Monday 10 June 2024

“Primeiro ignoram-te. Depois riem-se de ti. Depois lutam contra ti. No fim, tu vences.”

Sufragista a ser presa pela polícia em 1914.
(Imagem retirada de The Independent. PA Wire/PA Images)

O título deste post são palavras de Ghandi, citadas por Rebecca Solnit no seu livro “Hope in the dark”. Cada época tem as suas causas específicas, mas, ao mesmo tempo, podemos observar e sentir o desenvolvimento de outras, vindas de trás. Solnit lembra-nos que as fases identificadas por Ghandi desenrolam-se lentamente e também que “Os efeitos não são proporcionais às causas – não só porque causas enormes por vezes parecem ter pouco efeito, mas porque causas pequenas ocasionalmente têm consequências enormes”. (pág.61).

Tenho pensado na forma como os activistas de diferentes causas são actualmente vistos e tratados. Quando escrevi um capítulo para o livro “The activist museum” (editado por Robert Janes e Richard Sandell), lembro-me de ter optado pela definição de activismo tal como aparecia na Wikipédia, já que os dicionários que consultei na altura muitas vezes lhe davam uma nuance agressiva, violenta, que me deixava insatisfeita. A agressão ou a violência não estão ausentes, claro, mas não são a única forma de ser activista. Relembrando uma entrevista de John Berger, ouvir é um acto (e, na minha cabeça, é aqui que o activismo realmente começa, em sermos capazes de ouvir).

Tenho estado a pensar nos activistas de hoje, especialmente depois de ler, em Fevereiro passado, o artigo chocante de George Monbiot “In a world built by plutocrats, the powerful are protected while vengeful laws silence their critics”:

“Porque é que os manifestantes pacíficos são tratados como terroristas, enquanto os verdadeiros terroristas (especialmente da extrema-direita, e especialmente nos EUA) muitas vezes não são incomodados pela lei? Porque é que, no Reino Unido, é possível agora receber uma pena mais longa por ‘perturbação pública’ – desobediência civil não violenta – do que por violação ou homicídio involuntário? Porque é que os criminosos comuns são libertados mais cedo para abrir espaço em prisões sobrelotadas, apenas para que o espaço seja reabastecido com presos políticos: pessoas que tentam defender pacificamente um planeta habitável?”

A estas questões, alguém que viva em Portugal poderá também acrescentar “Porque é que a sociedade portuguesa não ficou chocada ao descobrir que mulheres activistas climáticas foram mandadas pela polícia a tirar a sua roupa?”. Aparentemente houve uma investigação sobre as ações policiais em 2021 e uma agente foi repreendida no início de 2023, apenas para que essas ações se repetissem em Dezembro de 2023 (ler aqui). Como é que consideramos isto ser “normal”? Quantos de nós sabemos o que aconteceu desde então? Queremos saber?

Voltando ao artigo de Monbiot, o que está a ser experienciado por activistas pacíficos em diferentes países europeus e democráticos é chocante. O relator especial da ONU para os defensores ambientais, Michel Forst, observou que no Reino Unido “as leis draconianas contra os protestos, sentenças massivas e decisões judiciais que proíbem os manifestantes de explicar os seus motivos aos júris estão a destruir ‘liberdades fundamentais’”. Mencionou também que activistas ambientais pacíficos estão detidos sob fiança até dois anos, sujeitos a pulseiras electrónicas, localização por GPS e recolher obrigatório, e privados das suas vidas sociais e direitos políticos. Na Alemanha, as autoridades lançaram uma investigação de crime organizado contra o movimento de protesto ambiental Letzte Generation. A Itália está a utilizar leis anti-máfia contra um grupo aliado de defensores ambientais, Ultima Generazione. Em França e nos EUA, os manifestantes verdes pacíficos são rotulados e tratados como terroristas.

É chocante. Mas é novidade?

No seu livro “Hope in the Dark”, publicado pela primeira vez em 2005, Rebecca Solnit refere que

“Um dos grandes choques dos últimos anos aconteceu-me numa esquadra da polícia na Escócia, onde, tendo ido para reportar a perda de uma carteira, dei por mim a contemplar um cartaz de criminosos procurados: não violadores e assassinos, mas crianças com penteados e piercings peculiares que tinham estado activas em manifestações como o Carnaval Contra o Capital e outras brincadeiras em que os negócios normais foram interrompidos, mas ninguém foi ferido. Então, esses eram os criminosos que mais ameaçavam o Estado? Então o estado era frágil e nós éramos poderosos.” (pág.30).

É esse poder, muitas vezes escondido em cantos muito pequenos e escuros antes de chegar o momento de assumir o centro do palco, que Solnit foca no seu livro. É aqui que podemos procurar a esperança. “A mudança que conta na revolução ocorre primeiro na imaginação” (p.26), entre pessoas que são ignoradas, podem parecer passivas, apenas espectadoras. E, então, chega um momento em que “o impossível se torna possível”. (pág.27).

O papel da imaginação, a crença de que a mudança é possível, de que outros mundos e outras realidades são possíveis, foi discutido mais que uma vez neste blog (ver referências no final), pois acreditamos que deveria ser central no trabalho desenvolvido por sector cultural em todos os países. Ao mesmo tempo, os profissionais e as organizações culturais também devem cuidar e alimentar a sua própria imaginação. Devem procurar constantemente formas de apoiar a sociedade, de alimentar a imaginação das pessoas, de criar espaços onde algumas dessas pessoas possam sonhar o impossível. Não se trata de apoiar qualquer causa (de forma oportunista, apenas para “ficar bem”), mas de fazer o que faz sentido – pela sua existência, pela sua relevância, pela sua missão. Caso contrário, porque fazemos o que fazemos?

Como a palavra “activista” é usada por muitos de forma depreciativa (sabem, realmente, porque é que as sufragistas se tornaram “suffragettes” pela imprensa?), como activistas em diferentes partes do mundo estão a ser tratados como criminosos, como muitas pessoas os aconselham a serem “moderados” (“Tens razão, mas esta não é a forma certa”), Rebecca Solnit faz outro lembrete: “Em 1900, a ideia de que as mulheres deveriam ter direito ao voto era revolucionária; agora, a ideia de que não deveríamos tê-lo pareceria louca. Mas ninguém foi pedir desculpa às sufragistas que se acorrentaram às portas do poder, partiram todas as montras na Bond Street, passaram longos meses na prisão, sofreram alimentação forçada e foram demonizadas pela imprensa.” (pág.31)

“Primeiro ignoram-te. Depois riem-se de ti. Depois lutam contra ti. No fim, tu vences.” Algumas pessoas não estão mais aqui para ver a vitória, no entanto. Como profissionais e organizações culturais, devemos ter uma visão e um propósito claros para podermos apoiá-los agora.

 

Mais neste blog:

A beleza há-de vencer

CONFIANÇA radical

Estamos com as abelhas ou com os lobos?

Liberdade para quê? Cultura para quê?

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Vejam também a serie de debates “The Activist Museum: going deeper”, organizada desde 2021 pela Acesso Cultura.

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