Monday, 5 September 2011

(I)mobilidade

E.Hopper, People in the sun. Smithsonian Museum of American Art.
Um corpo que não se move está em descanso, estático, imóvel, estacionário, diz-se em física.

I

A maioria dos apoios à mobilidade no sector cultural é normalmente dirigida a artistas e curadores. Muitos outros profissionais da cultura (os que trabalham na área da gestão, comunicação, educação, etc.) - que sentem igual necessidade em investir na formação contínua ao longo da sua vida profissional, conhecer colegas de outros países, promover projectos de cooperação - raramente são contemplados. No início de Agosto fui informada que a Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI) tinha lançado a II Convocatória de Ajudas à Mobilidade. Alguns dos objectivos anunciados: ajudar criadores, gestores, promotores e profissionais ibero-americanos da cultura que queiram enriquecer o seu trabalho mediante o conhecimento de outros contextos profissionais que permitam o intercâmbio nos distintos âmbitos culturais do espaço ibero-americano; fortalecer o trabalho desenvolvido pelas instituições públicas; estimular a construção de uma cultura de paz, centrada no intercâmbio, no diálogo intercultural e na cooperação, favorecendo um conhecimento melhor das diferentes realidades culturais ibero-americanas. No entanto, só se podiam candidatar pessoas que tivessem uma nacionalidade ibero-americana. Dados os objectivos anunciados pela OEI, será a nacionalidade dos candidatos relevante? Deveria ser uma condicionante? Num mundo onde as pessoas, os profissionais da cultura, viajam constantemente, desenvolvem cada vez mais a sua actividade em países diferentes dos de origem, colaboram em projectos internacionais, faz sentido, no âmbito de uma iniciativa como a da OEI, excluir candidatos que não tenham uma nacionalidade ibero-americana? É mais relevante o país que emite o passaporte do que o país e as instituições onde um profissional desenvolve durante anos a sua actividade? Coloquei estas questões à OEI por email e através do Facebook. Não obtive resposta. O prazo para a apresentação de candidaturas acabou há poucos dias.

II

Por razões familiares, uma amiga decidiu deixar o seu emprego num dos maiores museus de Londres e regressar à Grécia. Após uma ou duas colaborações de curta duração com museus em Atenas e alguns anos no desemprego, decidiu voltar a Londres e tentar novamente a sua sorte. Dentro de duas semanas tinha sido contratada por outro grande museu. Dois ou três anos depois, mudou-se para outro. Passados mais três anos, estava noutro. Todos esses postos de trabalho tinham sido publicamente anunciados, reunindo várias candidaturas. Em todos os casos tratava-se de museus nacionais.

Pensei várias vezes na minha amiga nos últimos meses, quando, em conversa com várias pessoas que trabalham no sector cultural, me apercebi da quantidade de profissionais e de instituições ‘presos’ em situações já pouco frutíferas. De um lado, pessoas que ocupam há já bastantes anos o mesmo lugar, cansadas da rotina, ansiosas para enfrentar novos desafios; do outro lado, instituições que atravessam também, como é natural, ciclos e que poderiam e gostariam de poder beneficiar de alguma renovação nas suas equipas.

Pensei novamente na minha amiga quando, há umas semanas atrás, soube que um lugar que não de confiança política num organismo cultural público tinha sido ‘discretamente’ ocupado por via de convite. É comum. Mas até quando? É verdade que os lugares no sector cultural são poucos. Mas é também verdade que raramente, muito raramente, as vagas são publicamente anunciadas, de forma a assegurar (e a beneficiar de) uma manifestação mais diversificada de candidaturas e, assim, a desejada movimentação e renovação, promovendo - e defendendo ao mesmo tempo - a igualmente desejada transparência e meritocracia. De qualquer forma, tanto no sector público como no privado, nem os profissionais nem as instituições ganham com esta espécie de estagnação. O que fazer quando acaba a ‘lua de mel’?

“E se houvesse um sistema de trocas de lugar”, disse a brincar a uma pessoa que está há 10 anos no mesmo lugar. E se houvesse? Um sistema público, aberto, transparente, que permitisse a troca de profissionais entre duas instituições por períodos de três anos – aquele que parece ser o tempo máximo de duração da ‘lua de mel’.

1 comment:

Ana Carvalho said...

Esta é uma questão central para as nossas instituições culturais. Teríamos muito mais a ganhar se os lugares fossem mais rotativos. Mas prevalece ainda uma certa inércia.