“Imagine que ouviu falar de uma festa que tem lugar todas as semanas, mas não foi convidado. A julgar pelo alarido na cidade, esta festa é o evento mais in, por isso, mesmo que não tenha recebido um convite formal, decide ir. Quando chega, apesar de ser muito emocionante, sente-se estranho, embaraçado. Pergunta-se se os anfitriões falam entre eles sobre o porque é que você está lá. Pergunta-se se os outros hóspedes sabem que não foi convidado. Ninguém fala consigo ou reconhece a sua presença. Finalmente, recebe o recado. Vai-se embora. Decide que nunca mais voltará. Aos poucos perde o interesse e finalmente nem sequer se lembra que a festa tem lugar todas as semanas.”
Esta é uma das minhas passagens favoritas no livro de Donna Walker-Kuhne Invitation to the Party. A autora tem larga experiência em projectos de desenvolvimento de públicos e descreve aqui muito eloquentemente a forma como as pessoas que não estão habituadas a frequentar museus, teatros, etc., se devem sentir no meio dos ‘entendidos’ e daqueles ‘anfitriões’ que não assumem como sua função convidar pessoas novas à ‘festa’ e fazê-las sentirem-se bem-vindas.
A propósito do ‘convite’, lembrei-me de duas acções muito distintas, levadas a cabo por entidades diferentes, com objectivos diferentes e com meios diferentes. A primeira, foi a campanha da Royal Opera House em 2008, que através do jornal populista The Sun ofereceu bilhetes a preços muito baixos (atenção, não eram convites…) para a estreia do primeiro espectáculo da temporada, Don Giovanni. A campanha do The Sun foi muito grande, a cobertura editorial, com fotografias e títulos muito sugestivos, também (ler aqui). A procura foi enorme e entre as pessoas que assistiram muitas iam à ópera e à Royal Opera House pela primeira vez. Charlotte Higgins, jornalista de cultura do jornal Guardian, falou com os responsáveis e também com o público que assistiu à estreia (ler artigo aqui). Primeiro indicador do impacto da experiência? O facto de não ter havido um êxodo durante o intervalo… Segundo indicador? As impressões dos espectadores à saída. “O cabelo da minha nuca ficou de pé”, dizia uma senhora de 50 anos. “Queria ver como era. Agora fiquei apanhado”, dizia um jovem de 25. Alguns dos bilhetes do The Sun, que tinham custado entre 7,50 e 30 libras, tinham sido aproveitados por pessoas que costumavam ir à ópera, mas que quiseram ‘iniciar’ amigos que nunca tinham ido. Falta saber quantas dessas pessoas quiseram voltar. E também quantas conseguiram voltar. Porque os preços habitualmente praticados são proibitivos para um grande número de pessoas. Campanhas como esta, que conseguem cativar a atenção e despertar a curiosidade do público, devem igualmente pensar na forma de dar continuidade à iniciativa e fidelizar os novos públicos.
A segunda acção da qual me lembrei é bastante diferente, mais discreta, mas, à sua escala, igualmente eficiente. É levada a cabo pelo Museu Vale, um museu de arte contemporânea na cidade brasileira de Vitória. O Projecto Aprendiz, no âmbito do programa Arte Educação, envolve jovens desfavorecidos das comunidades vizinhas ao museu na montagem das exposições temporárias, proporcionando-lhes formação profissional nas áreas da carpintaria, iluminação, pintura, etc.; permitindo um contacto directo com os artistas; e despertando também alguma curiosidade e gosto pela arte ali exposta. Cria-se assim uma ligação com a comunidade local em geral e com estes jovens em particular, um sentimento de pertença por parte das pessoas envolvidas e das suas famílias e amigos e, muito provavelmente, com alguns deles, uma relação duradoura.
Estava a preparar este texto quando li na Revista L+Arte deste mês a entrevista com João Carlos Brigola, Director do IMC, que dizia: “…A missão fulcral do museu é ser um repositório de memórias e trabalhar o seu património, mas esta identidade está a ser preterida por funções de maior visibilidade comunicacional, onde o que conta é o número de visitantes, o alarido público…”. Senti mais uma vez que quando somos confrontados com as questões de visibilidade e aumento do número de visitantes, sentimos que devemos defender “a missão fulcral do museu”. São cinco as funções que um museu deve desempenhar para cumprir a sua missão e nenhuma devia ser considerada mais fulcral que as outras. São mutuamente exclusivas as funções relacionadas com a colecção e as relacionadas com o público? Porque é que nos sentimos na obrigação de defender uma em detrimento da outra? Porque é que sentimos que devemos optar por uma ou pela outra? Porque é que parecemos ficar incomodados quando são consideradas ou nos são sugeridas acções mediáticas (adjectivo que parece que consideramos sinónimo de populista e de baixa qualidade)?
João Carlos Brigola lembra ainda, no mesmo parágrafo, que no Plano Estratégico não existe nenhum objectivo que tenha a ver com o número de visitantes. Porque será? Para justificar essa opção? Aumentar o número de visitantes, diversificar o perfil dos mesmos deve ser um objectivo permanente de todos os museus. Tal como os museus não existem sem colecções, também não existem sem visitantes. Aliás, os museus existem para as pessoas (ver discussão sobre a missão no meu segundo post aqui). Nesse sentido, o número de visitantes é um indicador de desempenho, não podemos ignorá-lo. Não pode é ser o único. Nem pode ser apresentado sem uma análise daquilo que realmente representa, sobretudo no que diz respeito ao perfil dos visitantes.
Colocar esta questão em segundo lugar significa para mim que estamos satisfeitos com o que já temos. Que estamos contentes, como se diz às vezes, por ter “poucos [visitantes] mas bons”, o que Richard Sandell chama, no seu livro Museums, Society, Inequality, “the good enough visitor”. Será uma pena se, mais uma vez, os ‘convites para a festa’ não forem uma prioridade.
Esta é uma das minhas passagens favoritas no livro de Donna Walker-Kuhne Invitation to the Party. A autora tem larga experiência em projectos de desenvolvimento de públicos e descreve aqui muito eloquentemente a forma como as pessoas que não estão habituadas a frequentar museus, teatros, etc., se devem sentir no meio dos ‘entendidos’ e daqueles ‘anfitriões’ que não assumem como sua função convidar pessoas novas à ‘festa’ e fazê-las sentirem-se bem-vindas.
A propósito do ‘convite’, lembrei-me de duas acções muito distintas, levadas a cabo por entidades diferentes, com objectivos diferentes e com meios diferentes. A primeira, foi a campanha da Royal Opera House em 2008, que através do jornal populista The Sun ofereceu bilhetes a preços muito baixos (atenção, não eram convites…) para a estreia do primeiro espectáculo da temporada, Don Giovanni. A campanha do The Sun foi muito grande, a cobertura editorial, com fotografias e títulos muito sugestivos, também (ler aqui). A procura foi enorme e entre as pessoas que assistiram muitas iam à ópera e à Royal Opera House pela primeira vez. Charlotte Higgins, jornalista de cultura do jornal Guardian, falou com os responsáveis e também com o público que assistiu à estreia (ler artigo aqui). Primeiro indicador do impacto da experiência? O facto de não ter havido um êxodo durante o intervalo… Segundo indicador? As impressões dos espectadores à saída. “O cabelo da minha nuca ficou de pé”, dizia uma senhora de 50 anos. “Queria ver como era. Agora fiquei apanhado”, dizia um jovem de 25. Alguns dos bilhetes do The Sun, que tinham custado entre 7,50 e 30 libras, tinham sido aproveitados por pessoas que costumavam ir à ópera, mas que quiseram ‘iniciar’ amigos que nunca tinham ido. Falta saber quantas dessas pessoas quiseram voltar. E também quantas conseguiram voltar. Porque os preços habitualmente praticados são proibitivos para um grande número de pessoas. Campanhas como esta, que conseguem cativar a atenção e despertar a curiosidade do público, devem igualmente pensar na forma de dar continuidade à iniciativa e fidelizar os novos públicos.
A segunda acção da qual me lembrei é bastante diferente, mais discreta, mas, à sua escala, igualmente eficiente. É levada a cabo pelo Museu Vale, um museu de arte contemporânea na cidade brasileira de Vitória. O Projecto Aprendiz, no âmbito do programa Arte Educação, envolve jovens desfavorecidos das comunidades vizinhas ao museu na montagem das exposições temporárias, proporcionando-lhes formação profissional nas áreas da carpintaria, iluminação, pintura, etc.; permitindo um contacto directo com os artistas; e despertando também alguma curiosidade e gosto pela arte ali exposta. Cria-se assim uma ligação com a comunidade local em geral e com estes jovens em particular, um sentimento de pertença por parte das pessoas envolvidas e das suas famílias e amigos e, muito provavelmente, com alguns deles, uma relação duradoura.
Estava a preparar este texto quando li na Revista L+Arte deste mês a entrevista com João Carlos Brigola, Director do IMC, que dizia: “…A missão fulcral do museu é ser um repositório de memórias e trabalhar o seu património, mas esta identidade está a ser preterida por funções de maior visibilidade comunicacional, onde o que conta é o número de visitantes, o alarido público…”. Senti mais uma vez que quando somos confrontados com as questões de visibilidade e aumento do número de visitantes, sentimos que devemos defender “a missão fulcral do museu”. São cinco as funções que um museu deve desempenhar para cumprir a sua missão e nenhuma devia ser considerada mais fulcral que as outras. São mutuamente exclusivas as funções relacionadas com a colecção e as relacionadas com o público? Porque é que nos sentimos na obrigação de defender uma em detrimento da outra? Porque é que sentimos que devemos optar por uma ou pela outra? Porque é que parecemos ficar incomodados quando são consideradas ou nos são sugeridas acções mediáticas (adjectivo que parece que consideramos sinónimo de populista e de baixa qualidade)?
João Carlos Brigola lembra ainda, no mesmo parágrafo, que no Plano Estratégico não existe nenhum objectivo que tenha a ver com o número de visitantes. Porque será? Para justificar essa opção? Aumentar o número de visitantes, diversificar o perfil dos mesmos deve ser um objectivo permanente de todos os museus. Tal como os museus não existem sem colecções, também não existem sem visitantes. Aliás, os museus existem para as pessoas (ver discussão sobre a missão no meu segundo post aqui). Nesse sentido, o número de visitantes é um indicador de desempenho, não podemos ignorá-lo. Não pode é ser o único. Nem pode ser apresentado sem uma análise daquilo que realmente representa, sobretudo no que diz respeito ao perfil dos visitantes.
Colocar esta questão em segundo lugar significa para mim que estamos satisfeitos com o que já temos. Que estamos contentes, como se diz às vezes, por ter “poucos [visitantes] mas bons”, o que Richard Sandell chama, no seu livro Museums, Society, Inequality, “the good enough visitor”. Será uma pena se, mais uma vez, os ‘convites para a festa’ não forem uma prioridade.
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