No seguimento do anúncio do governo britânico sobre cortes na área da cultura, o jornal Guardian publicou no dia 25 de Julho um texto de opinião do dramaturgo Mark Ravenhill, cujas obras têm sido apresentadas também em Portugal. A proposta de Ravenhill (ler o texto aqui) é cortar no marketing e no development (development departments no Reino Unido e nos EUA são os departamentos que se dedicam ao fundraising), para não ser afectada a produção artística. De acordo com o autor, o marketing e o development são áreas que não têm mostrado resultados nos últimos anos, apesar de consumirem uma fatia considerável do orçamento das instituições culturais. No seguimento deste raciocínio, Ravenhill refere-se também aos custos com o trabalho de outreach, mais um fardo para as artes, afirma, desde que o governo trabalhista exigiu que elas provassem o seu valor social.
A proposta de Ravenhill é assustadora. Não tanto porque utiliza argumentos pouco precisos relativamente aos resultados demonstrados pelos departamentos de marketing e development no seu país (sobre este ponto, Colin Tweedy, do Arts and Business, respondeu a Ravenhill no seu artigo de 30 de Julho). É assustadora porque mostra, mais uma vez, que o marketing e a comunicação em geral continuam a ser considerados por muitos artistas acessórios dispensáveis, um fardo, um mal imposto.
Vejo nas afirmações de Ravenhill um criativo centrado em si e na sua arte. E ainda bem. No entanto, vejo também um criativo que conta com o apoio do Estado para poder desenvolver com melhores condições o seu trabalho, mas que se sentiria ofendido se o Estado lhe perguntasse primeiro “E porque é que devíamos apoiá-lo com o dinheiro dos contribuintes?”. Vejo ainda um criativo que quer comunicar através da sua arte e que, apesar de ficar encantado – não ficam todos? - com as salas cheias, não é capaz de reconhecer a importância do trabalho daqueles que procuram tornar a sua arte mais acessível a mais pessoas. Porque o que ele faz é bom e importante. Porque o que ele faz fala por si e todos deveriam ser capazes de o entender. Porque ele não tem que explicar, muito menos provar, nada a ninguém.
Esta atitude de “sou importante porque sim” encontra-se com alguma frequência também nos museus. Onde as funções ‘superiores’ de coleccionar e preservar se sobrepõe as funções ‘menores’ de expor e comunicar. Onde as palavras politicamente correctas sobre ‘portas abertas a todos’ e a relação com a comunidade não se traduzem em práticas concretas de acessibilidade e desenvolvimento de públicos. Onde a palavra ‘marketing’ não se pronuncia, incomoda.
Pessoalmente, vejo o marketing e a comunicação (e dentro deles o development, a educação e o outreach) como partes integrantes e indispensáveis do trabalho desenvolvido pelas instituições culturais. O seu papel é servir a missão dessas mesmas instituições (e também os artistas que elas apresentam, as colecções que elas contém) e fazem-no procurando os apoios financeiros necessários para o seu funcionamento e investindo na criação de relações duradouras com os públicos a que se dirigem, com o objectivo permanente de os alargar e diversificar, para que cada vez mais pessoas possam descobrir e usufruir dessa oferta.
Não pretendo ser simplista com questões complexas. Todos sabemos que o modo de financiamento das artes levanta às vezes questões de liberdade artística. Todos sabemos que os parâmetros para a avaliação do impacto das artes e da cultura em geral na vida das pessoas são objecto de um debate permanente e controverso. Por isso, acho perigosamente simplistas os argumentos de Mark Ravenhill, que vê no marketing um desperdício de dinheiro e no outreach um fardo.
No dia 14 de Setembro estará em Lisboa Michael Kaiser, Presidente do Kennedy Center for the Performing Arts, para um seminário sobre Gestão Cultural. O seu livro The Art of the Turnaround é um relato delicioso, e ao mesmo tempo assustador, da sua experiência profissional como gestor de organizações culturais que estavam em apuros e que ele ajudou a tornar em instituições saudáveis. Entre elas, a Alvin Ailey Dance Theater Foundation, o American Ballet Theater e a Royal Opera House. O papel do marketing, programático e institucional, foi fundamental. Michael Kaiser não se cansa de o afirmar. Estou curiosa em saber mais sobre a sua relação com artistas e criativos.
Um artista não cria porque isso é útil para a sociedade. Mas, a sociedade (o Estado e os mecenas e os patrocinadores) começou a reconhecer o valor social das artes e da cultura. E cada vez mais pessoas se sentem tocadas, maravilhadas, transformadas pelas experiências vividas, pela descoberta de coisas antes desconhecidas ou difíceis de entender. Não tenho dúvidas que isto não teria acontecido sem o contributo dos departamentos de marketing ou development ou comunicação ou educação ou outreach… Os termos são muitos, a vontade é uma: tornar a arte próxima e acessível. E este é um 'fardo' que insistimos em carregar.
A proposta de Ravenhill é assustadora. Não tanto porque utiliza argumentos pouco precisos relativamente aos resultados demonstrados pelos departamentos de marketing e development no seu país (sobre este ponto, Colin Tweedy, do Arts and Business, respondeu a Ravenhill no seu artigo de 30 de Julho). É assustadora porque mostra, mais uma vez, que o marketing e a comunicação em geral continuam a ser considerados por muitos artistas acessórios dispensáveis, um fardo, um mal imposto.
Vejo nas afirmações de Ravenhill um criativo centrado em si e na sua arte. E ainda bem. No entanto, vejo também um criativo que conta com o apoio do Estado para poder desenvolver com melhores condições o seu trabalho, mas que se sentiria ofendido se o Estado lhe perguntasse primeiro “E porque é que devíamos apoiá-lo com o dinheiro dos contribuintes?”. Vejo ainda um criativo que quer comunicar através da sua arte e que, apesar de ficar encantado – não ficam todos? - com as salas cheias, não é capaz de reconhecer a importância do trabalho daqueles que procuram tornar a sua arte mais acessível a mais pessoas. Porque o que ele faz é bom e importante. Porque o que ele faz fala por si e todos deveriam ser capazes de o entender. Porque ele não tem que explicar, muito menos provar, nada a ninguém.
Esta atitude de “sou importante porque sim” encontra-se com alguma frequência também nos museus. Onde as funções ‘superiores’ de coleccionar e preservar se sobrepõe as funções ‘menores’ de expor e comunicar. Onde as palavras politicamente correctas sobre ‘portas abertas a todos’ e a relação com a comunidade não se traduzem em práticas concretas de acessibilidade e desenvolvimento de públicos. Onde a palavra ‘marketing’ não se pronuncia, incomoda.
Pessoalmente, vejo o marketing e a comunicação (e dentro deles o development, a educação e o outreach) como partes integrantes e indispensáveis do trabalho desenvolvido pelas instituições culturais. O seu papel é servir a missão dessas mesmas instituições (e também os artistas que elas apresentam, as colecções que elas contém) e fazem-no procurando os apoios financeiros necessários para o seu funcionamento e investindo na criação de relações duradouras com os públicos a que se dirigem, com o objectivo permanente de os alargar e diversificar, para que cada vez mais pessoas possam descobrir e usufruir dessa oferta.
Não pretendo ser simplista com questões complexas. Todos sabemos que o modo de financiamento das artes levanta às vezes questões de liberdade artística. Todos sabemos que os parâmetros para a avaliação do impacto das artes e da cultura em geral na vida das pessoas são objecto de um debate permanente e controverso. Por isso, acho perigosamente simplistas os argumentos de Mark Ravenhill, que vê no marketing um desperdício de dinheiro e no outreach um fardo.
No dia 14 de Setembro estará em Lisboa Michael Kaiser, Presidente do Kennedy Center for the Performing Arts, para um seminário sobre Gestão Cultural. O seu livro The Art of the Turnaround é um relato delicioso, e ao mesmo tempo assustador, da sua experiência profissional como gestor de organizações culturais que estavam em apuros e que ele ajudou a tornar em instituições saudáveis. Entre elas, a Alvin Ailey Dance Theater Foundation, o American Ballet Theater e a Royal Opera House. O papel do marketing, programático e institucional, foi fundamental. Michael Kaiser não se cansa de o afirmar. Estou curiosa em saber mais sobre a sua relação com artistas e criativos.
Um artista não cria porque isso é útil para a sociedade. Mas, a sociedade (o Estado e os mecenas e os patrocinadores) começou a reconhecer o valor social das artes e da cultura. E cada vez mais pessoas se sentem tocadas, maravilhadas, transformadas pelas experiências vividas, pela descoberta de coisas antes desconhecidas ou difíceis de entender. Não tenho dúvidas que isto não teria acontecido sem o contributo dos departamentos de marketing ou development ou comunicação ou educação ou outreach… Os termos são muitos, a vontade é uma: tornar a arte próxima e acessível. E este é um 'fardo' que insistimos em carregar.
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