O sentimento predominante após ter assistido, no passado dia 14, ao seminário de Michael Kaiser sobre gestão cultural não foi de espanto ou de entusiasmo ou de surpresa ou de excitação. Foi um sentimento de prazer. O simples, puro prazer de poder ouvir alguém que 1) sabe de que é que está a falar; e 2) tem posto os seus conhecimentos e ideias em prática.
Michael Kaiser falou das dificuldades em trabalhar no sector cultural, de planeamento artístico, de marketing programático e institucional e de fundraising. Tinha já lido o seu livro, The Art of the Turnaround, no qual descreve as suas experiências como gestor de várias organizações culturais nos EUA e no Reino Unido, e foi particularmente interessante ver como conseguiu introduzir toda esta experiência no seminário, respondendo a quase todas as perguntas que lhe foram colocadas com um exemplo concreto.
Como tinha dito num post anterior, estava particularmente interessada na sua relação com os artistas. Michael Kaiser é um gestor cultural que valoriza claramente o marketing e o fundraising. Estava, por isso, curiosa em saber se os artistas o tinham apoiado nos seus esforços para tornar certas organizações culturais em instituições financeiramente saudáveis. E sim, a sua resposta apanhou-me de surpresa. Não começou por falar do quanto é difícil conseguir que os artistas colaborem ou compreendam ou valorizem o trabalho dos profissionais de marketing e de fundraising (mas em algum momento, algures, deverá ter tido este sentimento também…). Ele disse: se um artista acha que o marketing e o fundraising não têm valor, isto é porque nós não nutrimos a relação com ele, não fomos capazes de o convencer que pode confiar em nós, que estamos do lado dele.
Confesso que esta não tem sido a minha principal preocupação. A minha principal preocupação tem sido levar a arte ao público, mantê-lo informado, tentar identificar as barreiras físicas, financeiras ou intelectuais e procurar melhorar o acesso. Como podemos fazê-lo quando um artista não está disponível para falar do seu trabalho? Quando acha que não tem que explicar nada? Quando os conceitos não podem ser ‘traduzidos’ em palavras simples, comuns ou os cartazes criados não como uma extensão do espectáculo, mas sim como um instrumento útil para a sua promoção? Quando a disponibilidade para falar com os media diminui à medida que a pressão antes da estreia aumenta? Quando o marketing e a comunicação são vistos como um acessório, mas o principal responsável quando um espectáculo não vende? Não se trata, obviamente, de situações que ocorrem com grande frequência, nem dizem respeito a todos os artistas, mas trata-se de situações reais e recorrentes.
Mas, apesar de tudo isto, gostei da resposta de Michael Kaiser. Porque lembrou-me que há ainda muita gente por ‘conquistar’, que não devo tomar a relação com os artistas por certa. Mas sobretudo porque é consistente com a sua filosofia. Que diz que o nosso principal produto é a arte de excelência e que devemos saber promovê-la bem. “A missão das organizações culturais é a arte e a educação, não a saúde financeira. Devemos providenciar aos artistas aquilo que precisam e para o fazermos precisamos de angariar fundos. E devemos fazê-lo sem nunca comprometer a arte. Os meus artistas sabem que faço tudo o que posso para lhes garantir aquilo que precisam. E se precisasse de cortar num orçamento, a última área onde iria cortar seria a arte.” Considerando a tensão que normalmente existe na relação entre artistas e gestores – uma relação que Michael Kaiser descreve como essa de uma criança que diz “quero…quero…quero…” e de um pai que responde “não temos dinheiro… não temos dinheiro… não temos dinheiro...” -, parece-me que esta é uma excelente abordagem quando se procura definir o papel e as expectativas de cada um.
Ao falar de marketing programático e institucional, Michael Kaiser concentrou-se sobretudo no último, apesar da maioria das instituições investir (bem ou mal) no primeiro. As organizações com sucesso têm uma missão clara, sabem quem são, porque é que existem, onde querem chegar, o que é que as torna únicas no mercado. A vida é mais fácil para as instituições que são conhecidas, que têm um plano para estarem na cabeça, e no coração, das pessoas a todo o momento. O marketing institucional é um pré-requisito crucial para se fazer fundraising. E no que respeita à relação com potenciais patrocinadores (estou aqui a traduzir a palavra ‘donors’, que é mais do que ‘sponsors/patrocinadores’), Michael Kaiser partilhou connosco as suas 10 regras:
1. O mais importante em fundraising é saber ouvir;
2. Devemos ter um ‘menu’ de projectos a propor, para podermos encontrar aquele que melhor corresponde aos interesses e necessidades de potenciais patrocinadores;
3. Devemos admiti-lo quando não temos a propor nada de interesse para o patrocinador. Isto garante que vamos ser melhor ouvidos da próxima vez;
4. Os patrocinadores reagem a informação positiva e não a ameaças de falência;
5. Devemos encontrar o interlocutor certo para cada patrocinador;
6. Devemos implementar o marketing institucional antes de começarmos com o fundraising;
7. Devemos cultivar a relação com o patrocinador antes de pedirmos algo;
8. Não devemos perder tempo em escrever cartas impessoais. Devemos procurar conhecer as pessoas;
9. Devemos fazer pesquisa prévia, para conhecermos melhor as necessidades e os interesses de potenciais patrocinadores;
10. Nos EUA o fundraising é chamado development (desenvolvimento). Trata-se de desenvolver uma relação.
A relação artista-gestor, o papel fundamental do marketing na vida de uma instituição cultural, a distinção entre marketing programático e institucional, a forma de nutrir relações com potenciais patrocinadores… Michael Kaiser falou de questões que não são amplamente discutidas em Portugal. Talvez seja por isso que a audiência não retorquiu mesmo quando ele falou de assuntos que poderiam ser um pouco controversos ou impraticáveis em Portugal. Mas é altura de começarmos a debatê-los a todos os níveis. A arte e o marketing não são duas áreas incompatíveis, incapazes de falar a mesma língua, de partilhar objectivos.
Podemos pôr as suas recomendações em prática? Talvez, se considerarmos uma escala diferente. Ou talvez não. Mas que importa. Sonhemos um pouco. Tal como ele sonha.
Michael Kaiser falou das dificuldades em trabalhar no sector cultural, de planeamento artístico, de marketing programático e institucional e de fundraising. Tinha já lido o seu livro, The Art of the Turnaround, no qual descreve as suas experiências como gestor de várias organizações culturais nos EUA e no Reino Unido, e foi particularmente interessante ver como conseguiu introduzir toda esta experiência no seminário, respondendo a quase todas as perguntas que lhe foram colocadas com um exemplo concreto.
Como tinha dito num post anterior, estava particularmente interessada na sua relação com os artistas. Michael Kaiser é um gestor cultural que valoriza claramente o marketing e o fundraising. Estava, por isso, curiosa em saber se os artistas o tinham apoiado nos seus esforços para tornar certas organizações culturais em instituições financeiramente saudáveis. E sim, a sua resposta apanhou-me de surpresa. Não começou por falar do quanto é difícil conseguir que os artistas colaborem ou compreendam ou valorizem o trabalho dos profissionais de marketing e de fundraising (mas em algum momento, algures, deverá ter tido este sentimento também…). Ele disse: se um artista acha que o marketing e o fundraising não têm valor, isto é porque nós não nutrimos a relação com ele, não fomos capazes de o convencer que pode confiar em nós, que estamos do lado dele.
Confesso que esta não tem sido a minha principal preocupação. A minha principal preocupação tem sido levar a arte ao público, mantê-lo informado, tentar identificar as barreiras físicas, financeiras ou intelectuais e procurar melhorar o acesso. Como podemos fazê-lo quando um artista não está disponível para falar do seu trabalho? Quando acha que não tem que explicar nada? Quando os conceitos não podem ser ‘traduzidos’ em palavras simples, comuns ou os cartazes criados não como uma extensão do espectáculo, mas sim como um instrumento útil para a sua promoção? Quando a disponibilidade para falar com os media diminui à medida que a pressão antes da estreia aumenta? Quando o marketing e a comunicação são vistos como um acessório, mas o principal responsável quando um espectáculo não vende? Não se trata, obviamente, de situações que ocorrem com grande frequência, nem dizem respeito a todos os artistas, mas trata-se de situações reais e recorrentes.
Mas, apesar de tudo isto, gostei da resposta de Michael Kaiser. Porque lembrou-me que há ainda muita gente por ‘conquistar’, que não devo tomar a relação com os artistas por certa. Mas sobretudo porque é consistente com a sua filosofia. Que diz que o nosso principal produto é a arte de excelência e que devemos saber promovê-la bem. “A missão das organizações culturais é a arte e a educação, não a saúde financeira. Devemos providenciar aos artistas aquilo que precisam e para o fazermos precisamos de angariar fundos. E devemos fazê-lo sem nunca comprometer a arte. Os meus artistas sabem que faço tudo o que posso para lhes garantir aquilo que precisam. E se precisasse de cortar num orçamento, a última área onde iria cortar seria a arte.” Considerando a tensão que normalmente existe na relação entre artistas e gestores – uma relação que Michael Kaiser descreve como essa de uma criança que diz “quero…quero…quero…” e de um pai que responde “não temos dinheiro… não temos dinheiro… não temos dinheiro...” -, parece-me que esta é uma excelente abordagem quando se procura definir o papel e as expectativas de cada um.
Ao falar de marketing programático e institucional, Michael Kaiser concentrou-se sobretudo no último, apesar da maioria das instituições investir (bem ou mal) no primeiro. As organizações com sucesso têm uma missão clara, sabem quem são, porque é que existem, onde querem chegar, o que é que as torna únicas no mercado. A vida é mais fácil para as instituições que são conhecidas, que têm um plano para estarem na cabeça, e no coração, das pessoas a todo o momento. O marketing institucional é um pré-requisito crucial para se fazer fundraising. E no que respeita à relação com potenciais patrocinadores (estou aqui a traduzir a palavra ‘donors’, que é mais do que ‘sponsors/patrocinadores’), Michael Kaiser partilhou connosco as suas 10 regras:
1. O mais importante em fundraising é saber ouvir;
2. Devemos ter um ‘menu’ de projectos a propor, para podermos encontrar aquele que melhor corresponde aos interesses e necessidades de potenciais patrocinadores;
3. Devemos admiti-lo quando não temos a propor nada de interesse para o patrocinador. Isto garante que vamos ser melhor ouvidos da próxima vez;
4. Os patrocinadores reagem a informação positiva e não a ameaças de falência;
5. Devemos encontrar o interlocutor certo para cada patrocinador;
6. Devemos implementar o marketing institucional antes de começarmos com o fundraising;
7. Devemos cultivar a relação com o patrocinador antes de pedirmos algo;
8. Não devemos perder tempo em escrever cartas impessoais. Devemos procurar conhecer as pessoas;
9. Devemos fazer pesquisa prévia, para conhecermos melhor as necessidades e os interesses de potenciais patrocinadores;
10. Nos EUA o fundraising é chamado development (desenvolvimento). Trata-se de desenvolver uma relação.
A relação artista-gestor, o papel fundamental do marketing na vida de uma instituição cultural, a distinção entre marketing programático e institucional, a forma de nutrir relações com potenciais patrocinadores… Michael Kaiser falou de questões que não são amplamente discutidas em Portugal. Talvez seja por isso que a audiência não retorquiu mesmo quando ele falou de assuntos que poderiam ser um pouco controversos ou impraticáveis em Portugal. Mas é altura de começarmos a debatê-los a todos os níveis. A arte e o marketing não são duas áreas incompatíveis, incapazes de falar a mesma língua, de partilhar objectivos.
Podemos pôr as suas recomendações em prática? Talvez, se considerarmos uma escala diferente. Ou talvez não. Mas que importa. Sonhemos um pouco. Tal como ele sonha.
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