Wolf Trap National Park for the Performing Arts, Washington DC (Photo: bigbirdz on Flickr) |
Na antiguidade, o teatro grego fazia parte do que, hoje em dia, uma pessoa poderia chamar cultura popular ou cultura das massas. Os Gregos Antigos iam ao teatro aos milhares. Traziam comida com eles, porque iam lá passar o dia inteiro. Comiam durante o espectáculo e atiravam comida ou gritavam com os actores quando não estavam a gostar do que estava a ser apresentado. Também intervinham, faziam perguntas e exprimiam opiniões sobre o enredo.
O público de Shakespeare, bastante heterogéneo na sua composição social, era tão barulhento como o público na Grécia Antiga. As pessoas mais pobres pagavam o equivalente a quase um dia de trabalho para ficarem de pé à frente do palco. E pagavam mesmo. Era importante para elas estarem lá, significava algo, tanto pelo que se estava a passar no palco, como fora dele…
Poucos séculos depois, no
final do século XIX, existem registos de pessoas que gritavam ou se metiam em
cima das cadeiras durante concertos de música clássica. E... aplaudiam entre os
movimentos ou sempre que se entusiasmavam com a interpretação.
Porque é que estou
a dizer tudo isto? Para que nos
lembremos todos que as coisas mudam, os hábitos mudam, os gostos mudam. O que
era aceitável antes, já não o é. E o que é hoje, não será amanhã. As coisas
estão novamente a mudar. Hoje em dia, há, por exemplo, pessoas que gostam de
falar durante os concertos de música clássica ou de partilhar ao vivo uma
experiência teatral através do twitter ou de usar todo o género de gadgets
enquanto visitam um museu. Isto faz outras pessoas sentirem-se nervosas e está
a ser montada resistência.
Os apelos para o regresso a uma
experiência de teatro /música / museu mais ‘pura’ estão a multiplicar-se. Pelo
menos ‘pura’ da forma como algumas pessoas a vêem, pessoas que gostam de assistir
em silêncio absoluto a um concerto de música clássica ou de visitar um museu e
simplesmente contemplar uma obra de arte. Esta é, realmente, uma forma de fazer
as coisas. Não é a única. E não é necessariamente mais significativa.
A questão foi novamente levantada
recentemente por Judith Dobrzynski no New York Times, num artigo intitulado High culture goes hands-on. Lamentando a busca de uma ‘experiência’ que tem tomado proporções
gigantescas, Dobrzynski sente claramente saudades dos “tempos passados,
[quando] os museus não precisavam de ser activados”; escreve sobre “a emoção de
estar de pé diante da arte”, chegando à triste conclusão que “isto não é
suficientemente emocionante para a maioria das pessoas”; e, finalmente, avisa:
“Tudo isto faz-se em nome da participação e da experiência – também chamado
envolvimento do visitante – mas altera a própria natureza dos museus e as
expectativas dos visitantes. Altera quem irá aos museus e para quê.”
Dois dias depois, Dennis Kois
respondia com Song of experience,
lembrando, basicamente, que não existe apenas uma forma, válida e
significativa, de fazer as coisas. Podem existir ofertas diferentes para
pessoas diferentes com necessidades diferentes; são diferentes e depende das
próprias pessoas o que é que vão levar com elas.
É exactamente isto que pensei
quando li a seguinte afirmação de Mark Rosen a
propósito dos visitantes do Metropolitan Museum: “… quase todos vêm aqui,
tentam ver tudo em quatro horas ou menos, tiram imensas fotos no Instagram e
vão-se embora, sem se lembrarem de nada.” Rosen está envolvido numa iniciativa
chamada Museum Hack, que propõe várias visitas “não-tradicionais” em museus. No
caso do Met, levam as pessoas a fazer visitas curtas, apresentando-lhes peças
menos conhecidas da colecção. Acho isto muito bem. E, enquanto tenho a certeza
que as pessoas que se juntam a estas visitas divertem-se e aprendem muito,
tenho quase a certeza que turistas que estão pela única vez na vida em Nova
Iorque sentir-se-ão mais satisfeitas e será mais significativo para elas
se tentarem ver e fotografar tudo em quatro horas. E irão lembrar-se de algo.
Todas as experiências são necessárias, são diferentes pontos de entrada, significam
coisas diferentes para pessoas diferentes. A Nina Simon disse-o
maravilhosamente há uns anos num post chamado I am an elitist jerk. Apaixonada por parques naturais, uma visitante com muita
experiência, confessou sentir-se incomodada nos parques nacionais que atraem as
massas. Admitiu ser uma elitista. O que a fez considerar a sua campanha por
museus acessíveis e participatórios. “Nessa viagem, pela primeira vez,
compreendi realmente a posição das pessoas que discordam comigo, aquelas que
sentem que comer e falar alto nos museus não é apenas indesejável, mas
transgressor e doloroso. Para os elitistas, é impossível ignorar a forma como
outros degradam o que é para eles uma intensa experiência estética e emocional.
Compreendo agora.” No entanto, Simon continua e diz que os parques nacionais
não lhe pertencem só a ela e que os mais populares entre eles são um importante
ponto de entrada para pessoas que escolheram lá estar, porque significava algo
para elas. Um dia, algumas delas poderão experimentar um outro parque, mais
remoto e ‘difícil’.
Ou um museu. Ou um teatro. Ou um concerto.
Os nossos conhecimentos e a nossa experiência é algo que construímos. De acordo
com as nossas necessidades, de acordo com o contexto em que nos encontramos.
Assisti a concertos de música clássica em silêncio absoluto, juntamente com
pessoas que ‘sabiam exactamente quando aplaudir’ e saboreando a última nota
tocada até desaparecer e poder (podermos) começar novamente a respirar. Mas
gostei igualmente de concertos de música clássica ao ar livre, juntamente com
centenas de pessoas a fazer picnic sentadas na relva e a conversar sobre
tudo, relacionado ou não com o que se passava no palco.
Sem dúvida, não é sempre fácil dar resposta
a necessidades diferentes no mesmo espaço. Na verdade, foi sempre um desafio.
Mas há duas coisas que me parecem importantes: 1. Reconhecer que existem
necessidades diferentes; e 2. Não julgar uma forma de experiência mais válida
ou significativa do que outra. Isto aplica-se aos profissionais da cultura.
Aplica-se a espectadores e visitantes também.
Ainda neste blog
Como toma o seu El Greco?
Elitismo para todos
Qual o problema com a música clássica? Aparentemente nenhum…
Livres de visitar um museu de arte
Museus: as novas igrejas?
Simon Fairclough, Orquestras em apuros: será mesmo?
More readings
James Durston, Why I hate museums
Mark Tapson, Should museums be more entertaining?
Peter Funt, Theatre for Twits
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