Monday, 16 September 2013

A reconquista

Wolf Trap National Park for the Performing Arts, Washington DC (Photo: bigbirdz on Flickr)

Na antiguidade, o teatro grego fazia parte do que, hoje em dia, uma pessoa poderia chamar cultura popular ou cultura das massas. Os Gregos Antigos iam ao teatro aos milhares. Traziam comida com eles, porque iam lá passar o dia inteiro. Comiam durante o espectáculo e atiravam comida ou gritavam com os actores quando não estavam a gostar do que estava a ser apresentado. Também intervinham, faziam perguntas e exprimiam opiniões sobre o enredo. 


O público de Shakespeare, bastante heterogéneo na sua composição social, era tão barulhento como o público na Grécia Antiga. As pessoas mais pobres pagavam o equivalente a quase um dia de trabalho para ficarem de pé à frente do palco. E pagavam mesmo. Era importante para elas estarem lá, significava algo, tanto pelo que se estava a passar no palco, como fora dele…


Poucos séculos depois, no final do século XIX, existem registos de pessoas que gritavam ou se metiam em cima das cadeiras durante concertos de música clássica. E... aplaudiam entre os movimentos ou sempre que se entusiasmavam com a interpretação. 

Porque é que estou a  dizer tudo isto? Para que nos lembremos todos que as coisas mudam, os hábitos mudam, os gostos mudam. O que era aceitável antes, já não o é. E o que é hoje, não será amanhã. As coisas estão novamente a mudar. Hoje em dia, há, por exemplo, pessoas que gostam de falar durante os concertos de música clássica ou de partilhar ao vivo uma experiência teatral através do twitter ou de usar todo o género de gadgets enquanto visitam um museu. Isto faz outras pessoas sentirem-se nervosas e está a ser montada resistência.

Os apelos para o regresso a uma experiência de teatro /música / museu mais ‘pura’ estão a multiplicar-se. Pelo menos ‘pura’ da forma como algumas pessoas a vêem, pessoas que gostam de assistir em silêncio absoluto a um concerto de música clássica ou de visitar um museu e simplesmente contemplar uma obra de arte. Esta é, realmente, uma forma de fazer as coisas. Não é a única. E não é necessariamente mais significativa.

A questão foi novamente levantada recentemente por Judith Dobrzynski no New York Times, num artigo intitulado High culture goes hands-on. Lamentando a busca de uma ‘experiência’ que tem tomado proporções gigantescas, Dobrzynski sente claramente saudades dos “tempos passados, [quando] os museus não precisavam de ser activados”; escreve sobre “a emoção de estar de pé diante da arte”, chegando à triste conclusão que “isto não é suficientemente emocionante para a maioria das pessoas”; e, finalmente, avisa: “Tudo isto faz-se em nome da participação e da experiência – também chamado envolvimento do visitante – mas altera a própria natureza dos museus e as expectativas dos visitantes. Altera quem irá aos museus e para quê.”

Dois dias depois, Dennis Kois respondia com Song of experience, lembrando, basicamente, que não existe apenas uma forma, válida e significativa, de fazer as coisas. Podem existir ofertas diferentes para pessoas diferentes com necessidades diferentes; são diferentes e depende das próprias pessoas o que é que vão levar com elas.

É exactamente isto que pensei quando li a seguinte afirmação de Mark Rosen a propósito dos visitantes do Metropolitan Museum: “… quase todos vêm aqui, tentam ver tudo em quatro horas ou menos, tiram imensas fotos no Instagram e vão-se embora, sem se lembrarem de nada.” Rosen está envolvido numa iniciativa chamada Museum Hack, que propõe várias visitas “não-tradicionais” em museus. No caso do Met, levam as pessoas a fazer visitas curtas, apresentando-lhes peças menos conhecidas da colecção. Acho isto muito bem. E, enquanto tenho a certeza que as pessoas que se juntam a estas visitas divertem-se e aprendem muito, tenho quase a certeza que turistas que estão pela única vez na vida em Nova Iorque sentir-se-ão mais satisfeitas e será mais significativo para elas se tentarem ver e fotografar tudo em quatro horas. E irão lembrar-se de algo.

Todas as experiências são necessárias, são diferentes pontos de entrada, significam coisas diferentes para pessoas diferentes. A Nina Simon disse-o maravilhosamente há uns anos num post chamado I am an elitist jerk. Apaixonada por parques naturais, uma visitante com muita experiência, confessou sentir-se incomodada nos parques nacionais que atraem as massas. Admitiu ser uma elitista. O que a fez considerar a sua campanha por museus acessíveis e participatórios. “Nessa viagem, pela primeira vez, compreendi realmente a posição das pessoas que discordam comigo, aquelas que sentem que comer e falar alto nos museus não é apenas indesejável, mas transgressor e doloroso. Para os elitistas, é impossível ignorar a forma como outros degradam o que é para eles uma intensa experiência estética e emocional. Compreendo agora.” No entanto, Simon continua e diz que os parques nacionais não lhe pertencem só a ela e que os mais populares entre eles são um importante ponto de entrada para pessoas que escolheram lá estar, porque significava algo para elas. Um dia, algumas delas poderão experimentar um outro parque, mais remoto e ‘difícil’.

Ou um museu. Ou um teatro. Ou um concerto. Os nossos conhecimentos e a nossa experiência é algo que construímos. De acordo com as nossas necessidades, de acordo com o contexto em que nos encontramos. Assisti a concertos de música clássica em silêncio absoluto, juntamente com pessoas que ‘sabiam exactamente quando aplaudir’ e saboreando a última nota tocada até desaparecer e poder (podermos) começar novamente a respirar. Mas gostei igualmente de concertos de música clássica ao ar livre, juntamente com centenas de pessoas a fazer picnic sentadas na relva e a conversar sobre tudo, relacionado ou não com o que se passava no palco.

Sem dúvida, não é sempre fácil dar resposta a necessidades diferentes no mesmo espaço. Na verdade, foi sempre um desafio. Mas há duas coisas que me parecem importantes: 1. Reconhecer que existem necessidades diferentes; e 2. Não julgar uma forma de experiência mais válida ou significativa do que outra. Isto aplica-se aos profissionais da cultura. Aplica-se a espectadores e visitantes também.


Ainda neste blog

Como toma o seu El Greco?

Elitismo para todos

Qual o problema com a música clássica? Aparentemente nenhum…

Livres de visitar um museu de arte

Museus: as novas igrejas?

Simon Fairclough, Orquestras em apuros: será mesmo?


More readings

James Durston, Why I hate museums

Mark Tapson, Should museums be more entertaining?

Peter Funt, Theatre for Twits

Richard Dare, The Awfulness of Classical Music Explained



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