Monday 22 July 2013

Apresento-vos a Rosa Shaw

Rosa Shaw (Foto: Maria Vlachou)
Apresento-vos a Rosa Shaw. É a primeira pessoa que nos cumprimenta quando entramos no Kennedy Center for the Performing Arts. É um dos guardas do memorial e uma das caras da instituição. É bem educada, tem sentido de humor, é prestável. Quando alguém parece estar perdido ou confuso, não espera que lhe peçam ajuda, aproxima-se e tenta ver se pode ajudar. A farda poderia causar alguma inibição nos visitantes – uma preocupação permanente entre os que trabalham na área da comunicação – mas, olhando para a Rosa e a forma como faz o seu trabalho, torna-se claro que, mais do que uma questão de aparência, é uma questão de atitude.  

A Rosa faz-me pensar em vários guardas que tenho encontrado em museus. Pessoas que parecem extremamente aborrecidas e cansadas; ou pessoas que evitam o contacto visual e depois seguem-nos de perto, apesar de sermos o único visitante na sala; ou pessoas que estão a discutir em voz alta os seus problemas familiares ou laborais, não dando nenhuma atenção aos visitantes. Guardas deste género fazem-me pensar o quão mais interessante seria o seu trabalho, e qual seria o benefício para o museu ou a instituição cultural em que trabalham, se lhes fosse dada formação adequada e responsabilidades diferentes – mais responsabilidades – do que simplesmente estarem sentados numa cadeira ou de pé num canto, sisudos e aborrecidos, interagindo o menos possível com os visitantes.

Guardas no Brooklyn Museum (Foto: Maria Vlachou)
Digo isso porque tive também outras experiências. Há três anos, juntei-me a uma visita guiada à exposição das Tapeçarias de Pastrana no Museu Nacional de Arte Antiga em Lisboa. Quando a visita acabou, dirigindo-me à saída, ouvi um guarda a falar com duas senhoras, explicando tudo o que uma pessoa precisava de saber sobre aquelas obras, mas com um entusiasmo e empenho que igualava aquele do pessoal do Serviço Educativo. E numa linguagem muito mais acessível do que aquela dos textos nos painéis. Mais recentemente, numa visita à exposição de El Anatsui no Brooklyn Museum, ouvi duas guardas a falar sobre uma das obras. Adorei ouvir a sua conversa. Mais tarde, uma delas cumprimentou um pequeno grupo de visitantes e ofereceu-se para tirar-lhes uma fotografia à frente de uma das obras, para poderem ficar todos nela. Todo o ambiente estava descontraído e amigável e informal, senti que fazia toda a diferença.

Os guardas dos museus podem parecer silenciosos e sisudos, até ameaçadores às vezes, mas têm olhos e sentimentos e opiniões sobre as obras que os rodeiam. Há umas semanas, a Washington Post publicou um artigo muito interessante sobre os guardas dos museus da capital americana (ler aqui), onde falavam das suas obras favoritas e o porquê de serem as suas favoritas. Uma delas dizia que o facto de trabalhar num museu despertou o seu interesse pela arte e, consequentemente, fê-la olhar para todas as coisas de uma forma diferente. Ao ler as suas entrevistas, pensei como gostaria de ter tido uma conversa directa com eles, como visitante e como profissional.



Numa instituição cultural, o pessoal da Frente de Casa (sejam eles guardas ou assistentes de sala ou bilheteiros) são algumas das pessoas mais importantes na equipa no que diz respeito ao marketing institucional. São a cara, são a voz, são a atitude. São também os ouvidos, uma vez que estão mais próximos dos visitantes ou espectadores do que a Gestão. O pessoal da Frente de Casa tem um papel decisivo na qualidade de toda a experiência de visitar uma instituição cultural. Uma exposição que nos desiludiu ou um espectáculo que provou ser um desastre não nos vai manter afastados para sempre; assumimos um risco e sabemos que poderá não vir a corresponder à expectativa. Por outro lado, se não formos bem tratados, se nos depararmos com funcionários que são mal educados ou de mau humor, que não têm a informação que precisamos, que não são prestáveis ou que mostram não se preocupar, isto poderá fazer toda a diferença e determinar se vamos voltar ou não. Mesmo quando temos que escolher entre duas exposições ou dois espectáculos interessantes, é muito provável que o atendimento ao público, o lugar onde nos sentimos mais bem tratados, faça toda a diferença na nossa decisão.

No entanto, apesar da sua posição e papel estratégicos, o pessoal da Frente de Casa é normalmente negligenciado pela Gestão; menosprezado também. Não lhes é dada formação adequada em relações públicas e atendimento ao público; não lhes é dada informação sobre o que estão a guardar ou a vender ou o que vão ver as pessoas que encaminham aos respectivos lugares; muito frequentemente, não lhes é dada sequer informação importante sobre o que se passa na instituição na qual trabalham em termos de programação ou horários ou preços / descontos ou outras informações práticas que o público procura (já alguma vez presenciaram o desconforto e constrangimento de um membro da Frente de Casa quando não pode responder a uma pergunta lógica ou, pior, quando é informado pelo público sobre o que se passa na instituição onde trabalha?); sentem-se frustrados pelo facto da sua opinião não ser tida em conta, até quando se trata de opiniões e comentários do público que eles simplesmente transmitem superiormente, porque os ouviram ou porque os receberam.

Os funcionários da Frente de Casa não são o pessoal que ‘apenas’ guarda ou ‘apenas’ vende ou ‘apenas’ responde ao telefone ou ‘apenas’ leva as pessoas ao seu lugar. São uma parte valiosa da equipa, a parte mais visível. São aqueles que dão as boas vindas ao público, que falam com ele, que promovem a instituição – não apenas os seus conteúdos, mas também a sua visão e os seus princípios. Parece óbvio e natural que lhes sejam dadas as ferramentas para poderem fazer o seu trabalho e fazê-lo bem. A Rosa parece ter prazer em fazer o seu trabalho. E é um prazer vê-la fazê-lo.

4 comments:

Inês said...

Não cheguei a ver, mas tem sido muito elogiado e a curiosidade é muita: http://www.indielisboa.com/movie_detail.php?movie=94514&lang=1

Maria Vlachou said...

Também não cheguei a ver, Inês, estava esgotado... Mas sim, foi muitíssimo elogiado.

soraiasalvador said...

Maria, excelente artigo! Sao os detalhes e as coisas mais simples que fazem toda a diferenca. Tambem eu tenho uma memoria que nao esqueco: Museu Dali na Catalunha. Apaixonei-me pelo museu porque tive a felicidade de encontrar um guarda de uma das salas do museu que nos explicou as obras, a arquitectura do edificio, tudo de uma maneira tao apaixonada, dificil resistir. Outro detalhe importante, invisivel: o antendimento telefonico dos museus, ou melhor, a mensagem automatica que ouvimos antes de falar com o operador. Ha pouco tempo estive a colaborar num projecto que envolvia grande parte dos museus em UK. Foi interessante perceber que alguns utilizam esta invisivel ferramenta de uma maneira positiva (o director do museu apresenta uma mensagem de boas-vindas) enquanto outros nao o fazem de todo (tipica mensagem "we're busy, hold the line"). Pode parecer insignificante, mas faz a diferenca. Para acabar o meu comentario (que vai longo), neste projecto em que estive envolvida, entrevistamos o director de um museum em Cambridge que nos apresentou algumas das ideias que teve para promover o museu, a qual achei bastante piada. Em vez de focar-se no digital (importante, mas nao exclusivo), ele convidou todos os condutores de taxi de Cambridge para passarem um dia no museum. Fizeram visita guiada ao museum, fizeram um pic-nic numa das salas do museu com todo o staff e os taxistas. Achei curiosa esta ideia, porque tambem ainda acredito na formula "a moda antiga" de olhos nos olhos.

Maria Vlachou said...

Obrigada por esta partilha, Soraia. Acho que todos, provavelmente, temos uma bonita história da visita a um museu que envolve os guardas.

Há uns anos, quando trabalhava no Pavilhão do Conhecimento, fizemos uma acção muito similar com os taxistas. Outra profissão muito importante para o "passar-a-palavra" são os cabelereiros. Aproveitámos uma exposição sobre o cabelo, acho que foi em 2003, para os envolver também no nosso trabalho. Tanta-tanta coisa que se pode fazer... Também "à moda antiga", tens razão.