Monday, 5 July 2010

Patrocínios: benção ou maldição?

Foto: Akira Suemori/AP

Teatro Nacional São João com 600 mil euros em falta para cumprir programação era o título de uma notícia no Público no passado dia 30 de Junho. No artigo lia-se que o prestigiado teatro nacional tinha perdido o mecenato da REN – Rede Energética Nacional e que o seu director estava confiante que, mesmo numa altura de crise, e dado o prestígio e a história do Teatro São João, apareceria alguém a querer ajudar.

É normalmente em alturas de crise ou de cortes que nós, instituições culturais e profissionais do sector, começamos a falar de fontes de financiamento alternativas e, mais concretamente, de patrocínios ou de mecenato. Aquilo que deveria ser um trabalho permanente e consistente de angariação de fundos, desassociado de momentos de crise, passa a ser um grito de socorro, que nos coloca no lugar do parente pobre, do ‘coitadinho’, que está à espera que alguém tenha pena e o salve.

Não consigo imaginar qual seria a empresa que investiria o seu dinheiro por pena, por querer salvar alguém que esteja a afogar-se. Não quero, obviamente, pôr em causa o prestígio do Teatro Nacional São João ou de qualquer outra instituição cultural. Antes pelo contrário, considero que é este mesmo prestígio e o trabalho continuado e de grande qualidade que deveria ser a notícia que os eventuais patrocinadores iriam ler.

Não vamos encontrar patrocinadores através de anúncios nos jornais. Foi exactamente isso que Carlos Fragateiro fez, há uns anos atrás, quando era director do Teatro Nacional D. Maria II (ver notícia no Diário de Notícias aqui), e, como era de esperar, não houve resultados. Nuno Carinhas, director do Teatro Nacional São João, volta agora a fazer o mesmo. Não se deve anunciar que se procura um patrocínio porque houve um corte; porque se perdeu uma outra fonte de financiamento; porque falta algum dinheiro para se conseguir cumprir a programação. Um patrocínio é uma parceria entre pares, onde ambas as partes têm algo a ganhar. A angariação de fundos deveria ter como objectivo fazer mais e melhor, ir cada vez mais longe, e não colmatar dificuldades financeiras. Os projectos propostos – institucionais ou programáticos – deveriam ser projectos fortes, de qualidade, bem estruturados, aliciantes, projectos que certas empresas, por razões de prestígio e no âmbito da sua política de branding, não iam querer perder a oportunidade de se associar.

Tudo isso faz-me pensar em toda a polémica relativamente ao mecenato da BP à Tate Modern. Uma festa para a celebração dos 20 anos desse patrocínio provocou uma onda de protestos por parte de muitos artistas e tem resultado numa intensa troca de opiniões no jornal Guardian desde o final do mês passado. Tudo devido ao acidente, em Abril passado, na plataforma da BP no Golfo do México que causou o maior desastre ambiental dos últimos anos, ou de sempre.

Jonathan Jones, no seu artigo intitulado
Tate is right to take BP´s money, foi provocador. Num momento de grandes cortes, como é o momento actual no Reino Unido, “se [os museus] pudessem conseguir dinheiro do próprio Diabo, deveriam aceitá-lo”, afirmou Jones. Quanto ao patrocínio da BP à Tate, questionava o que é que afinal a BP ganhava pelo facto de ser mecenas desse prestigiado museu. “…nem sequer sabia que era o mecenas da Tate – até agora. Se o apoio à Tate é suposto associar a BP à arte cool, tem sido um fracasso. Devo ter visto o logo da BP mil vezes em comunicados de imprensa e nunca o fixei na minha cabeça. Nunca pensei Tate=BP, muito menos Tate=BP=o petróleo é bom”.

John Sauven dava a resposta no seu excelente artigo
BP arts sponsorship: can Tate afford it?. “Até o desastre no Golfo do México, o girassol verde da BP encontrava-se em locais cuidadosamente escolhidos, desenhados para dar à empresa um ar autoridade limpa, britânica: Covent Garden, os prémios National Portrait, uma nova exposição na Tate. Estes são alguns dos nossos passatempos favoritos e para a BP este factor de bem-estar simplesmente não tem preço”.

É esta a associação que as empresas procuram e não salvar-nos das nossas dificuldades financeiras. Às vezes as coisas podem não correr como era previsto ou desejável. O desastre no Golfo do México e as responsabilidades da BP colocam agora a Tate numa posição muito difícil. Uma instituição que proclama que não aceita fundos de um patrocinador que tem agido ilegalmente na aquisição dos mesmos e que pretende ser um líder na resposta às alterações climáticas, tem agora algumas decisões difíceis pela frente. As opiniões dividem, como se pode ver no artigo
Crude awakening: BP and the Tate, para o qual o Guardian entrevistou várias figuras ligadas à cultura. Uma leitura muito interessante.

2 comments:

Martinho Mendes said...

Gostei do artigo. Parabéns

Madalena CL said...

Obrigada pela informação interessante e de qualidade!