Vou dizê-lo logo no início para deixar o assunto arrumado:
sim, fiquei irritada com as duas afirmações de Philippe de Montebello no livro "Rendez-vous with art" relativas
à questão da restituição de objectos (p.54 e p.208). Dito isto, o resto do livro é absolutamente
encantador! Uma série bela, inspiradora e surpreendente de conversas entre
Montebello e o crítico de arte Martin Gayford, que revela o homem por trás do
historiador de arte e durante muitos anos director do Metropolitan Museum of Art.
Seguindo estas conversas, sentimos um desejo de olhar e
olhar melhor, mesmo que seja apenas uma foto num livro - na esperança, é claro,
de poder estar à frente do original um dia ... Como o próprio Montebello diz:
"(...) nada pode substituir a experiência, a sensação muito física, de estar cercado e envolto no espaço real." (51 p.)
Provavelmente, um dos momentos mais tocantes vem logo no
início do livro, onde Montebello responde à pergunta de Gayford sobre aquele
momento único, aquela experiência única que pode tê-lo levado a uma vida nas
artes. Montebello partilha connosco esse momento muito especial, quando ele
tinha 15 anos e o seu pai levou para casa o livro "Les Voix du Silence" de
André Malraux. E, de repente, ali estava Uta...
Fiquei a pensar: será que ele teria alguma vez posto isto na legenda num museu? Quantas pessoas teriam olhado, olhado melhor, olhado mais, se tivessem lido algo assim sobre uma estátua?
Mais à frente, Montebello admite algo que raramente ouvimos
da boca de curadores, mas que é verdade para a maioria dos visitantes de
museus: "Descobri que quando me forcei - muitas vezes com a
ajuda de curadores - a olhar para coisas sobre as quais era indiferente ou que
até me repeliam, descobri que, com mais alguns conhecimentos, o que havia sido
escondido de mim tornou-se manifesto." (p.59)
Que tipo de conhecimentos é necessário para esta 'epifania'
ocorrer, podemos questionar. Nem factos sobre a vida do artista, nem uma
descrição detalhada e seca de pormenores estilísticos, quando são consideradas as primeiras necessidades do visitante não-especialista (ou seja, da maioria dos visitantes dos
museus). Parece que podemos encontrar todas as respostas no livro de Freeman
Tilden "Interpreting our Heritage": "O que está por trás do que
o olho vê é muito maior do que aquilo que é visível" (p.20); (...) Mas o objectivo da interpretação é estimular o leitor ou o ouvinte a
desejar ampliar os seus horizontes de interesses e conhecimentos e a procurar
entender as grandes verdades que estão por trás de qualquer afirmação de factos
(p.59); (…) Não com os nomes das coisas, mas expondo a alma das coisas –
aquelas verdades que estão por trás do que estamos a mostrar ao visitante. Nem
pregando; nem sequer dando sermões; não através da instrução, mas através da
provocação (p.67).
Mais alguns exemplos do livro de Montebello poderiam
ilustrar melhor estes pontos:
"Mas estou feliz só de apreciar a expressão no rosto de Adão, tão doce, e da maneira como ele segura o ramo de maçã - não é uma folha de figueira - com dois dedos, bem como a folhagem necessária para cobrir a sua nudez. Dürer dotou de uma forma tão cativante as suas figuras inspiradas na antiguidade clássica com uma terna sensualidade; e adoro Eva, parecida com Vénus, com o seu rosto bonito de fräulein de Nürnberg. Vê? Nada de história da arte, apenas a minha própria reacção muito pessoal "(p124, Albrecht Dürer, Adão e Eva, 1507; imagem retirada de www.pictify.com) |
Não acredito que a maioria das pessoas visita museus à
procura de uma lição em história de arte nos seus painéis e legendas - ou de
física, de música ou de outra disciplina qualquer (algumas o fazem, é claro, e
as suas necessidades são igualmente legítimas, mas os museus geralmente dão
resposta a essas necessidades com vários outros meios). As pessoas também não
visitam museus à procura de alguém que lhes diga o que devem sentir ou pensar,
como defende Alain de Botton em Art is Therapy (Rijksmuseum), onde encontramos
legendas como esta: "Você sofre de fragilidade, de culpa, de dupla
personalidade, de auto-aversão. Você é provavelmente um pouco como esta imagem."
(a respeito da pintura de Jan Steen A Festa de São Nicolau). Penso que a
maioria de nós está, antes de tudo, à procura de algo que possa ter significado
para nós, algo que possa deliciar-nos, surpreender-nos, fazer-nos sentir bem ou
mais ricos ou mais conscientes de nós mesmos e do mundo. Muitos de nós estamos
à procura de histórias, histórias de outras pessoas, seres humanos com os quais
nos possamos relacionar - aqueles representados ou aqueles que procuram
partilhar os seus conhecimentos connosco.
Decidir qual a história a contar não é uma escolha fácil
para um museu; escrevê-la de uma forma clara e concisa é igualmente
difícil. Mas não é impossível, como Montebello nos mostra no seu livro, onde
abandona o seu “eu institucional" e consegue partilhar o seu enorme
conhecimento de historiador de arte de uma maneira simples e humana, que é significativa e relevante para muitas mais pessoas. Não é impossível,
como Paula Moura Pinheiro nos mostra todas as semanas no seu programa
televisivo "Visita Guiada", onde descobrimos que curadores e
especialistas em arte em Portugal também são pessoas fascinantes, capazes de partilhar connosco muito mais do que os habituais
factos geralmente presentes nas legendas, e que nos fazem desejar saber mais,
visitar o museu, ver o objecto - ou voltar para o ver de novo, depois do que
nos foi revelado.
É possível. É uma questão de escolha e de habilidade. Não
lhe falta teor científico e comunica.
"Não tenho certeza se ficaria encantado porque estou tão concentrado, tão absorto e cativado pela perfeição do que lá está; que o meu prazer - e é um prazer intenso - está maravilhado com o que o meu olho vê, não com uma abstracção que, de um modo mais ‘à história de arte’, eu poderia evocar. É como um livro que amamos e simplesmente não queremos ver o filme. Já imaginámos o herói ou a heroína de uma certa maneira. Na verdade, com os lábios de jaspe amarelo, eu nunca tentei, realmente, imaginar as partes que faltam." (p.8, Fragmento do rosto de uma rainha, Período do Império Novo, c. 1353-1336 a.C, Egipto; imagem retirada do website do Metropolitan Museum) |
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Sahil Chinoy, Off the beat: Art apathy, museum misery
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