência de uma identidade, mas também pela absurda - talvez descuidada - apresentação da informação), um colega reagiu dizendo que São Carlos “não precisa de fazer publicidade” e outro disse que talvez esta simplicidade fosse muito desejada (e intencional), considerando que estamos a ser bombardeados com imagens. Duas respostas rápidas a isso: primeiro, a Coca-Cola não precisa de fazer publicidade, mas faz, e faz bem, porque sabe que há mais nisso do que a simples promoção de uma bebida (a ONG e a ENO também perceberam isso); em segundo lugar, o cartaz da "Turandot" também é uma imagem, apenas não cumpre, de forma alguma, o seu objectivo, nem de comunicar a identidade da organização nem de nos informar. O cartaz da produção actual, "The rape of Lucretia" vem confirmar tudo isto.

O São Carlos faz-me sentir que não está a "lutar". Não o suficiente, não como outras companhias nacionais de ópera. Tem financiamento garantido do Estado (mais alto do que qualquer outro teatro nacional) e sente-se, provavelmente, confortável, também porque pode contar com seus habitués, os seus seguidores leais. Li também que o facto das suas produções serem agora apresentadas em diferentes locais (no Coliseu de Lisboa, bem como no Coliseu do Porto) é o desejo de seu novo director artístico, Patrick Dickie, "para ser acessível a mais pessoas”, em vez de ser um princípio fundamental da casa, da sua gestão, independentemente de quem é o director artístico.

Penso que o São Carlos deve urgentemente reconsiderar a sua política de comunicação. Receio também que possa estar a pensar que "não precisa", porque é exactamente isso que nos está a comunicar: que não precisa - que não precisa de nós. Bem, precisará um dia. Não há dúvida sobre isso. Mas quando tomar consciência disso (como outros), poderá ser muito tarde. Poderá estar apagado dos nossos corações e da nossa memória, tal como tem estado a apagar-se dos seus próprios cartazes.


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