![]() |
The New Americans Museum. Painel vandalizado (imagem retirada da página de Facebook do museu) |
Não surpreendentemente, após as eleições, o Tenement Museum
em Nova Iorque, um museu que conta a história da migração urbana na América, viu
“um número sem precedentes" de comentários negativos sobre imigrantes vindos
de visitantes (ler aqui). Não se trata de um incidente isolado. Outros museus, como o Idaho Museum ofBlack History ou The New Americans Museum tiveram recentemente actos racistas de vandalismo
nas suas instalações.
Cuidado com os políticos que fazem emergir o pior em nós,
pode-se pensar. Mas pode-se também acrescentar, cuidado com os museus que não
conseguem ver a política no que fazem. Foi o que pensei ao ler o primeiro
parágrafo da resposta de Zach Aaron (membro do conselho de administração do
Tenement Museum) aos comentários negativos dos visitantes:
"Como membro do Conselho de Administração do Lower East
Side Tenement Museum, tenho orgulho na nossa história de 28 anos de celebrar a
vida e a cultura dos imigrantes - o que nos une como americanos, não o que nos
divide. Esta é uma missão apolítica; desde a criação do museu, nunca endossámos
um único candidato a um cargo público nem tomámos posição sobre legislação."
(leia o texto completo)
A migração e as políticas de migração são profundamente
políticas. Como um museu que conta esta história pode afirmar que a sua missão
é "apolítica"? Porque é que este museu, considerando o seu tema, opta
por não participar no debate público quando é discutida a legislação? E depois
de analisar os resultados eleitorais, faz sentido para qualquer museu manter o foco
“no que nos une como americanos" e não reconhecer e discutir as divisões
na sociedade americana e as suas razões?
Porque é que que os museus fazem o que fazem? Porque é que coleccionam
e preservam e estudam objectos? Na recente conferência do ICOM Europe, que teve
lugar em Lisboa e onde se discutiu o papel e a finalidade dos museus nacionais,
foi sublinhada a importância da partilha de conhecimento. Mas que tipo de
conhecimento partilhamos e como? Considerando os recentes acontecimentos políticos
na Grã-Bretanha, na França, na Holanda, na Polónia, na Hungria, na Áustria,
para citar alguns, como podemos avaliar a partilha de conhecimento pelos museus
nesses países (e em qualquer outro país)? Considerando as atrocidades que
ocorrem neste momento na Síria, no Iémen ou em Mianmar - atrocidades tantas
vezes antes vistas, que nos fizeram jurar repetidamente "nunca mais"
-, devemos concluir que os museus falharam na sua missão?
Não cabe apenas aos museus construir um mundo melhor, é
claro. Eles nunca vão fazer isso sozinhos, ainda assim, eles não podem
continuar fingindo que estão separados da sociedade (e da política) e que não
têm um papel a desempenhar. Penso, por isso, que há duas coisas que devem ser
discutidas mais profundamente no sector dos museus:
Em primeiro lugar, embora o papel político dos museus seja hoje
cada vez mais intensamente discutido, o mais amplo reconhecimento deste papel no
mundo dos museus parece ser mais urgente do que nunca. Os museus não podem
continuar a viver a ilusão de "neutralidade". Tornou-se mais que
óbvio, considerando os exemplos mencionados acima, que, mesmo quando desejem
permanecer no seu casulo e apresentar uma versão romantizada da história do
mundo (da humanidade), a realidade atinge-os e os arrasta-os para o palco. Ao
mesmo tempo, é preciso fazer um esforço para distinguir "político" de
"partidário" (um equívoco aparente na resposta do Tenement Museum, mas
que é generalizado, até entre os cientistas políticos - ler Political Science Call to Action), para que os museus possam traçar uma linha de acção coerente e responsável. Uma
linha que seja também suficientemente clara e consciente, para conseguir
resistir possíveis tentativas de aproveitamento partidário. Não é uma tarefa
fácil, de todo, mas é certamente uma tarefa necessária.
O outro ponto que penso que merece mais atenção é a dissidência
e o conflito. Faz sentido celebrar o que nos une, reconhecendo também a nossa
diversidade. Ainda assim, devemos também reconhecer que este não é um processo
pacífico e directo. Devemos reconhecer que envolver pessoas com pontos de vista
opostos num diálogo - especialmente num diálogo que ocorre num museu - não é a
tarefa mais fácil. A maioria das pessoas, ao sentir que as suas opiniões podem
ser desafiadas, não deseja participar na conversa. É natural e expectável.
Então, voltando à questão da partilha de conhecimento e do cumprimento da
missão, não deveríamos reflectir sobre o que os museus têm feito até agora e
como? Terão estado a partilhar histórias anódinas? Terão estado a conversar
apenas com os convertidos? Poderão levar a discussão mais longe e envolver
aqueles com pontos de vista diferentes? Isto será de alguma forma possível?
As perguntas estão-se a acumular. As leituras sugeridas a
seguir ajudam a aprofundar a nossa reflexão.
Mais
leituras:
Rebecca Herz, How do museums help to create a better world?
Chris Whitehead, É preciso pôr os museus a falar do presente e a explicar por que não se pode caçar Pokémons em Auschwitz
Sarah Swong and Jennifera Gersten, Notes towards a movement: Classical music in Trump’s America
Tiffany Jenkins, Politics are on exhibit at migration museums, not history
Liz Vogel, Facing ourselves is not easy
Liz Vogel, Facing ourselves is not easy
Mais neste blog:
Justin Bieber e o combate ao extremismo islâmico
No comments:
Post a Comment