Monday 11 November 2013

Auto-barómetro

Todas as imagens retiradas do Facebook da Accion Poetica.
O Eurobarómetro realizou um estudo sobre Acesso e Participação Cultural (relatório completo e sumário). O último estudo tinha sido realizado em 2007, antes da crise atingir a Europa, por isso, este estudo mais recente pode ajudar-nos a compreender os efeitos da crise nos hábitos e práticas culturais das pessoas.

Falando em termos muito-muito gerais, e no que diz respeito a Portugal, os resultados mostram que a participação dos portugueses está abaixo da média europeia em todas as actividades consideradas no estudo, tanto em termos de visitação / assistência como em termos de envolvimento em actividades culturais. As maiores diferenças registam-se na leitura de livros (UE: 68%; PT: 40%), visitas a monumentos e sítios históricos (UE: 52%; PT: 27%) e idas ao cinema (UE: 52%; PT: 29%).



A principal barreira ao acesso referida pelos europeus foi a falta de interesse e a falta de tempo. Para os portugueses, a falta de interesse foi a principal razão de não participação, registando uma percentagem mais alta que a da média europeia em todas as actividades consideradas no estudo. As actividades que menos interessam aos portugueses em relação aos restantes europeus são a leitura de livros (PT: 49%; UE: 25%), a visita a museus e galerias (PT: 51%; UE: 35%) e a visita a monumentos e sítios históricos (PT: 44%; EU: 28%).

A razão porque queria escrever hoje sobre o estudo do Eurobarómetro não é analisar gráficos e resultados. É questionar como é que vamos interpretá-los e o que vamos fazer a partir daqui, sendo profissionais da cultura. Os resultados foram sobretudo recebidos com pessimismo ou algum fatalismo; com afirmações como “Somos um país de incultos” ou “Os portugueses não querem saber, não se interessam, acham que não vale a pena” – com uma certa acusação implícita, pensei, do género “Vale a pena fazer qualquer coisa que seja para esses ignorantes e ingratos?”.


Confesso que fiquei cheia de perguntas, algumas permanentes, frequentemente discutidas neste blog, independentemente da existência de estudos formais. Tentando agrupá-las, penso que se resumem em duas grandes questões:

1ª Questão: Quão larga terá sido a definição de “participação cultural” no estudo? Terão sido apenas considerados a visitação / assistência e o envolvimento com o que podemos chamar “instituições culturais formais”?

Depois de ter acesso ao relatório completo e ao questionário, fiquei contente em ver que a definição não tinha sido estreita (considerou a participação através da Internet e actividades como a dança ou a fotografia ou os trabalhos manuais). No entanto, não tenho a certeza se, da forma como foi feita a pergunta, ajudou os inquiridos a considerar as suas actividades numa perspectiva mais ampla (quantas pessoas, por exemplo, terão pensado que o facto de terem dançado num casamento ou num club constitui uma forma de participação cultural?). Os estudos “Public Participation in the Arts” do National Endowment for the Arts, realizados de quatro em quatro anos nos EUA, disponibilizam-nos este género de detalhes relativamente a “o que exactamente; onde exactamente; como exactamente” – todos os relatórios estão disponíveis online, mas vejam, por exemplo, o último relatório completo de 2008 (alguns destaques aqui), ou os destaques do estudo de 2012, sendo que o relatório completo será disponibilizado em 2014.


No que diz concretamente respeito à participação na Internet, deveríamos destacar o facto dos portugueses usarem este meio numa percentagem acima da média europeia para jogar jogos no computador (+11%), para colocar os seus próprios conteúdos culturais online (+3%), para ouvir música e rádio / fazer o download de música / ler e consultar blogs culturais (+1%).

2ª Questão: Estarão as pessoas pouco interessadas na cultura em geral ou no género de cultura que as “instituições culturais formais” lhes oferecem? Estaremos a programar tomando em consideração as pessoas - os seus interesses, preocupações, conhecimentos prévios, perguntas, necessidades, barreiras práticas e psicológicas que as possam manter afastadas? Iremos alguma vez questionar a forma como fazemos as coisas e a sinceridade da nossas afirmação “Somos para as pessoas”?


Alguns factos pessoais: por vezes, consulto a agenda de exposições em museus e, a julgar pelos títulos, nada soa suficientemente emocionante ou interessante para visitar; um grande número de concertos e intérpretes, de todos os géneros musicais, é promovido como “o melhor do mundo”, mas isto simplesmente não chega para tomar a decisão de comprar um bilhete, uma vez que o mundo está tão cheio de “os melhores” artistas; no que diz respeito a artistas menos conhecidos, a grande maioria das instituições que os apresentam comportam-se como se devêssemos todos conhecê-los já, não acrescentando absolutamente nada ao título e/ou nome.

Portanto, isto pode ser um problema meu como consumidora. Mas pode também ser um problema das instituições culturais que desejam comunicar comigo (pelo menos, dizem que o desejam): o problema de escolher títulos interessantes e inspiradores; o problema de escolher temas (quero dizer, histórias) que possam atrair um público mais diversificado, menos especializado; o problema de tentar atrair mais pessoas usando a informação básica compreendida apenas por poucos; mas também a necessidade (diria, a obrigação) de perceber o que é que as pessoas optam por fazer nos seus tempos livres e porquê. Porque, quando eu, como pessoa / consumidora, não vou aos vossos concertos / exposições / peças de teatro / festivais, não é “simplesmente” porque sou inculta, desinteressada, ignorante ou ingrata (e, francamente, não gosto de vos ouvir dizer isso sobre mim…). Pode ser porque outros tenham sido mais sinceros no seu desejo em comunicar comigo e tenham feito um trabalho melhor em chamar a minha atenção e ganhar o meu interesse e tempo precioso.  

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Em 1996, os mexicanos não liam, em média, mais que um livro por ano. O escritor Armando Alanis Pulido, preocupado com o declínio da literatura e da poesia, e ainda com o preconceito de que a poesia era opaca, difícil de ler e de entender, virou-se para as paredes das cidades, numa tentativa de tornar a poesia parte do dia-a-dia das pessoas. Iniciou um movimento chamado Accion Poetica. Desde aquela altura, a iniciativa espalhou-se em mais 20 países da América Latina e até atravessou o Oceano Atlântico. No outro dia, o jornal Le Monde apresentava este título: As paredes da América Latina falam de amor. A assinatura uma, única: Accion Poetica.

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