Monday 7 March 2011

Livres de visitar um museu de arte

Foram vários os amigos que na semana passada me reencaminharam o artigo de Timothy Aubry How to behave in an art museum. Fiquei angustiada com este relato, da pessoa que define a visita a um museu de arte, se bem que com bastante sentido de humor e alguma ironia, como uma experiência neurótica. Que diz que não sabe o que deve pensar ou dizer ou sentir. Que se sente observada, desadequada, que espera poder impressionar as outras pessoas. Quão foi (e ainda é) profundo para alguns o ‘trauma’ causado por aqueles que John Holden, em Culture and Class, apelida de cultural snobs. Aqueles que se consideram guardiões da arte, que desprezam quem não a entende ou aprecia da mesma forma que eles, que têm maneiras tão ‘especiais’ de os fazer sentir indesejados, excluídos, pouco inteligentes. Eles são tanto profissionais de museus como visitantes. “Era melhor quando éramos crianças”, diz Aubry, “quando sabíamos de que é que gostávamos sem esforço, quando as nossas paixões não eram aprendidas”. Porque é que isto havia de mudar? Para sermos aceites? Por quem?

Ao comentar sobre o texto de Timothy Aubry, Kyle Chayka questiona no blog Hyperallergic: Does the younger generation have a new attitude toward museums? Sim, tem e ainda bem. Mas aqui deveremos reconhecer o papel fundamental que os próprios museus tiveram nesta mudança de atitude, na criação desta nova relação.

Esta questão não é tão recente como se possa pensar. George Hein, no seu livro Learning in the Museum, cita o Professor Edward Forbes que dizia em 1853 que os curadores “podem ser prodígios do conhecimento, mas completamente inaptos para os seus postos” se não sabem nada sobre pedagogia, se não estão preparados para ensinar pessoas que não sabem nada. E em 1909, o visionário John Cotton Dana escrevia: “Um bom museu atrai, entretém, provoca curiosidade, leva a questionar e, assim, promove o conhecimento. (…) O museu só pode ajudar as pessoas se o utilizarem; vão utilizá-lo apenas se souberem que existe e apenas se for dada atenção à interpretação das suas colecções, de modo que elas, as pessoas, as entendam” (em: E. Alexander, Museums in Motion).

Cem anos depois, há ainda muitos museus que estão longe de perceber a importância da acessibilidade cognitiva às suas colecções e a necessidade da criação de um espaço de conforto; insistem em serem eles a determinar a agenda dos visitantes, impondo a agenda dos seus conservadores; estão determinados em ensinar e não mostram abertura para aprender; são incapazes de contar uma história e também de permitir a existência paralela de várias narrativas; são espaços muito pouco acolhedores para os não iniciados.

Mas há também museus abertos, acolhedores, inspiradores, envolventes, divertidos, que fazem toda a diferença. Museus que querem ser verdadeiros espaços de encontro, de diálogo, de confronto, de descoberta; mas também de entretenimento, de tempo bem passado com a família e os amigos.

Pour Your Body Out by Pipilotti Rist. MOMA. Foto: Maria Vlachou
Timothy Aubry refere no seu texto que olhou para as pessoas que estavam na instalação Pour Your Body Out de Pipilotti Rist no MOMA e que ficou confuso. Pessoas de todas as idades deitadas no chão, abraçadas, a conversar, a rir-se. E pensou: “Isto não está certo! Não percebem que é suposto os museus fazerem-vos sentir miseráveis e inseguros?”. Em 2008 tive a oportunidade de ver este trabalho. Adorei a instalação, fez-me sonhar, voar. Adorei o ambiente criado. E adorei ver as variadíssimas formas como as pessoas gozavam daquela experiência imersiva. Informais, relaxadas, contentes. Adorei o convívio e aquele sentimento de cumplicidade partilhada com pessoas desconhecidas. Provavelmente, o que cada um de nós ‘levou’ daquela experiência foi muito diferente, tal como o terão sido as nossas agendas ao entrarmos no museu. Mas existem formas mais válidas que outras de apreciar e de se relacionar com a arte? E quem as define? O artista? O curador? Quando era adolescente, não havia pergunta mais irritante na escola do que “O que é que o poeta quer dizer-nos com isto?”. Como responder a uma pergunta destas? Porque é que não me perguntavam “O que é que este poema te diz a ti”? E será que aceitariam o “nada” como resposta?

Não quero dizer com isto que as intenções do artista (ou do poeta…) são irrelevantes. Que os conhecimentos profundos que um curador tem sobre uma determinada temática não interessam. Que ambos interferem com a minha liberdade. Antes pelo contrário. Mas acho que não devem ser apresentados como dogmas. Como visitante, deveria poder sentir que as minhas experiências e conhecimentos são igualmente válidos. Mas que também a minha eventual falta de experiência ou conhecimentos é respeitada e que o museu é o espaço e meio ideal para as colmatar, se assim o desejar.

Há várias formas de os museus demonstrarem essa abertura, que reconhece as formas diferentes como cada pessoa vive e interpreta a experiência. Lembro-me das legendas escritas pelos próprios visitantes para os quadros da Tate Britain. Relatos e interpretações tocantes e surpreendentes, numa linguagem directa e acessível. Lembro-me também da primeira e única vez que vi nos painéis informativos de um museu um quadro no canto inferior com a explicação dos termos científicos cujo uso nos textos era necessário e inevitável. Era o Museum in Docklands em Londres, que não partia do princípio que toda a gente tinha uma licenciatura em arqueologia ou história romana.



Mas há ainda outras abordagens que reconhecem os variados perfis e necessidades das pessoas que pretendemos servir. A campanha do Metropolitan Museum of Art It´s time we met, agora na sua terceira edição, foi uma forma genial de apresentar as várias caras do museu, caras comuns, e de envolver o público. O museu ganhou um rosto (aliás, vários rostos) e não era aquele de um cultural snob. Uma outra iniciativa foi a da Columbus Symphony Orchestra, que quis livrar-se da imagem elitista e antiquada: Num spot publicitário encontramos no foyer de um teatro um casal de africanos-americanos – a senhora com vestido comprido, o senhor com smoking – que olham à sua volta com desconforto. Vêem um casal jovem, vestido informalmente. O senhor pensa: “Eu sabia que deveria ter-me vestido mais informalmente. Sinto-me desconfortável”. O jovem também olha à sua volta sentindo-se desconfortável e pensa: “Eu sabia que deveria ter trazido fato e gravata”. O locutor diz: “Não precisa de se sentir desconfortável para apreciar um concerto”.

Quantos de nós, profissionais da cultura e da comunicação, procuramos passar esta mensagem? Quantos de nós trabalhamos activamente na eliminação da barreira psicológica / cognitiva? Diria que os melhores exemplos vêm dos serviços educativos dos museus. Aliás, na semana passada estive a ler o mais recente relatório do National Endowment for the Arts, Beyond attendance: a multi-modal understanding of arts participation. Encontrei nele a referência que os africanos-americanos, hispânicos e índios-americanos participam mais que os brancos em actividades culturais que não aquelas tradicionalmente apresentadas em instituições culturais. Com uma excepção: a visita a museus de arte. Será isto o resultado de décadas de trabalho desenvolvido por estes museus no sentido de tornarem a sua oferta acessível e relevante para públicos muito diversos? Gostava de acreditar que sim.

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