Ainda sobre as entradas gratuitas e passando para a área das artes performativas, a situação torna-se um pouco mais complexa. Lembro que, de acordo com o artigo de Alexandra Prado Coelho no jornal Público (ler aqui), baseado em estatísticas disponibilizadas pelo OAC e o GPEARI – documento disponível no site em Planeamento / Estudos) as entradas pagas nos dois teatros nacionais (D. Maria II e São João) eram em 2008 ligeiramente superiores às entradas gratuitas, enquanto 66% dos espectadores da Companhia Nacional de Bailado assistiram a espectáculos sem pagar bilhete.
No caso dos teatros e das salas de espectáculos em geral, é importante distinguir entre entradas gratuitas (convites) e entradas livres(eventos/actividades/espectáculos para os quais não se paga bilhete). O TNDMII não forneceu dados para se poder fazer esta distinção. No entanto, no caso do TNSJ, entre os 49% dos espectadores que tinham assistido a espectáculos sem pagar bilhete, 85% tinha usufruído de um convite. Passando para a Companhia Nacional de Bailado, entre os espectadores que tinham assistido em 2008 sem pagar, 62% tinha convite para eventos com entrada paga.
Importa aqui esclarecer quem são as pessoas que têm acesso aos convites. Na grande maioria dos casos, não se trata de pessoas desfavorecidas ou de novos públicos; a oferta de convites não faz parte de uma política de marketing que lhes é dirigida. Quem tem acesso às entradas gratuitas são maioritariamente os convidados das estreias, as tutelas, os profissionais do espectáculo e uma vasta gama de colaboradores, amigos e conhecidos dos mesmos. Considerando os convites para a estreia um meio de promoção do espectáculo - através daquele que é o melhor e mais fidedigno meio de promoção, o passar a palavra -, importa reflectir sobre os convites disponibilizados para as restantes sessões de um espectáculo de carreira longa e também, e sobretudo, para espectáculos de carreira curta ou de apenas um dia. Não sendo, nestes casos, o objectivo a promoção, qual a razão de dar convites? É uma questão de hábito, o hábito das borlas. Porque pagar se, através de amigos e conhecidos, podemos arranjar bilhetes de borla? É ainda a preocupação de ter salas cheias ou compostas, um certo medo ou desconforto em admitir que um espectáculo não vende. É ainda, em alguns casos, mas que não são a maioria, a preocupação em facilitar o acesso a pessoas que não tenham meios financeiros que lhes permitam comprar bilhete.
O que acontece é que, para cada convite disponibilizado, a instituição que o concede é obrigada a pagar o IVA correspondente. São milhares de euros pagos em IVA para certas pessoas assistirem a espectáculos já subsidiados, muitos deles, pelo Estado. Ou seja, produz-se e ainda por cima paga-se para as pessoas assistirem. Pessoas essas que, na sua grande maioria, podem comprar bilhete. Faz sentido? Qual o propósito da continuação desta prática? Que objectivo ou estratégia serve? O dinheiro do IVA dos convites não poderia ser investido doutra forma? Ninguém questiona a perda de receita?
Portanto, ao contrário do que se passa nos museus, as entradas gratuitas nos teatros e salas de espectáculos não estão normalmente relacionadas à preocupação de formar novos públicos. Mas as políticas de preços em geral, sim. Na área das artes performativas debate-se frequentemente sobre a necessidade de disponibilizar bilhetes baratos para o público vir. Na maioria das instituições existem os descontos habituais (jovens, seniores, estudantes, etc.) A Culturgest foi a primeira a introduzir o bilhete de €5 para menores de 30 anos e o seu exemplo foi seguido por várias outras entidades. Não tenho conhecimento da existência de estudos de público com o objectivo de entender melhor a eficácia desta medida. No entanto, estaria muito interessada em saber se os jovens criaram o hábito de ver espectáculos graças aos bilhetes a €5; se vêem mais espectáculos do que seria de esperar porque o bilhete é barato e se veriam menos se fosse mais caro (digamos €10); em que outras actividades e eventos esses mesmos jovens investem o seu tempo e dinheiro e quanto pagam por eles; e se a medida contribuiu para o alargamento dos públicos.
Com base naquela que tem sido a minha experiência nesta área, diria que, mais uma vez, o bilhete mais barato só por si não cria novos públicos. Facilita o acesso a quem frequenta com alguma regularidade, mas não é incentivo suficiente para trazer novas pessoas aos teatros e salas de espectáculos. Tal como acontece nos museus, a formação de novos públicos é o resultado de uma direcção artística que programa assumindo este mesmo objectivo, da acção do serviço educativo e de uma estratégia de marketing que produzirá o ‘embrulho’ certo para esta oferta. As pessoas estão dispostas a pagar para assistir a espectáculos que consideram que não podem perder. Mesmo nesta altura de crise, as salas esgotadas não têm sido um fenómeno raro.
Portanto, e para concluir, diria que, por um lado, é preciso conhecer bem o mercado em que estamos a actuar e saber estabelecer o preço certo para cada produto. E o preço certo é aquilo que o público está disposto a pagar. Por outro lado, é necessário questionarmos a eficácia da gratuitidade como meio para a formação de novos públicos. Estudos de público e observações empíricas apontam para um caminho muito diferente para se atingir este fim.
Agradeço especialmente a CF e RC os seus comentários prévios sobre este texto.
1 comment:
É verdade que no teatro há muito a mania da "borla" , de esperar pelo convite do amigo que é actor, quando nem sequer é uma actividade muito cara. Concordo que a gratuitidade pode, nalguns casos, como é o do espectáculo (musica, teatro e dança) ser um meio de formaçao de "novos públicos", se bem que também temos que perceber/definir quem estes são (ou serão). Um estudante do conservatório normalmente não tem $ para assistir aos concertos da Gulbenkian, e por isso é que não os vemos lá, nem um! Aliás o público de música clássica da Gulbenkian está tristemente envelhecido e emproado, deve ser único na Europa... Quanto aos museus, não tenho qualquer dúvida (empiricamente ou tvz fenomenológicamente falando) que a entrada livre trás novos públicos, de todas as cores, idades e feitios, porque o museu é dificil, porque o museu ainda mete medo porque "se no museu se paga prefiro ir a outro lado". Imagino que se se pagasse no CCB a exposiç\ao da Joana Vasconcelos tinha tido metade dos visitantes memso sendo tão mediática.Obrigada pelo texto. O blog é interessante.
M.S.
Post a Comment