Monday 26 November 2012

A indústria das imensas minorias

Imagem retirada do site The Long Tail.
Na manhã de 17 de Novembro mudei os planos que tinha e fui ao CCB por duas razões: o título curioso do simpósio internacional organizado pelo Lisbon Estoril Film Festival,  Arte vs. Cultura e Indústrias Culturais; e o facto do escritor Hanif Kureishi fazer parte do primeiro painel.

Acabou por ser uma experiência frustrante. Fiz um grande esforço para perceber de que forma aquilo que a maioria dos intervenientes dizia se relacionava, realmente, com o tema do simpósio, o qual me tinha parecido tão intrigante. No fim, senti-me como se tivesse assistido a uma conversa privada, que teria acontecido de qualquer forma, independentemente do título do simpósio. Rancière, Benjamin, Adorno, Horkheimer e outros foram mencionados mais que uma vez e era óbvio que alguns dos intervenientes estavam mesmo a divertir-se entre eles, enquanto eu tentava controlar a minha frustração e o sentimento que tinha desperdiçado a minha manhã.

Acabei por sair sem ter percebido a afirmação “Arte vs. Cultura”, mas acho que percebi uma outra coisa: alguns dos intervenientes lamentavam o facto da ‘indústria’ dominar a criatividade, não deixando espaço para trabalhos menos ‘populares’ ou menos ‘mainstream’ serem conhecidos (e talvez… tornar-se tão ‘populares’ ou tão ‘comerciais’ como outros?). Houve momentos em que a queixa não parecia ser o facto de terem sido deixados sem espaço, mas o facto da ‘indústria’ não lhes permitir terem audiências igualmente grandes. Confuso, não?

Achei estranho que esta pudesse ser uma questão nos dias que correm. E achei também que, se era este o assunto que era suposto ser discutido sob o título “Arte vs. Cultura e Indústrias Culturais”, o painel deveria ter incluído um ou dois oradores que pudessem ter baixado a idade média dos intervenientes dos 65 anos (Hanif Kureishi tentou, na verdade, re-centrar o debate, mencionado o que tem estado a observar entre os seus filhos e os amigos destes, confiante de que hoje em dia há muita criatividade, graças também às novas tecnologias, mas ninguém seguiu a deixa, por isso ele desistiu e, visivelmente aborrecido, concentrou-se no seu telemóvel…).

Eu também acho que estes são tempos muito criativos, especialmente no que diz respeito aos produtos de nicho. Uma criatividade sem fronteiras, que pode ser concebida, produzida e distribuída sem estar dependente das regras da ‘indústria’. Ou… que tem, realmente, um espaço graças à ‘indústria’. Considerando o caso específico dos livros (todos os intervenientes eram escritores ou argumentistas), o livro de Chris Anderson The Long Tail: Why the future of business is selling less of more  fala-nos dos inúmeros livros que nunca teriam vendido um exemplar numa livraria normal (não haveria espaço para armazenar centenas e centenas de livros que iriam vender pequenas quantidades), mas que vendem, realmente, graças à Amazon e as suas sugestões (“pessoas que compraram este livro, compraram também este”…) e graças ao facto de poder fornecer qualquer livro, uma vez que não tem que o armazenar até ser encomendado. Hoje em dia, os livros também podem ser impressos a pedido, podem ficar disponíveis na Internet, podem chegar aos lugares mais distantes (e não nos esqueçamos dos e-books).

Este é também o tempo em que jovens talentos em música podem fazer o upload do seu trabalho para quem estiver interessado, tornando-se mais conhecidos através do “like” e da “partilha”; este é o tempo em que concertos acontecem na sala de estar das pessoas; em que festivais de cinema são apresentados no You Tube. 

Sei que esta é uma matéria muito mais vasta e que não seria possível abordar aqui todos os aspectos com ela relacionados. Mas, pergunto-me, será que é negado espaço a alguém nestes dias? Não é verdade que aos nichos não é cedido espaço, mas que são eles a criar o seu próprio? Isto tudo não poderá ser uma questão sobre o quem é que procura comunicar com quem? Os produtos ‘populares’ (uso o termo no sentido das vendas, não do conteúdo) precisam provavelmente da ‘indústria’ e das grandes instituições culturais formais para a sua distribuição, mas os produtos de nicho (que podem um dia tornar-se ‘populares’) parecem capazes de viver de forma relativamente independente nestes dias, felizes de serem quem são. Será assim?


Mais leituras
A década em que todos puderam ser famosos para 15 pessoas (dossier do Jornal Público, 8.10.2010)
Culture and Class (John Holden, 2010)

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