A notícia da demissão de Warren Kanders do Conselho Directivo
do Whitney Museum deixou-me muito satisfeita. Depois de
meses de protestos, o proprietário da Safariland (uma empresa que fabrica
“produtos para a aplicação da lei" - noutras palavras, armas, incluindo o gás
lacrimogéneo usado contra os imigrantes na fronteira dos EUA) foi forçado a
sair, já que muitas pessoas sentiam que ganhar dinheiro com a produção de armas
e depois investi-lo filantropicamente na cultura e nas artes é, no mínimo, um
oxímoro.
Partilhei a minha satisfação no Twitter. Michael Rushton,
professor de Arts Economics and Policy,
comentou que "ter como alvo um único indivíduo nesse sistema, deixando o
resto intacto, é adjacente ao que realmente está em jogo". Sou mais optimista.
Quanto maior a escala das coisas, mais as pessoas se sentem desesperadas e
impotentes para fazer algo. É preciso começar por algum lado e, pessoalmente, valorizo
muito esses gestos "pequenos", que não vejo como
"adjacentes" ao que realmente está em jogo e que não deixam o sistema
intacto.
Na minha opinião, este caso no Whitney Museum faz parte de
um questionamento público muito maior em relação ao financiamento dos museus.
Vários museus nos EUA e no Reino Unido (incluindo o Guggenheim, o Metropolitan,a Tate, a National Portrait Gallery e a Serprentine Gallery)
anunciaram que não iriam aceitar mais dinheiro da família Sackler, cuja empresa
Purdue Pharma - e o seu produto OxyContin - é considerada responsável pela
epidemia de opioides nos EUA.
Questões de dinheiro e questões morais colocaram vários
museus na mira dos activistas. Ahdaf Soueif apresentou recentemente a sua demissão
como membro do Conselho Consultivo do Museu Britânico alegando que “foi uma resposta cumulativa à imobilidade
do museu no que diz respeito a questões que são críticas para as pessoas que
deveriam estar no seu seu centro: os jovens e os desfavorecidos”, nomeadamente
questões como o patrocínio da BP e a devolução de objectos aos países de origem
(ela explica pessoalmente as suas razões aqui e foi apoiada por muitos funcionários do British Museum e pelo seu sindicato).
Do outro lado do Atlântico, o American Museum of Natural History também estava
sob pressão, primeiro por cientistas e curadores por ter uma negadora da mudança climática como membro de seu conselho directivo e
depois pelo aluguer do seu espaço para um evento de homenagem ao presidente
brasileiro Jair Bolsonaro (o museu mais tarde cancelou o aluguer).
Num artigo recente,
Michelle Wright (fundadora de Cause4, que trabalha com vários Conselhos Directivos
no desenvolvimento de políticas éticas de captação de recursos) lembra-nos que
“O patrocínio tem uma longa tradição nas artes e na cultura. Muitas obras nos
museus de hoje foram encomendadas, doadas e/ou pagas pelos ricos e poderosos. A
encomenda de obras de arte, edifícios e eventos traz respeito e imortalidade -
mais o benefício adicional de algum tipo de 'compensação cultural' por alguns
dos aspectos menos 'socialmente enriquecedores' como os doadores chegaram a
esta posição favorecida em primeiro lugar. Da forma como o patrocínio passa dos
reis, dos papas e dos proprietários de terras, e depois, para os industriais
vitorianos e as corporações multinacionais, a relação entre instituição e
doador muda e os museus em 2019 têm que pensar com muito cuidado os custos do
estabelecimento deste tipo de relações.” Wright diz também que "O ponto
principal é que os conselhos directivos precisam decidir se a adesão a uma
parceria de financiamento promoverá o trabalho de sua instituição, mas também
se esta associação estará genuinamente alinhada com os seus valores centrais.”
Não visitei a exposição "Roads of Arabia: ArchaeologicalTreasures from Saudi Arabia" no Museu Benaki, na Grécia,
mas o subtítulo fez-me ir ver quem eram os patrocinadores. Entre eles, a
Comissão Saudita de Turismo e Património Nacional. Senti-me chocada, adoro o
Museu Benaki... Este conhecimento veio num momento em que o mundo era informado
sobre mais uma brutalidade do regime saudita, a
decapitação de 37 pessoas (entre elas um rapaz nos seus 20 anos que foi preso
aos 17).
Escrevi ao director do museu, perguntando se eles tinham levado em consideração
o histórico do seu financiador no que diz respeito aos direitos humanos e o que
o museu considerou positivo nessa colaboração, que serviu muito para o regime
saudita fazer relações públicas. Um mês depois, não tendo recebido resposta,
insisti. O director do museu respondeu. Depois de pedir desculpas pela resposta
tardia, agradeceu-me por ter partilhado com ele a minha opinião sobre a justiça
na Arábia Saudita. Mudando depois de parágrafo (e, aparentemente, de assunto) informou-me
que:
- A missão dos museus é apresentar as diversas expressões das culturas do mundo, promovendo a compreensão mútua. O Museu Benaki foi nisso assistido pela Comissão Saudita de Turismo e Património Nacional, que realiza um trabalho importante na educação do público saudita e na promoção da arqueologia do país fora de suas fronteiras. Mencionou também o patrocínio da Aramco, o principal pilar do desenvolvimento económico e social na Arábia Saudita (que, estranhamente, não é mencionada entre os patrocinadores e que forma uma ilha dentro da Arábia Saudita - vale a pena ler “Daring to Drive” de Manal al-Sharif) .
- O director do museu também observou que a exposição aprimorou a educação cultural dos sauditas por meio de uma leitura especial do material arqueológico, com ênfase na tradição helenística.
- Concluiu dizendo que, juntamente com os seus colegas, estava convencido de que a exposição e o seu catálogo (!) tinham conseguido “ampliar o conhecimento sobre a Arábia Saudita na Grécia e abrir um novo canal de comunicação entre os dois países, que mantêm excelentes relações diplomáticas há décadas”.
Que tipo de conhecimento foi "partilhado"? Que
tipo de "compreensão"? Porque é que o Museu Benaki aceitou dinheiro
de um regime bárbaro? Qual a posição do Museu Benaki (uma organização que
promove a “cultura”) em relação aos direitos humanos e, especificamente, as acções
do regime saudita? E como não vê a ligação entre Cultura e Justiça?
Escrevi para o museu, duas vezes. O que é que consegui?
Provavelmente muito pouco. Terei conseguido induzir alguma dúvida no pensamento
do director do museu em relação às suas decisões e a sua justificação pública?
Isso seria algo. Terei plantado uma pequena questão no pensamento de um dos
funcionários do Museu Benaki que acompanhou a troca de emails? Isso seria algo.
Terei introduzido um pequeno ponto a incluir na discussão com os meus colegas
gregos? Isso seria algo também. Todas coissa pequenas, todas adjacentes ao que
realmente está em jogo. Mas ainda assim, a minha pequena contribuição.
Um amigo disse-me recentemente que quando o poeta grego
Odysseas Elytis perguntou ao compositor grego Manos Hadjidakis "Porque é que fizemos tudo isso,
Manos?", Hadjidakis respondeu: "Fizemo-lo por nós, Odysseas, por nós
e pelos nossos amigos."
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