Rosa Shaw (Foto: Maria Vlachou) |
Apresento-vos a Rosa Shaw. É a primeira pessoa que nos
cumprimenta quando entramos no Kennedy Center for the Performing Arts. É um dos
guardas do memorial e uma das caras da instituição. É bem educada, tem sentido
de humor, é prestável. Quando alguém parece estar perdido ou confuso, não
espera que lhe peçam ajuda, aproxima-se e tenta ver se pode ajudar. A farda
poderia causar alguma inibição nos visitantes – uma preocupação permanente
entre os que trabalham na área da comunicação – mas, olhando para a Rosa e a
forma como faz o seu trabalho, torna-se claro que, mais do que uma questão de
aparência, é uma questão de atitude.
A Rosa faz-me pensar em vários guardas que tenho
encontrado em museus. Pessoas que parecem extremamente aborrecidas e cansadas;
ou pessoas que evitam o contacto visual e depois seguem-nos de perto, apesar de
sermos o único visitante na sala; ou pessoas que estão a discutir em voz alta
os seus problemas familiares ou laborais, não dando nenhuma atenção aos
visitantes. Guardas deste género fazem-me pensar o quão mais interessante seria
o seu trabalho, e qual seria o benefício para o museu ou a instituição cultural
em que trabalham, se lhes fosse dada formação adequada e responsabilidades
diferentes – mais responsabilidades – do que simplesmente estarem sentados numa
cadeira ou de pé num canto, sisudos e aborrecidos, interagindo o menos possível
com os visitantes.
Guardas no Brooklyn Museum (Foto: Maria Vlachou) |
Digo isso porque tive também outras experiências. Há três
anos, juntei-me a uma visita guiada à exposição das Tapeçarias de Pastrana no
Museu Nacional de Arte Antiga em Lisboa. Quando a visita acabou, dirigindo-me à
saída, ouvi um guarda a falar com duas senhoras, explicando tudo o que uma
pessoa precisava de saber sobre aquelas obras, mas com um entusiasmo e empenho
que igualava aquele do pessoal do Serviço Educativo. E numa linguagem muito
mais acessível do que aquela dos textos nos painéis. Mais recentemente, numa
visita à exposição de El Anatsui no Brooklyn Museum,
ouvi duas guardas a falar sobre uma das obras. Adorei ouvir a sua conversa.
Mais tarde, uma delas cumprimentou um pequeno grupo de visitantes e ofereceu-se
para tirar-lhes uma fotografia à frente de uma das obras, para poderem ficar
todos nela. Todo o ambiente estava descontraído e amigável e informal, senti
que fazia toda a diferença.
Os guardas dos museus podem parecer silenciosos e
sisudos, até ameaçadores às vezes, mas têm olhos e sentimentos e opiniões sobre
as obras que os rodeiam. Há umas semanas, a Washington Post publicou um artigo
muito interessante sobre os guardas dos museus da capital americana (ler
aqui),
onde falavam das suas obras favoritas e o porquê de serem as suas favoritas.
Uma delas dizia que o facto de trabalhar num museu despertou o seu interesse
pela arte e, consequentemente, fê-la olhar para todas as coisas de uma forma
diferente. Ao ler as suas entrevistas, pensei como gostaria de ter tido uma
conversa directa com eles, como visitante e como profissional.
Numa instituição cultural, o pessoal da Frente de Casa
(sejam eles guardas ou assistentes de sala ou bilheteiros) são algumas das
pessoas mais importantes na equipa no que diz respeito ao marketing
institucional. São a cara, são a voz, são a atitude. São também os ouvidos, uma
vez que estão mais próximos dos visitantes ou espectadores do que a Gestão. O
pessoal da Frente de Casa tem um papel decisivo na qualidade de toda a
experiência de visitar uma instituição cultural. Uma exposição que nos
desiludiu ou um espectáculo que provou ser um desastre não nos vai manter
afastados para sempre; assumimos um risco e sabemos que poderá não vir a
corresponder à expectativa. Por outro lado, se não formos bem tratados, se nos
depararmos com funcionários que são mal educados ou de mau humor, que não têm a
informação que precisamos, que não são prestáveis ou que mostram não se
preocupar, isto poderá fazer toda a diferença e determinar se vamos voltar ou
não. Mesmo quando temos que escolher entre duas exposições ou dois espectáculos
interessantes, é muito provável que o atendimento ao público, o lugar onde nos
sentimos mais bem tratados, faça toda a diferença na nossa decisão.
No entanto, apesar da sua posição e papel estratégicos, o
pessoal da Frente de Casa é normalmente negligenciado pela Gestão; menosprezado
também. Não lhes é dada formação adequada em relações públicas e atendimento ao
público; não lhes é dada informação sobre o que estão a guardar ou a vender ou
o que vão ver as pessoas que encaminham aos respectivos lugares; muito
frequentemente, não lhes é dada sequer informação importante sobre o que se
passa na instituição na qual trabalham em termos de programação ou horários ou
preços / descontos ou outras informações práticas que o público procura (já
alguma vez presenciaram o desconforto e constrangimento de um membro da Frente
de Casa quando não pode responder a uma pergunta lógica ou, pior, quando é
informado pelo público sobre o que se passa na instituição onde trabalha?);
sentem-se frustrados pelo facto da sua opinião não ser tida em conta, até
quando se trata de opiniões e comentários do público que eles simplesmente
transmitem superiormente, porque os ouviram ou porque os receberam.
Os
funcionários da Frente de Casa não são o pessoal que ‘apenas’ guarda ou
‘apenas’ vende ou ‘apenas’ responde ao telefone ou ‘apenas’ leva as pessoas ao
seu lugar. São uma parte valiosa da equipa, a parte mais visível. São aqueles
que dão as boas vindas ao público, que falam com ele, que promovem a
instituição – não apenas os seus conteúdos, mas também a sua visão e os seus princípios.
Parece óbvio e natural que lhes sejam dadas as ferramentas para poderem fazer o
seu trabalho e fazê-lo bem. A Rosa parece ter prazer em fazer o seu trabalho. E
é um prazer vê-la fazê-lo.
4 comments:
Não cheguei a ver, mas tem sido muito elogiado e a curiosidade é muita: http://www.indielisboa.com/movie_detail.php?movie=94514&lang=1
Também não cheguei a ver, Inês, estava esgotado... Mas sim, foi muitíssimo elogiado.
Maria, excelente artigo! Sao os detalhes e as coisas mais simples que fazem toda a diferenca. Tambem eu tenho uma memoria que nao esqueco: Museu Dali na Catalunha. Apaixonei-me pelo museu porque tive a felicidade de encontrar um guarda de uma das salas do museu que nos explicou as obras, a arquitectura do edificio, tudo de uma maneira tao apaixonada, dificil resistir. Outro detalhe importante, invisivel: o antendimento telefonico dos museus, ou melhor, a mensagem automatica que ouvimos antes de falar com o operador. Ha pouco tempo estive a colaborar num projecto que envolvia grande parte dos museus em UK. Foi interessante perceber que alguns utilizam esta invisivel ferramenta de uma maneira positiva (o director do museu apresenta uma mensagem de boas-vindas) enquanto outros nao o fazem de todo (tipica mensagem "we're busy, hold the line"). Pode parecer insignificante, mas faz a diferenca. Para acabar o meu comentario (que vai longo), neste projecto em que estive envolvida, entrevistamos o director de um museum em Cambridge que nos apresentou algumas das ideias que teve para promover o museu, a qual achei bastante piada. Em vez de focar-se no digital (importante, mas nao exclusivo), ele convidou todos os condutores de taxi de Cambridge para passarem um dia no museum. Fizeram visita guiada ao museum, fizeram um pic-nic numa das salas do museu com todo o staff e os taxistas. Achei curiosa esta ideia, porque tambem ainda acredito na formula "a moda antiga" de olhos nos olhos.
Obrigada por esta partilha, Soraia. Acho que todos, provavelmente, temos uma bonita história da visita a um museu que envolve os guardas.
Há uns anos, quando trabalhava no Pavilhão do Conhecimento, fizemos uma acção muito similar com os taxistas. Outra profissão muito importante para o "passar-a-palavra" são os cabelereiros. Aproveitámos uma exposição sobre o cabelo, acho que foi em 2003, para os envolver também no nosso trabalho. Tanta-tanta coisa que se pode fazer... Também "à moda antiga", tens razão.
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