Monday 16 June 2014

Velhos amigos, novos amigos

A Seattle Symphony Orchestra com o Sir Mix-a-Lot
Algumas organizações culturais estão interessadas em avaliar a sua programação e a forma como a apresentam e a promovem, procurando diversificar os seus públicos. Por um lado, é um passo necessário no sentido de cumprirem a sua missão. Por outro, é uma questão de sobrevivência: quanto tempo mais vão existir se não conseguirem renovar a sua relação com as pessoas?

Quando a questão é a diversificação de públicos, emerge frequentemente uma preocupação: e se, ao tentarmos estabelecer uma relação com novas pessoas, estivermos a alienar os nossos velhos amigos, aqueles que nos têm acompanhado e que nos têm apoiado durante muito tempo?

Quando surge esta questão, penso em dois exemplos.

Primeiro nos EUA, e agora também no Reino Unido e na Austrália, os teatros promovem as chamadas “sessões descontraídas” (relaxed sessions). Foram inicialmente introduzidas para permitir a famílias com filhos autistas assistirem a uma peça de teatro todos juntos, como uma família. As luzes e o som são regulados, não se exige silêncio absoluto, é permitido às pessoas saírem da sala em qualquer momento. Pequenas adaptações que acabam por tornar estas sessões acessíveis também para pais com filhos pequenos, pessoas com deficiência mental e os seus acompanhantes, pessoas para quem certos espaços ou formas artísticas são uma novidade, etc.  As sessões descontraídas são claramente publicitadas, não só para se promover a oferta, mas também para informar outras pessoas que estas sessões apresentarão ligeiras alterações em relação às apresentações habituais. Assim, estas pessoas podem optar por assistir ou por ir a uma das outras sessões.

A questão é, de alguma forma, a mesma quando se trata de museus populares ou de exposições blockbuster, que atraem um grande número de pessoas, muitas das quais vêm pela primeira vez. Filas, muita gente à frente das obras, fotografias, conversas, barulho, um zumbido constante. Não propriamente o ambiente que alguns amantes de museus mais gostam. O que fazer? Para além de controlar as entradas através da venda antecipada online de bilhetes para períodos específicos de tempo, talvez informar também as pessoas sobre os períodos mais calmos, que permitem ter uma experiência diferente. Como no início da manhã ou, especialmente, ao final da tarde; durante os horários prolongados; em certos casos, à hora do almoço; no meio da semana; em dias bonitos em vez de em dias de chuva? Vários museus e guias turísticos fornecem este género de dicas.

Suponho que a verdadeira questão aqui é: haverá apenas uma forma, a forma de algumas pessoas, de usufruir de uma exposição, uma peça, um concerto? Haverá uma forma ‘correcta’ de o fazer? Pertencerá esta oferta apenas a um público específico? Estaremos realmente a afastar os nossos velhos amigos ao procurar fazer novos?

Gostaria de esclarecer aqui que não estou a sugerir a alteração da missão ou do produto de uma organização a fim de estabelecer novas relações. Um produto diferente significaria uma organização diferente, uma missão diferente e uma relação diferente, não aquela que nos preocupa. Isto significa que – para dar um exemplo recente – quando a Seattle Symphony Orchestra se orgulha de ocupar um lugar único no mundo da música sinfónica desde 1903, o seu concerto com Sir Mix-a-Lot, apesar de aparentemente ter sido muito divertido, não contribui propriamente para criar uma relação com novas pessoas pelo amor, compreensão e usufruto da música sinfónica. A orquestra está simplesmente a entrar num território diferente para trazer mais pessoas e pessoas diferentes (no entanto, devemos tomar em consideração o facto da senhora que mais parece ter gostado do concerto ter afirmado que está a pensar voltar e que tem o programa da orquestra – mas irá voltar para quê?) - leiam o artigo no New York Times.


A oferta cultural não é propriedade de alguns públicos, não pertence a um número restrito de pessoas. Pertence a todos aqueles que estão interessados e a todos aqueles que poderiam estar interessados, mas que não tiveram ainda a oportunidade de experimentar. Assim, acredito que as organizações culturais podem e devem servir mais que um género de público e com isso quero dizer que podem procurar formas diferentes de apresentar um produto específico. Às vezes, poderá não ser possível fazer isto em simultâneo, agradar a todos aos mesmo tempo; mas é possível fazê-lo separadamente, de forma que todos possam encontrar aquilo que procuram. Noutros casos, poderá ser possível juntar velhos e novos amigos, permitindo a cada parte descobrir, possivelmente, novos aspectos naquilo que pensavam que conheciam.


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