Sunil Vishnu é o homem que seguiu o seu
sonho: fazer teatro. Juntamente com um amigo da faculdade fundou EVAM em 2003
na cidade de Chennai, Índia. Como organização independente, a EVAM enfrenta uma
série de desafios para sobreviver, crescer e manter a qualidade do seu
trabalho. O que é que isto significa exactamente para uma companhia de teatro
na Índia, onde os apoios do Estado são muito baixos, o mecenato para a cultura
quase inexistente e onde existe um desinteresse geral relativamente às artes?
Sunil ficou surpreendido ao descobrir que havia um ‘poço’ de interesse, carinho
e dinheiro mesmo ali para a EVAM e partilha aqui connosco a sua experiência e
aprendizagens. mv
A equipa da EVAM. |
Quando comecei a escrever este artigo e
estava a pensar num título achei que este, inspirado num provérbio, seria
perfeito, porque descreve, para mim, o estado dos fazedores de arte no mundo. O
provérbio fala da vontade humana – a única coisa que faz um artista continuar,
apesar dos desafios que enfrenta – e o ‘poço’ – os meios que lhe permitem criar
arte e partilhá-la com o público, ou seja, financiamento e recursos. Ao longo
dos anos, a vontade permanece a mesma, mas os poços secaram. A solução neste
momento não é cavar mais fundo ou encontrar novos poços, mas ir ter com todas
as pessoas na aldeia que têm água e pedir-lhes para a partilharem contigo,
partilhando assim a propriedade do seu sonho. É isto que o mundo chama crowdfunding
e é neste contexto que escrevo este artigo.
Como é que sobrevivem e crescem os artistas
e as organizações culturais independentes? Vejamos a minha organização, a EVAM. A EVAM é uma próspera organização artística que procura criar um impacto
positivo na vida das pessoas usando como meio o teatro, através de
espectáculos, a gestão de eventos artísticos e a educação. No ano em que
festejamos o nosso 10º aniversário e tendo evitado com sucesso a ameaça de
fecharmos, olho para as várias fontes de financiamento que tivemos ao longo dos
anos. Começámos por investir o nosso dinheiro (2 Lakhs – 3000 USD) em 2003.
Seis meses depois tivemos o nosso primeiro patrocinador (o banco privado HSBC)
e pensámos em adoptar o modelo da publicidade, onde as marcas procurariam a
EVAM como meio para chegarem a potenciais clientes. A receita de bilheteira e
os patrocínios sustentaram-nos até 2004. Nesse ano decidimos fazer espectáculos
para outras organizações cobrando um determinado preço e lançámos, juntamente
com outras entidades, o Hindu MetroPlus Theatre Fest, sendo que a gestão de eventos artísticos e festivais passou a ser a nossa
nova fonte de receitas. Em 2009 iniciámos os projectos educativos, realizando
workshops e adicionando uma nova fonte de financiamento. Tudo isto sem nos
dirigirmos ao Estado – cujo apoio para as artes é, de qualquer maneira, fraco.
Esta foi uma opção. Chamem-na ego, auto-estima ou imprudência, queríamos fazer
o nosso trabalho à nossa maneira, sem comprometermos a criação artística.
Depois, apercebemo-nos que os nossos
sonhos estavam a tornar-se maiores, mas que o poço estava a secar. Procurámos
outros poços, mas outros artistas estavam a fazer o mesmo. Foi nessa altura que
iniciei o meu fellowship no Kennedy Center em Washington. A primeira
grande aprendizagem teve a ver com o mecenato cultural. A Índia não tinha nem a
cultura nem o apetite para isso. Existe uma apatia geral no que diz respeito às
artes, que são também entre as disciplinas menos preferidas no nosso sistema
educativo. Apesar disto, sabia que tínhamos uma ‘família’ de públicos e de
pessoas importantes na sociedade que poderiam querer contribuir financeiramente
e participar na ‘viagem’ da nossa organização, não como investidores a tempo
inteiro ou patrocinadores, mas mais como um ‘convidado especial’ num filme.
Foi aqui que as aprendizagens do fellowship
(sonhar alto – concentrar em arte de excelência – partilhar o sonho com a tua
família – tornar a família parte) vieram em primeiro plano: os membros da minha
família não podiam patrocinar um dos meus espectáculos, mas podiam dar algum
dinheiro como indivíduos para um projecto específico se acreditassem nele. Foi
nessa altura, em 2012, que uma ONG chamada Nalandaway lançou um novo portal de crowdfunding,
Orange Street,
que oferecia aos artistas uma plataforma para apresentarem projectos
relacionados com uma causa e procurarem financiamento. Inicialmente, fui
céptico. Porque é que um membro do público, que gasta neste momento 1000 rupias
(16 USD) por ano para ver os meus espectáculos, me daria dinheiro para criar algo, se poderia contribuir
directamente para a causa? No entanto, avançámos e criámos um vídeo, explicando
o que estávamos a fazer e porque é que estávamos à procura de financiamento. O
nosso projecto era a criação de uma peça, The long way home por Shekinah Jacob, que iríamos apresentar em todo o país e
sensibilizar relativamente ao tráfico de crianças.
Precisávamos de 5 lakhs (8000 USD) para realizar o projecto. Horas depois de o colocar na plataforma, alguém investiu 5000 rupias (80 USD) e ficámos boquiabertos. Apenas no primeiro dia recebemos 7500 rupias (120 USD) de pessoas que nem sequer conhecíamos! Ao mesmo tempo, iniciámos uma campanha interna: começámos a telefonar, enviar emails e sms a todos os nossos stakeholders, pessoas que conhecíamos, membros do público; pusemos um anúncio no Facebook, no Twitter e no nosso website. Lentamente mas continuamente as contribuições cresceram, isto era mesmo possível!
Mas chegou o tempo em que esgotámos
todos os contactos que poderíamos fazer e o poço parecia estar a secar
novamente. A minha equipa estava ocupada a preparar o espectáculo e fazer
muitas outras coisas e não tinha mais tempo para a campanha. A nossa acção
perdeu momentum e pensámos “OK, talvez seja tudo o que possamos fazer”.
Foi nesse momento que a banda Jersey Rhythmes nos telefonou de New Jersey e disse: “Olhem, queremos contribuir, vamos fazer um espectáculo de angariação de fundos para vós!”. Ficámos estupefactos! Uma banda de New Jersey que não nos conhecia estava, realmente, a acompanhar a nossa campanha na Índia e queria contribuir! De repente, a minha organização apercebeu-se que este movimento era maior do que nós os 9 no escritório. Ganhámos de novo fôlego e assegurámo-nos que a campanha para a angariação de fundos fosse introduzida no nosso dia-a-dia: tínhamos uma campainha que tocava sempre que fosse feito um novo donativo. Nos dois meses seguintes os Jersey Rhythmes angariaram mais de 75000 rupias (1200 USD). The long way home foi produzido e apresentado em toda a Índia, conseguindo sensibilizar relativamente à causa que procurou apoiar.
Tínhamos encontrado uma nova fonte de energia, entusiasmo e fundos. A nossa família (nomeadamente, os membros do público, organizações parceiras, indivíduos interessados em nós, patrocinadores, etc.) estava disposta a investir nos nossos projectos dentro das suas pequenas possibilidades, se nós mostrássemos abertura para partilharmos o nosso sonho com ela. Um ano depois, no verão de 2013 e, mais uma vez, através do crowdfunding, conseguimos enviar 150 crianças carenciadas a um campo de férias para as artes. O nosso objectivo para 2014 é recorrer ao crowdfunding para a produção de um filme e uma peça que será puramente “arte pela arte e não arte por uma causa”. Iremos confiar na teoria que diz que o crowdfunding é, talvez, o primeiro grande passo na direcção do mecenato cultural na Índia.
Foi nesse momento que a banda Jersey Rhythmes nos telefonou de New Jersey e disse: “Olhem, queremos contribuir, vamos fazer um espectáculo de angariação de fundos para vós!”. Ficámos estupefactos! Uma banda de New Jersey que não nos conhecia estava, realmente, a acompanhar a nossa campanha na Índia e queria contribuir! De repente, a minha organização apercebeu-se que este movimento era maior do que nós os 9 no escritório. Ganhámos de novo fôlego e assegurámo-nos que a campanha para a angariação de fundos fosse introduzida no nosso dia-a-dia: tínhamos uma campainha que tocava sempre que fosse feito um novo donativo. Nos dois meses seguintes os Jersey Rhythmes angariaram mais de 75000 rupias (1200 USD). The long way home foi produzido e apresentado em toda a Índia, conseguindo sensibilizar relativamente à causa que procurou apoiar.
Tínhamos encontrado uma nova fonte de energia, entusiasmo e fundos. A nossa família (nomeadamente, os membros do público, organizações parceiras, indivíduos interessados em nós, patrocinadores, etc.) estava disposta a investir nos nossos projectos dentro das suas pequenas possibilidades, se nós mostrássemos abertura para partilharmos o nosso sonho com ela. Um ano depois, no verão de 2013 e, mais uma vez, através do crowdfunding, conseguimos enviar 150 crianças carenciadas a um campo de férias para as artes. O nosso objectivo para 2014 é recorrer ao crowdfunding para a produção de um filme e uma peça que será puramente “arte pela arte e não arte por uma causa”. Iremos confiar na teoria que diz que o crowdfunding é, talvez, o primeiro grande passo na direcção do mecenato cultural na Índia.
Entretanto, aqui estão algumas coisas
que aprendi ao longo da viagem:
Para angariar fundos e criar projectos
através de crowdfunding
a) Criar um projecto genuíno – colocá-lo
num site genuíno, as pessoas conseguem identificar um projecto falso;
b) Criar um pedido forte – qual o projecto,
qual o impacto que vai ter e como, porque é que o estamos a fazer e onde é que
vai ser usado o dinheiro, e, assim, porque é que uma pessoa devia fazer um
donativo para o projecto;
c) Ter sempre um tempo-limite para a
realização da campanha – dependendo do montante, 3 meses a 2 anos; também, ser
específico sobre o que se está a pedir (por exemplo, “Invista por favor 500
rupias no projecto até 15 de Janeiro
de 2013”);
d) Não fazer disto a única fonte de
receita para o projecto;
e) Usar a equidade da plataforma (o
website) para criar notoriedade;
f) Apontar os nomes das pessoas que
investem, dar-lhes feedback e agradecer. Fazê-las parte do projecto da
forma como elas preferem (poderá ser tão simples como mantê-las a par via email
ou tão ‘complicado’ como fazer visitas gratuitas aos bastidores);
g) Não se envergonhar em pedir dinheiro –
estamos a pedir às pessoas para partilharem o nosso sonho, estão a fazer um
investimento; na verdade, são quase co-produtores do projecto;
h) As pessoas precisam de sentir que fazem
parte e que são importantes -
satisfazer ambas essas necessidades através da relação com elas;
i) Criar um plano de comunicação e
envolver várias pessoas que possam apoiar o projecto; as celebridades são muito
bem-vindas…;
j) Internamente, manter a equipa motivada,
dar incentivos para continuar; recompensá-la, reconhecer o seu esforço – de
outra forma, é um trabalho muito ingrato!
As pessoas
contribuem quando
a) Gostam de nós como pessoas e querem
participar na nossa viagem;
b) Gostam da nossa organização e da sua
missão;
c) Acreditam no impacto que o projecto vai
ter nas pessoas;
d) Não podem fazer o que nós estamos a
fazer – assim, querem viver isto através de nós!
Como disse, onde há vontade, há um
poço… Podemos ir e cavar poços, mas não podemos esquecer-nos dos rios e riachos
e lagoas e mares que são as pessoas à nossa volta. Convidem a vossa família a
fazer parte da vossa viagem, ficarão surpreendidos com o amor e confiança que
vos vão inundar.
Sunil Vishnu K é co-fundador, CEO e director artístico de EVAM, uma premiada companhia de teatro empreendedora. Fundada em 2003 por Sunil e Karthik Kumar, a
EVAM é hoje em dia um próspero negócio artístico que conta com 10 anos de vida
e que apresenta espectáculos, gere eventos artísticos e trabalha na educação
artística. Sunil recebeu o prémio Performing Arts Entrepreneur
do British Council em 2010 e concluiu o Summer Arts Management Fellowship do
Devos Institute of Arts Management no Kennedy Center for the Performing Arts em
2013.
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