Ihor Poshyvailo é um homem muito
discreto, mas, quando começamos a falar com ele, descobrimos alguém rico em
conhecimentos e experiências. Nestas conversas, tornam-se evidentes as suas
preocupações relativamente à abertura do seu país, da Ucrânia, para o mundo e
ao papel que os museus podem ter durante este período, que é ainda um período
de transição, especialmente no que diz respeito ao encontro entre a cultura
popular e a expressão artística contemporânea. Neste post, partilha
as suas opiniões sobre o presente e o futuro dos museus no seu país. mv
Desfile de "vyshyvankas" no Dia da Independência em Kiev. (Foto: Bohdan Poshyvailo) |
Cresci num ambiente onde as artes e a
cultura eram muito apreciadas. Os meus avós eram proeminentes ceramistas
populares que fundaram a primeira casa-museu na Ucrânia, aquela que foi o
antecessor do Museu Nacional de Cerâmica Ucraniana em Opishne, uma pequena
aldeia que ostenta o título de “Capital da Cerâmica”.
Tenho estado
a trabalhar no sector cultural há mais de vinte anos, mas devo dizer que os
últimos três têm sido especialmente favoráveis para mim. Fui um Fulbright
Scholar na Smithsonian Institution e neste
momento sou um Summer International Fellow do DeVos Institute of
Arts Management no Kennedy
Center. Estas generosas oportunidades
deram-me novos conhecimentos, ideias e visões.
O nosso mundo
está-se a tornar mais pequeno e globalizado. Mesmo assim, permanece instável. A
cultivação do respeito multicultural e da compreensão mútua entre diferentes
comunidades pode ser uma das soluções para enfrentar os maiores desafios e
ameaças do século XXI. Neste processo, as instituições culturais e artísticas
têm um papel especial, em particular os museus, que hoje em dia não são apenas
as clássicas instituições de preservação e apresentação de valores históricos,
culturais e naturais, mas importantes espaços de comunicação. Têm a capacidade
de mudar profundamente os nossos conhecimentos e a ideia que temos de nós
próprios e do mundo à nossa volta, transmitindo informações através da apresentação
de objectos e conceitos, e da sua interpretação. Conforme foi sugerido por
vários investigadores, os museus transmitem também, implicitamente, mensagens
sobre a autoridade, o poder e os valores da cultura dominante. Os museus
ajudam-nos a reconstruir o passado, assim como fornecem conhecimentos
essenciais para entender o presente.
Nas últimas
décadas, os museus nos Estados Unidos têm estado a interagir com públicos mais
diversos, mudando o foco da apresentação para a interpretação de objectos e
para a produção de experiências, enquanto as exposições têm-se tornado mais
orientadas para as pessoas e as ideias e mais contextualizadas. De acordo com a
visão de Stephen E. Weil, “O museu do futuro próximo, como instrumento de
comunicação complexo e potencialmente poderoso… irá disponibilizar à
comunidade… a sua profunda perícia em contar histórias, extrair emoções,
despertar memórias, agitar a imaginação e incentivar a descoberta.”
Actuação de um famoso grupo etno-caos, DakhaBrakha, no Museu Ivan Honchar. (Foto: Bohdan Poshyvailo) |
A expansão
das fronteiras da herança cultural na segunda metade do século XX forneceu
novas respostas no que diz respeito às relações entre os objectos patrimoniais
e os seus consumidores. A “herancização” (heritagization) do espaço – um processo de
reinterpretação do nosso ambiente – coloca os objectos patrimoniais e as
instituições culturais na mesma linha com outros espaços populares de lazer,
incluindo circos e casinos, restaurantes e resorts, até a televisão e a
Internet. Este fenómeno tem tido um impacto sobre os conteúdos e os métodos de
apresentação e interpretação da herança cultural e tem inspirado a
transformação dos museus em espaços especiais e importantes para um diálogo
sobre o papel da herança cultural no desenvolvimento da democracia e da
sociedade civil. De acordo com o famoso futurologista Rolf Jensen, a actual
sociedade, caracterizada pela abordagem científica e o racionalismo, regressará
inevitavelmente às emoções, à história e aos valores.
Neste
contexto, deveríamos mencionar que o papel social e a popularidade de um museu
na Ucrânia são bastante pequenos em relação aos Estados Unidos e outros países
desenvolvidos. Existem várias razões para isso. A política de genocídio dos
comunistas na Ucrânia e a opressão cultural dos últimos 80 anos resultaram,
claro, numa perda considerável da memória histórica dos Ucranianos. Durante os
anos de repressão da cultura soviética, grande parte da distinta herança
cultural ucraniana ficou dormente, escondida. Isto foi lamentável por várias
razões, no entanto, o nosso isolamento cultural preservou a nossa cultura
tradicional como numa cápsula do tempo. Desde 1991, foram introduzidas novas
liberdades, proporcionando acesso a novos mercados e culturas. Juntamente com
este acesso, houve uma inundação de culturas globais. Apesar de poder haver
várias vantagens económicas, na Ucrânia, este fluxo de culturas globais
encontra um vácuo de memória cultural. Para a nossa nação, a criação de um
caminho distinto para o futuro e uma sociedade aberta e democrática requer
alguma memória do que fomos.
O Museu Ivan
Honchar, assim como muitos outros museus, pode fornecer de uma forma única esta
bagagem cultural. O único problema é como evoluir do ainda dominante modelo
soviético de museu – que servia apenas como repositório de tesouros culturais e
étnicos aprisionados e para propósitos ideológicos, para a criação de uma nova
nação, o povo soviético. Hoje em dia, centenas de museus na Ucrânia podem
orgulhar-se de colecções únicas e ricas, mas não se apresentam inspirados para
a transição, para se reinventarem e para se tornarem relevantes. A área dos
museus na Ucrânia encontra-se numa conjuntura crítica, enfrentando desafios
diários. Isto acontece devido à falta de conhecimentos profissionais e de
cooperação internacional, métodos de operação, políticas e programas
antiquados, que os impedem de tornar-se em centros importantes de aprendizagem
e educação, formando, criando e interpretando valores. As suas colecções,
bibliotecas, arquivos e outros recursos de documentação ainda não estão abertos
ao grande público. Na Ucrânia, estão a emergir novas formas de expressão artística
e novos segmentos do sector cultural. No entanto, não existe uma gestão
profissional e eficiente nesta área nem uma política cultural eficaz. E a
Família – um elemento importante no modelo do Ciclo, desenhado por Michael
Kaiser, o Presidente do Kennedy Center – não foi ainda construída.
Desfile de moda no Lion Fest, nas salas do Museu Ivan Honchar. (Foto: Bohdan Poshyvailo) |
Mas acredito
na diplomacia cultural e concordo em absoluto com a minha colega no Fellowship,
Caroline Miller, que, no seu post para este blog, sugeriu que um grande evento
cultural ou desportivo pode comunicar eficazmente para as massas mais sobre o
país organizador “apenas num único espectáculo do que os políticos têm
conseguido em décadas”. Numa viagem recente à Tunísia fiquei tão surpreendido
ao ver muitas pessoas (até na região do sul, a porta de entrada para o Sara)
sorrirem amigavelmente ao saberem que era da Ucrânia e exclamarem com admiração
“Ukrajna. Shevchenko!”. Teria preferido, claro, que tivessem a referir-se ao nosso ícone nacional –
o lendário poeta, filósofo e artista Taras Shevchenko, que viveu no século XIX
-, não apenas ao nosso famoso jogador de futebol Andriy Shevchenko. Uma bela
ilustração de como este Campeonato de Futebol Euro 2012 serviu para a Ucrânia
como um grande diplomata cultural.
E acredito
ainda que a experiência de profissionais estrangeiros no sector cultural pode
ser de grande importância e valor para a Ucrânia. Ajudar-nos-á a encontramos
uma forma de compreender e avançar com o uso da nossa herança cultural e das
novas formas de expressão artística num ambiente que está a mudar rapidamente,
concentrando-nos sobre o porque é que os museus são importantes para a nossa
cultura, qual pode ser o seu contributo para a qualidade da experiência e o
bem-estar humano, como podem enriquecer as vidas das pessoas envolvendo as
emoções, melhorando as experiências e aprofundando a compreensão de pessoas,
lugares, eventos, ideias, conceitos e objectos do passado e do presente.
Ihor Poshyvailo é Etnólogo,
doutorado pelo Instituto de Estudos Artísticos, Arte Popular e Etnologia,
Academia Nacional das Ciências da Ucrânia (1998). É Director-Adjunto do Centro
Nacional de Cultura Popular “Ivan Honchar Museum” (Kiev); Presidente da
Delegação Regional de Kiev da União Nacional de
Mestres de Arte Popular; membro fundador
do Conselho da Fundação Ivan Honchar. Foi um
dos peritos da Comissão Estatal de Arte do Ministério da Cultura da Ucrânia,
assim como da Comissão Intergovernamental da UNESCO para a Preservação do
Património Cultural Imaterial (2009). É
o autor do livro premiado Phenomenology of
Pottery (semiotic and ethnological aspects).
Co-moderador e co-organizador de seminários internacionais
sobre gestão de museus (desde 2005). Participou no International Visitor Program (EUA, 2004), Global Youth
Exchange Program (Japão, 2004) e The World Master’s Festival in Arts and Culture
(Coreia do Sul, 2007). Curador de projectos artísticos internacionais, incluindo a exposição itinerária “Smithsonian Folklife Festival: Culture Of, By, and For People” (2011), “Interpreting Cultural Heritage” (2011), “Home to Home: Landscapes of Memory” (2011-2012). Foi
bolseiro do
International Charitable Fund “Ukraine-3000” (2005–2006). Foi
Fulbright Scholar no Smithsonian Center of Folklife and Cultural Heritage
(2009-2010) e actualmente é Summer International Fellow no Kennedy Center
(2011-2013).
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