Monday, 28 July 2025

Afrogregos, ciganos lituanos e as primeiras mulheres nos museus de Zagreb

Há algum tempo que queria escrever sobre estas exposições. Estas delícias que os museus de diferentes países me ofereceram nos últimos meses afastaram-me da realidade macabra que vivemos. Deram-me energia e boa disposição, não para esquecer ou ignorar, mas para me concentrar teimosamente em algo melhor no horizonte.

África entre nós | Museu Benaki, Atenas, 13/2 a 25/5/2025
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Não foi um painel introdutório, mas sim os curadores Sophia Chandaka e Michael Afolayan que nos deram as boas-vindas à exposição, estabelecendo um tom fresco, informal e mais personalizado. "África entre nós" centrou-se nos direitos culturais das pessoas de origem migrante e não evitou "questões difíceis", como a identidade grega, a negritude, a justiça, a representatividade, o racismo e a discriminação na sociedade grega contemporânea. Mas a primeira coisa que gostaria de comentar é outra.


O ponto mais forte desta exposição é o storytelling, através de objectos e de pessoas. Assim, quando se entra numa sala com uma selecção de objectos – um cenário belíssimo, onde cada objecto é exposto no seu próprio suporte – não se encontra a típica “abordagem-de-história-de-arte” que se espera. Os objectos estão lá porque há pessoas – projectadas na parede do fundo, em vídeo de alta qualidade – que têm histórias poderosas para contar sobre eles. Como a máscara-capacete do século 20, em forma de carneiro, que pertence ao povo Banso, da Nigéria ou dos Camarões. Foi escolhida, no entanto, por Linda Nyongo, da Comunidade Congolesa do Congo Brazzaville na Grécia, que nos conta a história dos infelizes alunos que tinham de pendurar esta máscara, cheia de excrementos, ao pescoço caso se entusiasmassem e não falassem francês na escola. Não se trata apenas da barbaridade da punição, mas do forte choque cognitivo entre a esperada “abordagem-de-história-de-arte” e o muito mais que os objectos nos podem dizer.


Para alguém que ouviu o termo "afrogrego" pela primeira vez há apenas cinco anos (num debate entre nove membros da diáspora africana, organizado pela Fundação Onassis), foi comovente ver o bilhete de identidade grego de uma pessoa negra; ouvir os membros do grupo consultivo a discutir os objectos; e conhecer, entre outras coisas, a incrível história dos pais da actriz Deborah Odong. O seu pai era do Uganda e estudava em Atenas no final dos anos 60, onde conheceu a sua mãe grega, Varvara, e se apaixonaram. Quando os rumores chegaram aos ouvidos do pai de Varvara, este chegou às pessoas que conhecia perto da junta militar e o rapaz foi deportado. Varvara foi encontrar-se com ele no Chipre, onde foram casados por nada mais nada menos do que o Arcebispo Makarios. De regresso à Grécia, a família só se reuniu quando nasceu a primeira neta.




As fotos de Varvara e Deborah estavam frente a frente numa sala repleta de histórias felizes e tristes. Racismo, discriminação, teimosia, negociação, celebração, resignação, tudo estava lá. Foi um prazer ver um grupo de famílias afro-gregas a visitar a exposição. O museu também era deles, de uma forma que o mundo exterior ainda não o é.

 

AMARÈ DŽIIPENÀ. Histórias dos Ciganos de Vilnius | Museu da Cidade de Vilnius, 24/01 a 29/06/2025
Link para a página da exposição (use o Google para traduzir)



Nunca antes tinha visto uma exposição sobre a população cigana num museu de cidade. A curadoria foi feita por ciganos que nasceram e cresceram no bairro de Parubanka (ou Bar), que existiu em Vilnius durante mais de 70 anos. Foi demolido em 2020. Símbolo de crime ou de medo para alguns, Parubanka significou algo diferente para as crianças que ali viviam, brincavam, cantavam e liam histórias.

Na primeira sala, vemos uma cópia do Terceiro Estatuto da Lituânia, de 1588 (Capítulo 14, Artigo 35, “Sobre os Ciganos”). Nele se afirma: “Os ciganos são pessoas inúteis e ociosas, que não só não nos servem nem nos beneficiam a nós, nem a qualquer outra pessoa na República, como, pelo contrário, causam danos consideráveis enganando o povo, bem como roubando (...). Portanto, estabelecemos que, a partir de agora, não lhes será permitido esconder-se em nenhum lugar deste Estado, o Grão-Ducado da Lituânia...”.

Seguimos para ver objectos da vida quotidiana em Parubanka (livros, brinquedos, os produtos vendidos no quiosque de Nastia, o interior de uma casa, fotografias de família e fotografias de encontros da comunidade). Ouvimos e lemos diferentes histórias, incluindo sobre o que significa ser cigano na Lituânia hoje.







“Como disse, a discriminação, ser visto de forma diferente, dificulta a convivência com os outros. Uma pessoa sente essa discriminação todos os dias. Por exemplo, está na fila da caixa de uma loja e vê que a funcionária está a ser simpática com os lituanos, mas quando chega a tua vez, atira as tuas mercadorias para cima de ti como se fosses um cão. Sentes que ela vê que não tens nacionalidade lituana, embora sejamos todos cidadãos lituanos, não somos de outro lugar, mas ela está ainda zangada. Às vezes pensam que somos de outro país porque dizem: 'Não usas lenço na cabeça e saia comprida, então de onde és?' (...) Com tantos imigrantes e pessoas de pele escura agora, talvez seja um pouco mais fácil para nós. Porque as pessoas não compreendem quem somos. Mas não deixa de ser óbvio que eles [imigrantes] também não são aceites.”

Histórias que devem soar familiares aos ciganos de muitos outros países. A sensação de que as coisas podem ser um pouco mais fáceis porque alguém poderia ser confundido com um imigrante estrangeiro, e não com um cigano autóctone, deveria perturbar-nos. Na altura, pensei que gostaria de ver museus de cidade em Portugal e na Grécia a incluir as histórias dos Ciganos/Ρομά. Tanta coisa está a ser mantida fora do que deveria ser a nossa memória colectiva.

[Hoje, enquanto escrevo, pergunto-me se o Museu Municipal de Loures, em Portugal, fez algum tipo de recolha de resposta rápida (rapid response collecting) para contar as histórias das pessoas que viram as suas barracas serem demolidas pela câmara municipal no bairro de Talude Militar. Estou a sonhar? Provavelmente...]

 

HISTÓRIA OCULTA: As Primeiras Mulheres dos Museus de Zagreb | Museu Arqueológico, Zagreb, 6/3 a 13/7/2025
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Quatro museus juntaram-se – o Museu Arqueológico de Zagreb, o Museu Etnográfico, o Museu Escolar Croata e o Museu de Artes e Ofícios – para contar as histórias das primeiras mulheres nas instituições culturais de Zagreb – curadoras, cientistas, pintoras, escultoras, poetisas e designers. São as histórias que se esperaria – de discriminação, desrespeito, misoginia, inúmeras barreiras –, só que mais difíceis quando incluem fotos, objectos e outras "provas". São também histórias de determinação e liderança. Klotilda Cvetišić, depois de ser professora e directora de escola, tornou-se, em 1901, na primeira curadora croata (Colecção de Artesanato Feminino).~


Antonija Tkalčić Koščević foi a primeira mulher com formação superior a ser contratada pelo Museu Arqueológico (como ilustradora). Escreve nas suas memórias: “Os professores costumavam dizer: ‘Que pena que ela não seja um homem’. (...) Mas ela era uma mulher, e naquela época, tudo estava nas mãos dos homens. Havia escolas até para o homem menos capaz, mas não para uma mulher. Todos tinham o direito, se encontrassem algum valor numa mulher, de a impedir, obstruir, menosprezar, recusar-se a ajudá-la e, no final, lamentar que tal valor não fosse encontrado num homem.” Antonija deixou o marido devido à violência doméstica e enfrentou condenação social e graves dificuldades financeiras.


Em 1921, Zdenka Sertić (pintora, artista gráfica e etnógrafa) foi contratada pelo Museu Etnográfico e, em 1939, chegou a desempenhar as funções de directora interina. O então director, Ivo Franić, considerou que “A Profª Zdenka Sertić não é de todo uma investigadora científica, mas apenas um desenhador comum [no masculino, “draftsman”], mesmo que com um diploma académico”.


Estas são apenas três das muitas figuras femininas que, apesar de todas as barreiras, deixaram uma marca no mundo museológico e artístico croata. A exposição também nomeia os perpetradores de discriminação e misoginia. Além do já mencionado Ivo Franić, Ljubo Babić, Viktor Hoffiler e Izidor Kršnjavin foram curadores de museus que usaram todo o tipo de argumentos médicos, morais e intelectuais para menosprezar as suas colegas. Babić afirmou que as mulheres “não têm força para grandes conceitos criativos” e são “menos originais” do que os homens. Kršnjavin criticou a sua aparência e comportamento, especialmente a sua incapacidade de se conformarem com as normas tradicionais de género. Hoffiler (que foi director do Museu Arqueológico de Zagreb durante 20 anos) considerava as mulheres "mentalmente débeis " e "gravemente afectadas por uma perturbação nervosa". Foi particularmente brutal ao julgar a sua colega Dora Pfann. Chamou-lhe "anormal", "portadora de um fardo hereditário", "física e mentalmente subdesenvolvida" e acusou-a de "cretinismo" e "doença nervosa". E muito mais...


Foi bastante chocante ver o nível de raiva e desprezo experienciado pelas mulheres na área dos museus (e não deve ter sido apenas na Croácia). À medida que nos aproximamos do fim da exposição, somos informados de que, após a Segunda Guerra Mundial, foi dada maior ênfase à formação académica em funções museológicas como a investigação, a catalogação, a conservação e a interpretação, e que mais mulheres estavam a ser contratadas. Hoje, em Zagreb, o número de mulheres é superior ao dos homens nas profissões museais e são mais frequentemente nomeadas directoras. Os quatro museus que criaram esta exposição, no entanto, acreditam que as suas antecessoras e tudo o que enfrentaram foram esquecidos. Tal como a linha do tempo, mesmo antes de sair, me apresentou nomes que nunca tinha ouvido antes, como o da primeira mulher a ganhar o Prémio Nobel da Paz (a austríaca Bertha von Suttner, em 1905) ou o Prémio Nobel da Literatura (a sueca Selma Lagerlöf, em 1909, tendo ingressado em 1914 na Academia Sueca).


Estas três exposições deram-me verdadeiro prazer. Surpreenderam-me também com as suas abordagens inovadoras aos temas que escolheram abordar e até com o facto de terem realmente escolhido esses temas. Fico mesmo feliz quando os museus conseguem surpreender-me!

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