Nos últimos 2-3 anos, tem sido um prazer ver a forma como os
museus têm assinalado o Dia de São Valentim nas suas páginas no Facebook. Desde
objectos nas suas colecções, a elementos arquitectónicos e flores nos seus
jardins, eles já me fizeram sorrir, rir às gargalhadas, olhar melhor, aprender algo novo. De
uma forma simples, imaginativa, bem-humorada, e à distância, algumas
instituições culturais têm marcado no meu calendário um dia que eu, de resto,
acho algo desinteressante.
Nem todas as instituições culturais assinalam esse dia.
Algumas podem estar a pensar que isso não é uma coisa séria, que é algo
frívola, comercial, não se relaciona directamente com a sua exposição ou peça
de teatro ou programa de concerto. Relaciona-se com uma outra coisa, porém: a vida.
Quando o furacão Sandy atingiu Nova Iorque em 2012, o
director do MoMA PS1 publicou isto na página de Facebook do museu:
Como é que isso se relaciona com o seu museu? Com a
exposição temporária? Não se relaciona. Relaciona-se com uma outra coisa, porém: a vida.
Em 2014, o ano do Mundial no Brasil, algumas instituições
culturais apresentaram exposições, organizaram eventos, fizeram várias
referências ao futebol. Algumas podem ter tido a esperança de atrair seguidores
entre os fãs de futebol. Outras podem simplesmente ter pensado: isto também é a
vida, vamos celebrá-la!
O ataque ao Charlie Hebdo fez-me mais uma vez pensar no
papel que as instituições culturais têm na sociedade e na capacidade que têm de
se relacionar com ela. E também para colocar a sua teoria em prática. A teoria
diz que a cultura ajuda-nos a sermos humanos, tolerantes para com o
"Outro", a vivermos juntos, a aprendermos uns com os outros, a
partilharmos e a defendermos valores, a pensar de forma crítica. Quando o
sector cultural está sob "ataque", usamos estes mesmos argumentos para o defender
e para defender a importância do que fazemos. Para a sociedade. Mas quando essa
mesma sociedade ri, chora, apaixona-se, desespera, comemora, está de luto...
levamos algum tempo (muito tempo, mesmo) para considerar se é apropriado para
nós reconhecê-lo, relacionarmo-nos. Não poucas vezes, permanecemos calados.
Assim, na manhã seguinte ao ataque ao Charlie Hebdo,
expressei a minha consternação com o facto de nenhuma instituição cultural
grega ou portuguesa (entre aquelas que sigo no Facebook e no Twitter) ter reagido à tragédia. Uma tragédia relacionada
directamente com tudo o que a cultura defende. Segundos depois de eu ter
publicado o meu post, o Centro Cultural Onassis publicava o deles. Mais tarde,
o Museu Benaki. Alívio... Depois disso, alguns colegas avisaram-me de atitudes
semelhantes da parte do Museu Nacional da Imprensa ou do Museu Bordalo
Pinheiro. Seguiram-se mais algumas instituições culturais. No dia 9 de Janeiro,
o Museu Arqueológico do Carmo convidava-nos para um debate com cartoonistas e
académicos. Alívio... Ainda assim, não tenho conhecimento de alguma das grandes
instituições culturais (nacionais) portuguesas ter reagido aos acontecimentos.
Um amigo escreveu-me naquela altura e perguntou: "Mas
quais as instituições culturais que tu queres que reajam? Todas elas? As que,
de alguma forma, se relacionam com o que aconteceu? (que seria, por exemplo, o
Museo de la Memoria e de los Derechos Humanos no Chile ou o Museu Nacional da
Imprensa em Portugal, é isso?). As instituições culturais francesas?". Não quero parecer ingénua, mas teria gostado de ver reagir
todas as instituições culturais que dizem querer ter um papel na criação de uma
sociedade melhor; que dizem pretender abraçar e promover determinados valores;
que dizem querer ser relevantes para as pessoas; que dizem querer ser parte da
sociedade e ajudar a formar cidadãos responsáveis e críticos.
Gostaria de esclarecer aqui que por "reacção" não quero
dizer uma resposta precipitada a um incidente ou uma associação superficial a
uma celebração, sem ter em conta o que a instituição representa e com a
intenção de usá-la para relações públicas baratas ou simplesmente para não "ficar de fora". As pessoas sabem distinguir o oportunismo e não o apreciam...
Por "reacção" quero dizer uma resposta pensada, responsável, honesta
e coerente de uma instituição cultural que tem clara a sua missão e o papel que
pretende desempenhar na vida das pessoas. E isso não envolve apenas de programação
ou actividades educativas. É preciso estar permanentemente ciente do que está a acontecer à nossa volta e da forma como afecta a
vida das pessoas, para que, como resultado de uma política definida e coerente de intervenção, a instituição possa dar prontamente o seu contributo para o
tipo de mundo que pretende ajudar a construir.
O que é relevante e o que não é relevante para uma
instituição cultural? Bem, provavelmente não é esta a questão. A questão é: o
que torna uma instituição cultural relevante? Recentemente, dei um curso onde
discutimos o lugar e o papel das instituições culturais na sociedade
contemporânea. Na última parte da sessão, fizemos um exercício prático:
Por favor, considere:
- O ataque Charlie Hebdo
- O dia de São Valentim
- O desastre natural na Madeira em 2010
- A grande manifestação anti-austeridade a 15 de Setembro de
2013 em Portugal
A sua instituição reagiria?
Se sim, como?
Se não, por que não?
Anyone?
Mais leituras
Rebecca
Herz, What is an ethical museum?
Gretchen Jennings, We can’t outsource empathy, Part II: Qualities of the empathetic museum
Ed Rodley, Museums and social change
No comments:
Post a Comment