Monday 8 April 2013

Digam "clik"!


Quando visitei o Museu de Viena há umas semanas, o que mais chamou a minha atenção foi Unter 10, uma exposição temporária com objectos da colecção do museu que medissem até 10 centímetros. Achei que este era um tema original para uma exposição temporária num museu de cidade. Quando cheguei à entrada da exposição, fiquei contente por ler um texto introdutório muito bem escrito e de contemplar um design gráfico excelente, assim como um painel visualmente impressionante com lupas em linha, prontas para serem usadas pelos visitantes que iriam explorar a exposição de miniaturas.  

Perguntei a dois guardas se poderia tirar uma fotografia destes painéis de entrada. Olharam um para o outro não sabendo muito bem o que responder. O mais novo disse “Suponho que sim, porque não. Mas… eu sou novo aqui.” O outro guarda entrou na exposição para perguntar a um colega e voltou com o veredicto: ‘não’. Os visitantes não podiam tirar fotografias da exposição, mas, se eu quisesse, poderia comprar o catálogo… Expliquei que não queria fotos dos objectos, queria apenas uma foto dos painéis de entrada para as minhas aulas. Pareceram ter pena, mas… ‘não’. No dia seguinte escrevi ao director do museu. Expliquei o que tinha acontecido, disse que era uma pena o museu não permitir a fotografia e perguntei se poderia, então, ter uma foto dos painéis de entrada do arquivo do museu para usar nas minhas aulas. Nem isso, questões de direitos de autor… (?)

É muito bom poder tirar fotografias em museus. No meu caso particular, porque estou sempre à procura de exemplos (bons e maus) para ilustrar as minhas aulas. Suponho que muitas outras pessoas tirem fotos por razões profissionais (e não, comprar o catálogo não é resposta para as nossas necessidades…). Na maioria dos museus que visitei nos últimos tempos a fotografia era permitida e foi um grande alívio. Senti-me imediatamente mais à vontade. No entanto, em alguns casos, quando expliquei que queria as fotos para as aulas, tive que assinar um papel a dizer que não ia usá-las com fins comerciais. Noutros casos, os funcionários do museu não conseguiam decidir-se, pediram-me para esperar para perguntarem a outra pessoa e quando eu já estava a acabar a visita, eles ainda não tinham uma resposta…

Mas gosto também de ver outros visitantes tirar fotografias nos museus: de uma obra de arte famosa, de uma obra de arte favorita, de um objecto que chamou em particular a sua atenção ou que os tocou de uma forma especial ou despertou a sua curiosidade ou será uma lembrança da sua experiência (e não, comprar postais não é a mesma coisa…).



Quando se fala em fotografia nos museus, lembro-me imediatamente de It´s Time we Met, a iniciativa brilhante do Metropolitan Museum of Art, onde fotografias tiradas pelos visitantes no museu entram numa competição e são depois seleccionadas para os materiais promocionais do museu. Que forma maravilhosa de envolver os visitantes, partilhar o seu entusiasmo e promover o próprio museu (sem custos…).  Aqui em Portugal, a nossa colega Inês Fialho Brandão também organizou um concurso no Flickr em 2010, chamado Museus de Portas Abertas  para os museus municipais de Cascais. Depois do sucesso da iniciativa, a Câmara Municipal decidiu permitir a fotografia sem flash nos seus museus. Não parecem ter-se arrependido… Ao mesmo tempo, o Powerhouse Museum parece ser bastante compreensivo com a necessidade dos visitantes de tirarem fotografias, por razões pessoais ou profissionais, e até incentiva-os a partilharem-nas com o museu... (ver aquiÉ uma questão de atitude.

Alguns museus adaptaram-se rapidamente às novas realidades criadas pela tecnologia digital e pelas redes sociais na forma como pessoas de todas as idades visitam os museus. Outros estão agora num processo de adaptação, tendo sentido a necessidade de se manterem actualizados e de se envolver com os seus visitantes através de novos meios. Outros remam obstinadamente contra a maré e, em alguns casos, se perguntarmos “porquê”, os guardas não nos sabem dizer. Parece que é por ter sempre sido assim e ninguém lhes ter dado instruções ao contrário. Um dos momentos mais engraçados para mim ultimamente foi no Museum Nacional de Arte Ucraniana, onde à entrada de cada sala havia sinalética (o ícone habitual da máquina fotográfica) a indicar que não era permitido fotografar. Assim, um jovem visitante tirava fotos de todos os quadros com o seu telemóvel e os guardas olhavam para ele, mas não interferiam… Quererá isto dizer que nem pensar em fotografar com uma máquina, mas está tudo bem se for usado um telemóvel? Nem me atrevi a tirar a minha máquina do bolso…

O caso que mais me intrigou no que diz respeito à fotografia nos museus foi o de França. Por um lado, porque os profissionais do sector tiveram que se dirigir ao Ministério da Cultura e propor a criação de um grupo de trabalho para reflectir sobre este assunto (ler aqui e aqui). Fiquei surpreendida que fosse preciso tanto… Por outro lado, considerando a atitude algo fundamentalista do Musée d´Orsay – que em 2010 proibiu fotografar tanto as obras como o próprio edifício do museu – talvez se percebam a necessidade de discutir esta questão ao mais alto nível. A proibição no Musée d´Orsay é oficialmente justificada pelo facto de ser extremamente complicado para os guardas controlarem o uso do flash, porque os visitantes que tiravam fotografias abrandavam o ritmo de todos e porque havia perigo para as obras de arte. A tudo isto, o Presidente do museu, Guy Cogeval, acrescentou mais uma razão, altamente questionável: o facto dos visitantes não olharem mais para as obras e não permitirem a outros fazê-lo. “Meu Deus”, lê-se numa entrevista publicada no catálogo de uma exposição, “estamos a regredir para uma época de barbaridade.” (ler aqui).

Fotografia tirada 'ilegalmente' pela autora no Musée d´Orsay. Não resisti...
A fotografia nos museus pode, realmente, criar alguns problemas práticos, mas muitos museus (a até os próprios visitantes) parecem ter encontrado formas de os resolver. Pode ainda levantar questões de direitos de autor no que diz respeito à arte contemporânea – se bem que é muito engraçado ver que uma determinada obra não pode ser fotografada num museu, mas pode ser noutro…Mas é um facto que o permitir tirar fotografias nos museus trouxe vários benefícios para a relação museu-visitante e, além disso, para a promoção do museu em si, através do canal de publicidade que sempre funcionou melhor do que qualquer outro: o passar a palavra. Não vejo nenhum acto de barbárie nisso… Vejo pessoas que queiram ficar com o registo de uma experiência (esperemos que de uma boa experiência), que queiram partilhá-la com outros. A forma como cada pessoa vive esta experiência pode não ter nada a ver com a forma como a mesma foi idealizada pelo curador, mas esta foi sempre a questão nos museus, não foi?


Leituras

Visiteurs Photographes au Musée, editado por Serge Chaumier, Anne Krebs e Mélanie Roustan, foi publicado em Fevereiro e reúne artigos muitos interessante, agrupados em três partes: I. Interdire / autoriser. Le juridique au centre de la controverse?; II. Du côté des visiteurs. Pratiques photographiques et usages des photographies; III. La photographie comme instrument des politiques des publics. Mélanie Roustan apresenta o livro aqui.


Orsay Commons, entrevista com Julien Dorra (também disponível em português em Reprograme, pág. 130)

8 comments:

Cristina Gonçalves said...

Olá Maria,

Na minha opinião, as fotografias tiradas pelos visitantes com as suas máquinas digitais são uma das formas mais eficazes de divulgação informal dos museus hoje em dia. Tenho visto fotografias belíssimas do museu onde trabalho em blogues e páginas do Flickr, o que é muito gratificante.
Os flashes hoje em dia são cada vez mais imperceptíveis e é ridículo pensar-se que se controla a captação de imagens nos espaços museológicos.
Assim, talvez fosse sensato assumir que só a captação de imagens (fotografias e filmagens) com grande aparato profissional (envolvendo tripés, lentes espciais, etc.), deveriam ser condicionadas a autorização prévia.
Aqui está um exemplo do que acima referi:
"http://hojeconhecemos.blogspot.pt/2013/02/do-museu-condes-de-castro-guimaraes.html"

Maria Vlachou said...

Obrigada, Cristina. Penso que muitos de nós partilhamos a sua opinião. E também em França o movimento "pró-fotografia" tem grande expressão. Estou curiosa para ver como se vai deenvolver a situação no Musée d´Orsay...

Ines Fialho Brandao said...

Maria,

Obrigada pela referência ao Museus de Portas Abertas! Aqui fica mais informação sobre a iniciativa - convém sublinhar que mudança de política nao teria sido possível sem a anuência dos responsáveis de cada um dos museus, e da Chefe de Divisão dos MMC, a Carla Varela Fernandes.

Inês Fialho Brandão
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Museus de Portas Abertas! foi um concurso fotográfico promovido pelos Museus Municipais de Cascais. Inspirado na iniciativa It's Time we Met!, promovida pelo Metropolitan Museum of Art, encorajava visitantes a registarem momentos "portas abertas" entre Maio e Junho de 2010, em sete museus de Cascais - Museu-Biblioteca Condes de Castro Guimaraes, Museu do Mar Rei D. Carlos, Farol-Museu de Santa Marta, Casa de Santa Maria, Museu de Musica Portuguesa, Forte de Oitavos, e Moinho de Alcabideche.

Sendo que até então a fotografia dentro destes espaços era proibida, suspendeu-se temporariamente esta interdição para o concurso pudesse decorrer. Os resultados foram mistos. Por um lado, das quase 100 imagens recebidas, poucas ilustraram a utilização dos museus pelo público.

Por outro, a iniciativa demonstrou que a fotografia dentro dos museus, desde que não danificasse as obras, constitui um instrumento de divulgação, e de promoção de comunidade de visitantes. Assim o que foi inicialmente uma alteração temporária, transformou-se numa política permanente, promovendo maior e melhor acessibilidade aos espaços e conteúdos museológicos de Cascais.

Felizardo said...

Olá,

Eu trabalho num monumento/ parque em Sintra, onde desde há já algum anos passou a ser permitido tirar fotografias desde que não seja para fins comerciais. Se por um lado é um excelente veículo para a promoção do espaço (há milhares de fotografias pela web), por outro lado talvez concorde com o que foi dito em França, com tanta fotografia as pessoas passam menos tempo a observar e a sentir as obras e o espaço, dificultando também a circulação de visitantes em alguns espaços. Mais, com o desejo de tirar a fotografia perfeita já tivémos alguns acidentes!
Claro que as fotografias são altamente benéficas para a instituição, assim como as redes sociais (a nossa página de Facebook tem mais de 100.000 seguidores), mas a vontade de partilhar talvez nos esteja a levar a viver menos o aqui e o agora! Ou se.calhar estamos apenas a vivê-los de forma diferente:-)

Maria Vlachou said...

Obrigada, Felizardo. Eu optaria por deixar cada pessoa viver o momento conforme entender melhor, conforme fizer mais sentido para ela. Cada um à sua maneira. Que lhe parece?

Felizardo said...

Claro que sim! Afinal os visitantes estão num momento de lazer e aprendizagem:-)

André Fonseca said...

Isso me lembrou uma experiência recente que tive em Barcelona. Visitei um centro voltado a negócios empreendedores, e tentei tirar uma foto com o celular, para divulgar o espaço via Instagram. O segurança gritou que fotos não eram permitidas. Questionei a razão, já que o espaço era mantido com recursos públicos, e ele me disse que não sabia, mas que as fotos estavam proibidas.

A verdade é que cada vez menos encontramos motivos plausíveis para impedir que um visitante tire uma foto sem flash. A argumentação do direito de autor não faz sentido, já que podemos encontrar facilmente imagens das obras usando o Google, por exemplo. Assim como não me parece sensato argumentar que as pessoas desfrutam menos as obras porque estão mais preocupadas em tirar as fotos. Pode até ser verdade, mas essa é uma questão comportamental dos dias de hoje, em que as pessoas usam aparelhos ou meios digitais para estabelecerem relações com qualquer coisa. Não adianta remarmos contra a maré, mas sim entender como os públicos se comportam. E com certeza não será do jeito que as instituições querem.

Maria, obrigado mais uma vez por seus textos :)

Maria Vlachou said...

Obrigada, André :-) Tanto com as fotografias como com outras regras, a imagem que se dá é mesmo má quando um funcionário não sabe explicar o porquê. E muitas vezes dá a entender que ninguém pensou, realmente, no porquê...

Acabei de regressar da Hungria onde os museus cobram entre 100 e 2000 Ft (€0,30 a €6) e as pessoas podem tirar as fotografias que quiserem. A medida não me desagrada, sempre traz uma pequena (ou grande) receita para o museu, se bem que, para quem já comprou bilhete os €6 podem ser um valor algo exagerado...