Monday 19 November 2012

Blogger convidado: "Que género de velho quer ser?", por Rebecca McLaughlin (Irlanda)


A população mundial está a envelhecer. E a ambição do Primeior-Ministro da Irlanda é que o seu país seja o melhor país pequeno do mundo onde envelhecer com dignidade e respeito. Rebecca McLaughlin, minha colega no Kennedy Center, é a coordenadora de Bealtaine, um festival de artes que nos últimos 17 anos tem estado a explorar o papel da criatividade à medida que se envelhece. Bealtaine apresenta todos os anos um programa de mais de 3000 eventos no mês de Maio, convidando as pessoas mais velhas a envolverem-se com as artes e a cultura como público, artistas, críticos ou participantes. E assim, a conversa que a Rebecca e eu não conseguimos ter em Julho passado começa agora neste blog. mv

Mary Russell da orquestra "Blow the Dust" na abertura do Bealtaine Festival em 2010. (Foto: John Ohle)
Que género de velho quer ser? Em que género de sociedade quer envelhecer? Quer continuar a ser criativo e desfrutar as artes e a cultura quando estiver nos seus 50, 70, 90 anos? Acha que a idade é uma barreira à criatividade?

O Bealtaine Festival é o primeiro festival do mundo que celebra a criatividade à medida que vamos envelhecendo. Tem lugar todos os anos em Maio em toda a Irlanda. Ao estar a coordenar Bealtaine, que é hoje o maior festival colaborativo de artes da Irlanda, estas são questões que se levantam com alguma regularidade. Se tivermos sorte, cada um de nós sentirá prazer ao envelhecer e continuará a viver e a experienciar aquelas actividades e oportunidades de afirmação da vida que as artes e a cultura proporcionam às nossas comunidades.

O Bealtaine Festival chega todos os anos a dezenas de milhares de pessoas com 55 anos ou mais, estimulando o seu envolvimento com as artes como artistas, participantes, público e organizadores. Através de parcerias com várias organizações, desde instituições culturais nacionais a bibliotecas, de unidades de cuidados a hospitais, pessoas mais velhas participam em mais de 3000 eventos ao longo do mês de Maio, incluindo música, teatro, artesanato, fotografia, cinema e literatura. ‘Bealtaine’ é a palavra irlandesa para Maio, com todas as suas associações ao crescimento, renascimento e a novos começos.

Não se pode negar que, quer se tenha 5 quer 105 anos, o acesso às artes é uma questão de equidade e cidadania – é um direito, não um privilégio. Da nossa experiência de 17 anos no Bealtaine Festival em que celebramos a criatividade à medida que se vai envelhecendo, sabemos que, entre outras coisas, uma maior participação nas artes é importante para o desenvolvimento de uma auto-imagem e identidade positiva para as pessoas mais velhas. Pode ajudar significativamente a construir ligações e promover o capital social.

A Irlanda está na primeira linha a nível internacional na defesa da criatividade à medida que se envelhece e neste momento cerca de 12% da nossa população tem mais de 65 anos (mais de meio milhão de pessoas). Em 2041 espera-se que o número de pessoas com mais de 65 anos aumente 180% (para 1,3 milhões). O nosso Primeiro-Ministro tem afirmado a ambição de tornar a Irlanda no melhor país pequeno no mundo onde envelhecer com dignidade e respeito.

’Velho’ é uma palavra difícil para muitos. De acordo com a nossa experiência, se perguntarmos às pessoas o que é que consideram ser ‘velho’, falarão invariavelmente de uma idade que ultrapasse a delas por 10 anos! No Festival, estamos mais à vontade para falar sobre o processo de envelhecimento em vez de ‘estar velho’ como uma espécie de destino no fim de uma viagem. É impossível colocar todas as pessoas entre os 55 e os 105 anos numa categoria homogénea de ‘velho’. Um dos objectivos do festival é desafiar esses estereótipos e as percepções negativas sobre o ficar mais velho. Concentramo-nos nas capacidades das pessoas mais velhas e abraçamos o seu valor e contributo para a sociedade.

Trabalhando no projecto "Wandering Methods" durante o Bealtaine Festival de 2012. (Foto: Lian Bell)
Com cada Bealtaine Festival, ficámos inspirados e encantados com os talentos criativos que se redescobrem ou com as novas capacidades adquiridas pelas pessoas que atendem e pela paixão de fazer arte, o que para certas gerações de Irlandeses simplesmente não fazia parte da sua educação formal ou do seu mundo. Para os nossos organizadores do Bealtaine, o mês de Maio está integrado na sua agenda cultural anual como um tempo para se concentrarem naquilo que oferecem às pessoas mais velhas. Para muitos deles, ‘pessoas mais velhas’ tem-se tornado mais num conceito abstracto e ao longo do tempo têm sido desenvolvidas entre as instituições culturais e as pessoas mais velhas actividades sustentáveis e verdadeiras relações a vários níveis; por exemplo,  de um projecto original na edição de 2010 surgiu uma orquestra permanente de pessoas mais velhas, chamada “Blow the Dust off your Trumpet” (sacode o pó do teu trompete), residente hoje no National Concert Hall em Dublin.

As tendências demográficas são claras – mais de um quinto da população mundial (22%) terá mais de 60 anos em 2050 – o dobro da actual população sénior. Nos EUA, daqui a 10 anos as pessoas mais velhas serão mais do que as crianças e um em cada três bebés nascidos hoje pode esperar viver até aos 100 anos. Quando muitos de nós estamos a lutar para atrair públicos novos e a tentar fazer malabarismos para lidar com a actual situação económica, vale a pena considerar que o grupos dos que têm mais de 50 anos detém 80% da riqueza nos EUA e 75% na EU.

Na actual sociedade, é preciso pensar radicalmente todo o leque de políticas públicas em todas as áreas, desde o emprego e a saúde às pensões. Como devemos lidar com este desafio demográfico do envelhecimento? Como podemos dar resposta às necessidades e os requisitos em constante mudança da nossa população mais velha? O envelhecimento da população e especialmente o aumento do número de pessoas no grupo dos ‘velhos mais velhos’ têm muitas implicações relacionadas com a idade (por exemplo, um aumento dos casos de demência) que exigem respostas inovadoras e sensíveis que possam garantir a inclusão desta população. Como gestores culturais e curadores, precisamos de reflectir sobre as vidas da população que está a envelhecer e permanecer relevantes para ela. Se não o fazemos ainda, deveríamos, então, começar a investir no acesso e nas oportunidades de participação para envolvermos os nossos públicos mais velhos e construir relações com eles. Ocupamos um lugar único na construção deste futuro, um dia, eu e você faremos parte desses públicos mais velhos.

Por isso, pensando nisto… “Que género de velho quer ser?!”


Rebecca McLaughlin é a coordenadora de Bealtaine Festival. Previamente, tinha sido Exhibitions Curator para o programa de exposições temporárias da Dublin City Gallery The Hugh Lane, que reúne uma das mais importantes colecções de arte moderna e contemporânea da Irlanda e integra o estúdio remodelado do artista Francis Bacon. No Reino Unido, foi Marketing Manager para o lançamento de The New Art Gallery Walsall, um projecto pioneiro de £21 milhões nos West Midlands, que apresentou a primeira Children's Art Discovery Gallery no Reino Unido. Estudou em University College Dublin e na Universidade de Leicester e é Fellow no DeVos Institute of Arts Management no Kennedy Centre em Washington.


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