Monday 10 September 2012

Blogger convidado: "Reinventando e tornando os museus relevantes", por Ihor Poshyvailo (Ucrânia)


Ihor Poshyvailo é um homem muito discreto, mas, quando começamos a falar com ele, descobrimos alguém rico em conhecimentos e experiências. Nestas conversas, tornam-se evidentes as suas preocupações relativamente à abertura do seu país, da Ucrânia, para o mundo e ao papel que os museus podem ter durante este período, que é ainda um período de transição, especialmente no que diz respeito ao encontro entre a cultura popular e a expressão artística contemporânea. Neste post, partilha as suas opiniões sobre o presente e o futuro dos museus no seu país. mv

Desfile de "vyshyvankas" no Dia da Independência em Kiev. (Foto: Bohdan Poshyvailo)

Cresci num ambiente onde as artes e a cultura eram muito apreciadas. Os meus avós eram proeminentes ceramistas populares que fundaram a primeira casa-museu na Ucrânia, aquela que foi o antecessor do Museu Nacional de Cerâmica Ucraniana em Opishne, uma pequena aldeia que ostenta o título de “Capital da Cerâmica”.

Tenho estado a trabalhar no sector cultural há mais de vinte anos, mas devo dizer que os últimos três têm sido especialmente favoráveis para mim. Fui um Fulbright Scholar na Smithsonian Institution e neste momento sou um Summer International Fellow do DeVos Institute of Arts Management no Kennedy Center. Estas generosas oportunidades deram-me novos conhecimentos, ideias e visões.

O nosso mundo está-se a tornar mais pequeno e globalizado. Mesmo assim, permanece instável. A cultivação do respeito multicultural e da compreensão mútua entre diferentes comunidades pode ser uma das soluções para enfrentar os maiores desafios e ameaças do século XXI. Neste processo, as instituições culturais e artísticas têm um papel especial, em particular os museus, que hoje em dia não são apenas as clássicas instituições de preservação e apresentação de valores históricos, culturais e naturais, mas importantes espaços de comunicação. Têm a capacidade de mudar profundamente os nossos conhecimentos e a ideia que temos de nós próprios e do mundo à nossa volta, transmitindo informações através da apresentação de objectos e conceitos, e da sua interpretação. Conforme foi sugerido por vários investigadores, os museus transmitem também, implicitamente, mensagens sobre a autoridade, o poder e os valores da cultura dominante. Os museus ajudam-nos a reconstruir o passado, assim como fornecem conhecimentos essenciais para entender o presente.

Nas últimas décadas, os museus nos Estados Unidos têm estado a interagir com públicos mais diversos, mudando o foco da apresentação para a interpretação de objectos e para a produção de experiências, enquanto as exposições têm-se tornado mais orientadas para as pessoas e as ideias e mais contextualizadas. De acordo com a visão de Stephen E. Weil, “O museu do futuro próximo, como instrumento de comunicação complexo e potencialmente poderoso… irá disponibilizar à comunidade… a sua profunda perícia em contar histórias, extrair emoções, despertar memórias, agitar a imaginação e incentivar a descoberta.”

Actuação de um famoso grupo etno-caos, DakhaBrakha, no Museu Ivan Honchar. (Foto: Bohdan Poshyvailo)
A expansão das fronteiras da herança cultural na segunda metade do século XX forneceu novas respostas no que diz respeito às relações entre os objectos patrimoniais e os seus consumidores. A “herancização” (heritagization) do espaço – um processo de reinterpretação do nosso ambiente – coloca os objectos patrimoniais e as instituições culturais na mesma linha com outros espaços populares de lazer, incluindo circos e casinos, restaurantes e resorts, até a televisão e a Internet. Este fenómeno tem tido um impacto sobre os conteúdos e os métodos de apresentação e interpretação da herança cultural e tem inspirado a transformação dos museus em espaços especiais e importantes para um diálogo sobre o papel da herança cultural no desenvolvimento da democracia e da sociedade civil. De acordo com o famoso futurologista Rolf Jensen, a actual sociedade, caracterizada pela abordagem científica e o racionalismo, regressará inevitavelmente às emoções, à história e aos valores.

Neste contexto, deveríamos mencionar que o papel social e a popularidade de um museu na Ucrânia são bastante pequenos em relação aos Estados Unidos e outros países desenvolvidos. Existem várias razões para isso. A política de genocídio dos comunistas na Ucrânia e a opressão cultural dos últimos 80 anos resultaram, claro, numa perda considerável da memória histórica dos Ucranianos. Durante os anos de repressão da cultura soviética, grande parte da distinta herança cultural ucraniana ficou dormente, escondida. Isto foi lamentável por várias razões, no entanto, o nosso isolamento cultural preservou a nossa cultura tradicional como numa cápsula do tempo. Desde 1991, foram introduzidas novas liberdades, proporcionando acesso a novos mercados e culturas. Juntamente com este acesso, houve uma inundação de culturas globais. Apesar de poder haver várias vantagens económicas, na Ucrânia, este fluxo de culturas globais encontra um vácuo de memória cultural. Para a nossa nação, a criação de um caminho distinto para o futuro e uma sociedade aberta e democrática requer alguma memória do que fomos.

O Museu Ivan Honchar, assim como muitos outros museus, pode fornecer de uma forma única esta bagagem cultural. O único problema é como evoluir do ainda dominante modelo soviético de museu – que servia apenas como repositório de tesouros culturais e étnicos aprisionados e para propósitos ideológicos, para a criação de uma nova nação, o povo soviético. Hoje em dia, centenas de museus na Ucrânia podem orgulhar-se de colecções únicas e ricas, mas não se apresentam inspirados para a transição, para se reinventarem e para se tornarem relevantes. A área dos museus na Ucrânia encontra-se numa conjuntura crítica, enfrentando desafios diários. Isto acontece devido à falta de conhecimentos profissionais e de cooperação internacional, métodos de operação, políticas e programas antiquados, que os impedem de tornar-se em centros importantes de aprendizagem e educação, formando, criando e interpretando valores. As suas colecções, bibliotecas, arquivos e outros recursos de documentação ainda não estão abertos ao grande público. Na Ucrânia, estão a emergir novas formas de expressão artística e novos segmentos do sector cultural. No entanto, não existe uma gestão profissional e eficiente nesta área nem uma política cultural eficaz. E a Família – um elemento importante no modelo do Ciclo, desenhado por Michael Kaiser, o Presidente do Kennedy Center – não foi ainda construída.

Desfile de moda no Lion Fest, nas salas do Museu Ivan Honchar. (Foto: Bohdan Poshyvailo)
Mas acredito na diplomacia cultural e concordo em absoluto com a minha colega no Fellowship, Caroline Miller, que, no seu post para este blog, sugeriu que um grande evento cultural ou desportivo pode comunicar eficazmente para as massas mais sobre o país organizador “apenas num único espectáculo do que os políticos têm conseguido em décadas”. Numa viagem recente à Tunísia fiquei tão surpreendido ao ver muitas pessoas (até na região do sul, a porta de entrada para o Sara) sorrirem amigavelmente ao saberem que era da Ucrânia e exclamarem com admiração “Ukrajna. Shevchenko!”. Teria preferido, claro, que tivessem a referir-se ao nosso ícone nacional – o lendário poeta, filósofo e artista Taras Shevchenko, que viveu no século XIX -, não apenas ao nosso famoso jogador de futebol Andriy Shevchenko. Uma bela ilustração de como este Campeonato de Futebol Euro 2012 serviu para a Ucrânia como um grande diplomata cultural.

E acredito ainda que a experiência de profissionais estrangeiros no sector cultural pode ser de grande importância e valor para a Ucrânia. Ajudar-nos-á a encontramos uma forma de compreender e avançar com o uso da nossa herança cultural e das novas formas de expressão artística num ambiente que está a mudar rapidamente, concentrando-nos sobre o porque é que os museus são importantes para a nossa cultura, qual pode ser o seu contributo para a qualidade da experiência e o bem-estar humano, como podem enriquecer as vidas das pessoas envolvendo as emoções, melhorando as experiências e aprofundando a compreensão de pessoas, lugares, eventos, ideias, conceitos e objectos do passado e do presente.


Ihor Poshyvailo é Etnólogo, doutorado pelo Instituto de Estudos Artísticos, Arte Popular e Etnologia, Academia Nacional das Ciências da Ucrânia (1998). É Director-Adjunto do Centro Nacional de Cultura Popular “Ivan Honchar Museum” (Kiev); Presidente da Delegação Regional de Kiev da União Nacional de Mestres de Arte Popular; membro fundador do Conselho da Fundação Ivan Honchar. Foi um dos peritos da Comissão Estatal de Arte do Ministério da Cultura da Ucrânia, assim como da Comissão Intergovernamental da UNESCO para a Preservação do Património Cultural Imaterial (2009). É o autor do livro premiado Phenomenology of Pottery (semiotic and ethnological aspects). Co-moderador e co-organizador de seminários internacionais sobre gestão de museus (desde 2005). Participou no International Visitor Program (EUA, 2004), Global Youth Exchange Program (Japão, 2004) e The World Master’s Festival in Arts and Culture (Coreia do Sul, 2007). Curador de projectos artísticos internacionais, incluindo a exposição itineráriaSmithsonian Folklife Festival: Culture Of, By, and For People” (2011), “Interpreting Cultural Heritage” (2011), “Home to Home: Landscapes of Memory” (2011-2012). Foi bolseiro do International Charitable Fund “Ukraine-3000” (2005–2006). Foi Fulbright Scholar no Smithsonian Center of Folklife and Cultural Heritage (2009-2010) e actualmente é Summer International Fellow no Kennedy Center (2011-2013). 

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