Monday, 21 June 2010

Notícias da crise grega

Petros Tatoulis, ex-Vice-Ministro da Cultura grego, afirmava no dia 9 de Maio ao jornal Kathimerini: “O Ministério da Cultura precisa de um hard reset! E o timing não poderia ser melhor. Como não há dinheiro, é uma oportunidade única para se fazerem reformas radicais. Se não acontecerem agora, nunca acontecerão! E o sector apagar-se-á.”

Nesta altura de crise, os olhos estão postos no Ministério da Cultura (mais precisamente, depois das últimas eleições, no Ministério da Cultura e do Turismo) e nos organismos por ele tutelados. De acordo com o artigo de Iota Sykka, são as orquestras e os museus que irão sofrer as maiores mudanças e fusões. Demasiadas orquestras para um país do tamanho da Grécia, algumas delas orquestras-fantasma, sobreposições, os mesmos músicos a tocar em várias delas.
Quanto aos museus, a primeira fusão a anunciar será a do Museu do Cinema com o Centro Grego de Cinema na cidade de Thessaloniki, a segunda maior cidade da Grécia. Considera-se ainda certa a fusão do Organismo para a Promoção da Cultura Helénica e do Fundo de Recursos Arqueológicos. Há anos que se falava da sobreposição de competências, no entanto, o primeiro continuou a servir como fonte de emprego para os apoiantes dos partidos que estavam no governo. As receitas de ambos são decepcionantes, os serviços prestados medíocres ou inexistentes. O actual Ministro da Cultura, Pavlos Geroulanos, ambiciona criar um novo organismo que terá “a orientação para o desenvolvimento do Organismo para a Promoção da Cultura Helénica e o perfil comercial do Fundo de Recursos Arqueológicos”. Existe ainda a Fundação para a Cultura Helénica, que não apresenta um deficit, mas cujo perfil o Ministério gostaria de definir melhor, estudando desde já a fusão dos seus anexos no estrangeiro com os postos de Turismo.

Mudanças ainda no teatro. Os teatros nacionais foram já avisados que, se ultrapassarem os seus orçamentos, deverão procurar fontes alternativas de financiamento (não deveria acontecer de qualquer forma e em quaisquer circunstâncias, pergunto eu…). Está ainda a ser estudado o futuro dos Teatros Periféricos Municipais, uma rede que foi criada no início dos anos 80 - por iniciativa da Ministra da Cultura de então, Melina Merkouri - promovendo a descentralização e o enriquecimento da vida cultural das sociedades locais. Trinta anos após a sua criação, os 16 teatros apresentam oficialmente as duas produções e uma peça infantil a que são obrigados. De resto, funcionam como companhias de teatro comercial que apresentam em itinerância durante o verão produções de qualidade duvidosa. Conforme se lê num artigo da jornalista Sandra Voulgari (Kathimerini, 23/05/2010), além de algumas, poucas, excepções, a maioria dos Teatros Periféricos Municipais encontra-se em decadência. Os directores artísticos dos teatros mais bem-sucedidos defendem a sua continuação, mas pedem reformas. O actor Panos Skouroliakos, director artístico do teatro da região de Roumeli, fala de pessoal a mais (resultado das ‘inevitáveis’, na sociedade grega, cunhas), cujos ordenados absorvem 80% do orçamento, deixando apenas €60.000 para a produção. Yiannis Karachissaridis, director do teatro da cidade de Kozani, defende que se deve apostar no aumento da produtividade e simultaneamente no decréscimo do financiamento por parte do estado em 30%, estimulando o verdadeiro desenvolvimento. Sem fechar nenhum dos 16 teatros, propõe a sua fusão em 6 sociedades anónimas. Ninguém seria despedido, mas haveria menos directores artísticos. Afirma ainda que com um financiamento no valor de €370.000 as seis sociedades seriam capazes de cumprir as suas funções.

Ainda na área das artes performativas, numa tentativa de acabar com a atribuição de subsídios directamente do gabinete do ministro (uma prática que dura há muitos anos), foi criado o Registo online das Estruturas Culturais. Qualquer estrutura interessada em ser subsidiada poderá inscrever-se, sendo que todos os pedidos serão apresentados online, juntamente com o historial de cada estrutura subsidiada e dados sobre a sua situação financeira. Os pedidos serão analisados por comissões específicas para cada área.

Quanto aos proprietários das galerias de arte, conforme se lê num artigo de Elias Maglinis (Kathimerini, 02/05/2010), a maioria sente sobretudo o efeito psicológico da crise nos compradores médios e nos que entraram recentemente neste negócio. Não é tanto a falta de dinheiro, mas a incerteza sobre o futuro. Angeliki Antonopoulou, proprietária da galeria a.antonopoulou.art, chegou a um acordo com os artistas que representa para baixar os preços a 30%. “Temos que nos adaptar”, afirma. No entanto, Elisa Grigoraki, proprietária da Galeria de Arte de Atenas, acredita que seja muito possível que algumas pessoas invistam em obras de arte de forma a proteger o seu dinheiro. “Até durante a ocupação alemã [1941-44] havia movimentação no mercado das obras de arte”, afirma. Uma nota mais positiva vem da parte dos irmãos Kalfayan, proprietários das galerias homónimas. Consideram que a situação está sob controlo. Têm novos compradores, estiveram presentes em feiras em Colonha, Bolonha, Dubai, Los Angeles, Nova Iorque. “É uma pena que não tenha havido mais galerias gregas a marcar presença, porque com o florescer do mercado na Grécia, poderiam ter feito este investimento e ajudar-se a si próprias (…) A oportunidade para a promoção dos nossos artistas no estrangeiro é grande.” Neste ambiente de crise, os irmãos Kalfayan vão expandir um dos seus espaços em Atenas e abrir uma nova galeria numa cidade da periferia.
As afirmações do Presidente do Conselho de Administração do Megaron, a ‘Casa da Música’ de Atenas, trazem também uma nota menos alarmista, mais realista, pragmática, e ao mesmo tempo sensível: “Numa altura de crise económica, social e moral, a cultura é o antídoto”, diz Ioannis Manos (Kathimerini, 09/05/2010 - ler a entrevista em inglês aqui). Acredita em organismos que sabem combinar a dimensão visionária com a gestão correcta, a programação com a imaginação. O Megaron funciona sob a égide do Ministério da Cultura, cujo financiamento cobre 38% do orçamento, mesmo assim, registando um decréscimo de 35% relativamente ao ano anterior. O restante dinheiro vem das vendas de bilhetes, das conferências e alugueres de espaços e também dos patrocínios, que em 2010-2011 serão superiores aos do período passado. Prova que os patrocinadores confiam na instituição e acreditam nas suas perspectivas. Mesmo assim, e antes do governo anunciar as suas medidas de austeridade, a Direcção do Megaron tinha tomado a iniciativa de reduzir o seus ordenados a 10% e os membros da Kamerata, orquestra residente, a 20%. Ioannis Manos afirmou que o Megaron irá procurar uma estratégia mais agressiva para atrair conferências, assim como um sistema que garantirá patrocínios plurianuais.

Regressando à entrevista com o ex-Vice-Ministro da Cultura Petros Tatoulis (Kathimerini, 09/05/2010), vejamos quais considera que deveriam ser os principais objectivos: “Primeiro objectivo: uma nova organização, com abertura para a sociedade. Segundo: providenciar ferramentas institucionais para uma maior flexibilidade e descentralização. Terceiro: encontrar fontes alternativas de financiamento. Quarto: hierarquizar as prioridades. Quinto: seleccionar “máquinas a vapor” culturais que irão puxar pelos restantes.”
Coisas óbvias, parece… No entanto, são anos e anos de má gestão, falta de visão, falta de coragem, falta de disciplina, um orçamento e muitos organismos públicos ao serviço dos interesses dos partidos e das necessidades e exigências dos seus apoiantes. Um ciclo vicioso, do qual, realmente, o país em geral, e o sector da cultura em particular, poderão ser obrigados a sair. Vai acontecer? Será possível mudar a mentalidade grega, as formas de estar e de agir? Uma altura de crise, de pouco dinheiro, é, realmente, ideal para 'forçar' reformas e mudanças. É uma oportunidade que a Grécia, no meio de todos os seus problemas e por causa deles, não deveria perder.

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