Quando fui convidada
para ver X&Y pela companhia Pál Frenák em Budapeste no passado mês
de Abril, não sabia que a nova gestora artística iria ser minha colega no
fellowship do Kennedy Center no verão seguinte. Assim, quando vi Dóra Juhász
pela primeira vez em Washington era como se estivesse a encontrar uma velha
amiga. Dóra é jovem, cheia de energia, ideias e ambição. Pedi-lhe para escrever
para este blog não só porque gostei muito do trabalho da companhia, mas também
pela relação especial que esta mantém com públicos surdos. mv
InTimE, Compagnie Pál Frenák |
O coreógrafo Pál
Frenák tem uma expressão francesa especial para explicar aos seus bailarinos o
que quer ver e o que quer alcançar durante o processo de criação: o frágil
equilíbrio do “juste”. Quando o movimento, a presença e o conteúdo emocional em
palco está “juste”; não mais, nem menos; suficiente e preciso; não criado pela
rotina, não tímido ou esquecível, nem demasiado expressivo ou exagerado.
“Juste” a intensidade que é precisa naquele momento, resultado de uma pesquisa
profunda do corpo e da alma dos bailarinos, depois de semanas de improvisação e
experimentação. Quando se atinge esse momento, temos de o reconhecer, de o
cativar e manter, porque é precisamente o que precisamos. “Juste”.
Depois trabalhar numa grande
instituição de arte contemporânea durante 6 anos, com esquemas claros e
definidos e estruturas já criadas, foi realmente inspirador para mim chegar à
companhia de dança contemporânea franco-húngara, a Compagnie Pál Frenák (aqui e aqui), uma companhia independente internacionalmente
reconhecida, que existe há 15 anos e que tem uma pequena equipa de gestão.
Cheguei num momento em que a política cultural húngara está a mudar, a cena
contemporânea de dança e teatro está a perder grande percentagem do seu
orçamento anual e do subsídio estatal, enquanto não existe de todo no país uma
tradição de financiamento de fontes privadas para a arte contemporânea. Passo a
passo, tive que perceber o quanto é crucial encontrar o frágil equilíbrio,
neste caso, criar uma estratégia de gestão adequada e apropriada para a minha
organização neste momento específico, compreensível para os meus próprios
artistas, mas inovadora, corajosa e adaptada às necessidades e ao contexto. Uma
estratégia de gestão que fosse… “juste”.
Como é que se pode
fazer isto? Como é que todos os nossos conhecimentos de gestão se podem
transformar em algo que possa ser novo, provocantemente novo, e, ao mesmo
tempo, sustentável, porque respira juntamente com a nossa companhia? Indo mais
a fundo, explorando padrões na forma como os artistas trabalham e usá-los como
fonte de inspiração para criar uma estratégia, uma campanha ou um
projecto.
SAIR DA ZONA DE CONFORTO, CRIAR
DESEQUILÍBRIO
A infância de Pál Frenák foi marcada pelo facto dos seus
pais terem uma deficiência auditiva e de fala profunda, o que fez com que a
língua gestual fosse o seu primeiro meio de expressão. Isto tornou-o
especialmente receptivo à mímica e aos gestos e a todas as outras formas de
exprimir conteúdo com a ajuda do corpo humano. Para o Pál Frenák, a melhor
técnica é simplesmente o mínimo. Procura, literalmente e fisicamente,
desequilibrar os seus bailarinos e motivá-los a sair da sua zona de conforto e
esquecer completamente a técnica aprendida.
Língua gestual, deixar a zona de conforto, criar
circunstâncias físicas e mentais onde acontecem momentos de (auto)reflexão
(claro que trabalhar com pessoas com deficiências auditivas tem sido uma parte
importante da missão da companhia desde o princípio)… mas como é que estas
componentes e forma de pensar podem influenciar a construção da estratégia dos
nossos projectos de envolvimento dos públicos e estratégia educativa a longo
prazo?
A equipa em Kunsthalle. |
Criámos um pacote educativo para o nosso espectáculo Twins,
onde convidámos adolescentes com e sem deficiências auditivas; durante o
workshop de preparação nas escolas, trabalhámos intensivamente com eles em
pequenos grupos separados – jogando jogos associativos, exercícios de movimento
baseados na coreografia e o tema principal da peça – e todos os grupos
trabalharam em conjunto com um especialista em drama com deficiência auditiva -
que comunicava através da língua gestual -, um tradutor e um dos bailarinos da
companhia. Finalmente, todos os grupos encontraram-se no espectáculo e houve
também um workshop pós-espectáculo, onde todos participaram, e que combinava
língua gestual e expressões verbais-vocais, usando o cenário do espectáculo.
Depois disto, os nossos bailarinos visitaram os alunos nas suas escolas para um
follow-up.
Organizamos regularmente conversas pós-espectáculo, onde
grupos de pessoas com deficiências auditivas também participam, comunicando
directamente com o coreógrafo em língua gestual – há um intérprete para o
restante público. Porque é que isto é tão importante? Porque, tal como na sala
de ensaios, estamos a criar fisicamente um desequilíbrio que provoca o
pensamento para a maioria das pessoas na audiência, onde precisam de enfrentar
uma situação em que se tornam numa minoria. Esta é a lógica e o quadro para a
construção dos nossos projectos de envolvimento e desenvolvimento de públicos a
vários níveis, com base no que se passa na sala de ensaios com os artistas,
concentrando-nos sempre na procura de uma forte ligação entre a parte artística
e a parte estrutural dos nossos projectos.
COMBINAÇÃO DA IDENTIDADE
E DO FOCO DA ESTRATÉGIA
Na nossa estratégia
de marketing envolvemos os nossos próprios bailarinos e convidamos fotógrafos e
realizadores a criar conteúdos promocionais pessoais e únicos com material que
encontram nos bastidores – por um lado, é uma boa forma de envolver o nosso
público e trazê-lo mais próximo da vida diária da companhia Pál Frenák; por
outro lado, está ajustado à equipa: como no processo criativo, o coreógrafo
compõe os elementos de uma peça com base na personalidade dos bailarinos, e
eles ficam mais ligados emocionalmente, envolvendo-os na estratégia de
marketing cria a possibilidade de uma forma muito honesta e única de
comunicação do nosso produto artístico também, e é mais que inspirador
pensarmos em conjunto o até onde podemos chegar juntos.
O mesmo acontece com a nossa estratégia de fundraising e de assinaturas. A nossa companhia não tem o seu próprio espaço, por isso colaboramos com vários teatros. O que significa que podemos essencialmente oferecer aos nossos patrocinadores uma vista sobre a vida da companhia, em vez de, por exemplo, descontos no parque de estacionamento. Mas, para termos uma estrutura sustentável, quando optamos por uma forma ou evento para envolver os nossos futuros mecenas, precisamos de ver com atenção quem somos como companhia, mantendo-nos verdadeiros, honestos e livres. Se a companhia nunca quis organizar uma festa de ano novo, mas se existe, por outro lado, uma bonita tradição de nos juntarmos no 2 de Janeiro, é importante usarmos este evento para fundraising. Em alguns casos, vamos fazer picnics no parque com coreografias site-specific, em vez de organizarmos jantares formais, porque é isto o que somos; uma colecção de sacos criada por um designer de moda sobre uma peça, em vez de lápis ou ímans com logos como merchandising; porque é esta a nossa maneira.
Estamos, claro, a meio do processo, mas explorarmos juntos
a identidade da companhia e encontrarmos ferramentas de gestão para estes
elementos é, de alguma forma, uma actividade a longo prazo de construção de
equipa, e também um desafio fantástico. Neste caso, a construção de uma
estratégia de gestão é, realmente, um processo criativo – paralelo ao
artístico. E quando tudo se compõe, quando a estratégia de gestão está
sincronizada com a área artística e as duas encontram mutuamente a inspiração,
quando está certo… não mais, nem menos do que precisamos… é a isso que
chamamos… sabem… “juste”.
Dóra Juhász é Gestora Artística da Compagnie Pál Frenák em
Budapeste, Hungria. Coordena o planeamento estratégico, as relações internacionais,
o branding, as digressões, o desenvolvimento de públicos, os patrocínios e o fundraising.
Entre 2006 e 2012, foi Responsável de Imprensa e Comunicação para a Casa Trafó
de Arte Contemporânea (Budapeste). É membro da Associação Húngara de Críticos de
Teatro e dá regularmente palestras e participa em conferências em todo o mundo.
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