Sunday 13 November 2016

Silêncios diplomáticos

A Primeira-Ministra da Escócia, Nicola Sturgeon.

À medida que a Web Summit chegava ao fim em Lisboa, um dia depois da divulgação dos resultados das eleições norte-americanas, a Câmara Municipal de Lisboa colocou alguns outdoors onde se lia: "No mundo livre ainda pode encontrar uma cidade para viver, investir e construir o seu futuro, construindo pontes, não muros. Chama-se Lisboa". Os outdoors foram classificados como "anti-Trump" pela oposição, que disse que preferia pensar “que se trata de uma interpretação abusiva e que a intenção de Medina [presidente da Câmara] não foi a de desrespeitar a escolha democrática do povo americano, que não foi uma demonstração de arrogância ideológica, que não foi uma precipitação oportunista em resultado do deslumbramento pela atenção internacional". Resumindo, a oposição pediu explicações (leia
artigo).

Imagem retirada do jornal Expresso.

A Câmara Municipal simplesmente respondeu que a intenção era captar investimento. E várias pessoas preferiram gozar com a gralha nos outdoors (“brigdes” em vez de “bridges”). No entanto, a primeira-ministra escocesa, Nicola Sturgeon, deu um outro tipo de resposta - destinada aos seus colegas no parlamento escocês, que a criticaram por tornar as suas preferências em relação aos candidatos à presidência americana públicas, mas igualmente útil para muitos outros políticos e cidadãos no mundo:

"Durante a campanha, achei que muitos dos comentários do presidente-eleito Trump eram profundamente abomináveis. E eu nunca quero ser, não estou preparada para ser um político que mantenha um silêncio diplomático diante de atitudes de racismo, sexismo, misoginia ou intolerância de qualquer tipo." (veja o vídeo)

Pareceu-me estranho que políticos profissionais sejam criticados pelos seus colegas por tomarem posição em relação ao que acreditam e defendem em nome daqueles que neles votaram (mesmo que a Câmara Municipal de Lisboa não tenha admitido ter tomado posição...). Não é este o seu trabalho? Não é isso que devemos esperar deles? E se é isto o que acontece com os políticos, o que é que se pode esperar das organizações culturais, "tradicionalmente neutras e diplomáticamente silenciosas"?

Eu espero muito. Ainda espero muito. A questão "O que é que temos a ver com isso?" (ver sugestões de leitura no final) faz sempre parte da minha reflexão e análise. Porque o chamado "silêncio diplomático" é tão político e ensurdecedor como um forte grito.



Se olharmos para os EUA, alguns museus responderam rapidamente. O Brooklyn Museum convidou as pessoas a visitarem este fim-de-semana gratuitamente, à medida que procuram "um sentido de unidade nacional". Lê-se ainda no comunicado: "Esperamos que os visitantes venham explorar o museu como um grande e oportuno recurso de aprendizagem, especialmente as nossas recém-instaladas galerias de arte americana, que apresentam uma visão inclusiva da história e reconhecem a demografia mutante do nosso país, tão rico em diversidade" (leia o artigo). O National Museum of Women in the Arts em Washington também teve entrada livre este fim-de-semana e afirmou no Facebook: "O National Museum of Women in the Arts será livre para o público todo o fim-de-semana. Esperamos que os visitantes venham explorar a colecção da NMWA e as exposições especiais e participar nas discussões sobre o contributo das mulheres. Por favor, juntem-se a nós para o fim-de-semana da comunidade, continuamos empenhados em apoiar as mulheres nas artes, agora com um compromisso renovado." Simples, claro, discreto, e ainda assertivo e político.



Deste lado do Atlântico, em meados de Setembro, éramos informados que o National Theatre no Reino Unido tinha "embarcado num grande projeto para contar a história da Grã-Bretanha moderna após a votação para deixar a União Européia". "Não acredito que 17,5 milhões de pessoas sejam racistas ou idiotas. Categoricamente não acredito. Acho que temos que as ouvir", dizia o director do NT, Rufus Norris (algo que também devemos fazer em relação aos eleitores de Donald Trump). "Temos que tentar fazer o pouco que pudermos para abordar a questão do absoluto voto de não-confiança no nosso sistema ", acrescentava. O teatro está a realizar entrevistas sobre a vida no Reino Unido em mais de uma dúzia de cidades e vilas e essas histórias formarão uma base para futuros espectáculos. Simples, claro, definitivamente político (leia o artigo).

Fotografia retirada da página de Facebook do Museu Bizantino.

Noutras partes do mundo, as organizações culturais ainda estão a seguir o traiçoeiro caminho da “neutralidade”, permanecendo em silêncio. No início deste mês, a exposição "The State Museum of Hermitage: Gateway to History" foi inaugurada no Museu Bizantino de Atenas. No dia 4 de Novembro, o museu partilhou com orgulho no Facebook um álbum de fotos da visita oficial dos Ministros dos Negócios Estrangeiros da Grécia e da Rússia. Sorrisos calorosos e apertos de mão, "chá e simpatia". Noventa “likes” e 4 “shares” mais tarde, questionei o museu: " O governo do Sr. Lavrov está a bombardear civis na Síria (incluindo as crianças que vemos na TV e que deixam os nossos corações despedaçados), apoiando um ditador. Eles também invadiram um país vizinho e estão a ocupar parte dele. Porque é que o governo grego e o Museu Bizantino deram a oportunidade ao Ministro dos Negócios Estrangeiros russo e ao seu governo de aparecerem... civilizados?". A minha pergunta ficou sem resposta. É parcialmente compreensível. Os museus não estão habituados a ser questionados e a tomar posição sobre tais questões - eles são "neutros"... O facto é, no entanto, que o museu voltou a partilhar orgulhosamente o mesmo álbum de fotos alguns dias depois. O meu comentário não teve nenhum efeito, aparentemente. "Silêncio diplomático", como habitualmente...

Voltando ao discurso de Nicola Sturgeon no Parlamento Escocês, ela disse: "Há mais uma obrigação para nós agora do que talvez tenha havido antes na nossa geração e este é o momento para todos nós, não importa quão difícil, não importa quão controverso ou impopular possa ser em certos meios, sermos os faróis de esperança para esses valores [de tolerância e respeito pela diversidade e diferença]." Este é o momento para todos nós, sejamos políticos ou directores de museus e teatros ou profissionais da cultura. Este é o momento.


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