Monday 18 November 2013

Blogger convidado: "Círculos de apoio", por Kateryna Botanova (Ucrânia)

Os meus dois amigos e colegas ucranianos, Ihor Poshyvailo e Kateryna Botanova, são a representação viva daquilo que é a Ucrânia hoje em dia. Um país que deseja fortemente preservar as suas tradições e destacar, assim, a sua distinta identidade cultural; um país determinado em olhar para a frente e para fora, em marcar a sua posição no mundo contemporâneo, livre de ideologias controladoras e de ofertas de “protecção”. Ihor escreveu para este blog no ano passado. Agora, é a vez da Kateryna partilhar connosco as suas ideias, ansiedades e, sobretudo, o enorme e consistente trabalho que ela e o resto da pequena equipa do Center for Contemporary Art tem estado a desenvolver, determinados em lutar contra as suas inseguranças e de ultrapassar os obstáculos para cumprirem a sua missão e assumir em pleno as responsabilidades que traçaram para eles próprios no sector cultural do seu país. mv

SPACES: Architecture of Common, CSM, 2013. Foto: Kosti​antyn Strilets, © CSM
A Ucrânia é um país peculiar onde a palavra “independente” significa algo completamente diferente do que no resto da Europa. Aqui, “cultura independente” e “instituição cultural independente” não estão apenas livres do controlo ideológico e/ou político do governo ou de qualquer outra entidade pública, mas são também definidas como não sendo dependentes de qualquer tipo de apoio financeiro público – porque não há.

Ser uma instituição cultural independente na Ucrânia significa escrever a sua própria missão de servir a comunidade, ser suficientemente corajoso para ver as lacunas na política cultural do Estado e tentar preenchê-las da melhor forma que puder, e ser completamente responsável pelo seu próprio futuro – financeiro e profissional.

No Foundation Center for Contemporary Art (CSM), Kiev, Ucrânia, começamos os nossos encontros mensais de planeamento com uma pergunta – para quem estamos a fazer isto? A nossa declaração de missão define que trabalhamos para criar uma plataforma de possibilidades para os profissionais da cultura – artistas, críticos, arquitectos, escritores, etc. – para promover a comunicação interdisciplinar, a experimentação e a inovação. Mas como é que o fazemos? Como é que sustentamos o seu trabalho quando o acesso à cultura está limitado - e, por isso, a apreciação por ela também – e não há apoios disponíveis, públicos ou privados? Quem pode criar círculos de compreensão e construir apoio para este género de arte?

O CMS é uma instituição independente e sem fins lucrativos criada em 2009, sucessor do Center for Contemporary Art estabelecido por George Soros em 1993, como parte da rede de centros de arte criada por Soros em toda a Europa Central e Oriental. Poucos sobrevivem hoje, sobretudo devido à falta de financiamento. O CSM sobreviveu graças a uma reestruturação significativa – de uma instituição grande, que tinha como objectivo apresentar o trabalho e promover a formação de artistas, para uma pequena e flexível equipa curatorial que procura promover produções experimentais, a crítica e o desenvolvimento de públicos.

Em 2010, um ano após esta transformação, quando tivemos que deixar de repente a nossa sede numa das principais universidades da capital e mudar-nos literalmente “underground”, para a cave de um prédio, Art Ukraine, uma das mais importantes revistas de arte na Ucrânia, incluiu o CSM na lista dos 10 mais importantes instituições artísticas da Ucrânia, destacando “o verdadeiro renascimento do CSM no sentido de se tornar uma das instituições mais activas”. Percebemos que a decisão desconfortável de continuarmos como uma instituição pequena - com base na convicção que é possível e necessário trabalhar nesta área onde nem as corruptas instituições estatais nem o ofensivo capital privado queiram entrar - estava certa.

SEARCH: Other Spaces. Workshop de Anton Lederer, CSM, 2012. Foto: Dmitro Shklyarov, © CSM 
A ideia de continuar a trabalhar – fazendo projectos multidisciplinares em espaços públicos, apresentando iniciativas e programas educativos e de auto-formação, criando novos espaços para o trabalho conjunto de artistas e públicos, fazendo pesquisa em história de arte e políticas culturais - foi importante. O CSM foi e ainda é um exemplo de resiliência e de criação de mudança. Enquanto nós estivermos a trabalhar, as instituições culturais independentes neste país poderão trabalhar também. É difícil, mas é possível.

Quanto mais longe vamos, melhor percebemos que, por enquanto, a maior mudança está na criação de círculos de apoio e compreensão dos públicos: apoio à cultura contemporânea e às ideias que esta articula – criando acesso não apenas aos produtos culturais, mas ao pensamento sobre o mundo em que vivemos e a sua compreensão através da cultura.

Foi em 2010 que nós no CSM tivemos a ideia de lançar uma plataforma para a reflexão crítica e a compreensão dos desenvolvimentos culturais contemporâneos – a revista digital Korydor. Criada inicialmente como uma ferramenta para a comunidade artística poder escrever e debater eventos, questões e problemas, conseguiu dentro de três anos reunir mais de 6000 leitores por mês. Quando tomámos a decisão no verão passado de lançar uma campanha de crowdfunding para a Korydor, tínhamos dúvidas e receio. A quem estamos a dirigir-nos? Os leitores de uma revista intelectual, num país sem tradição de pagar por produtos culturais, precisariam dela o suficiente para a apoiar financeiramente? Se conseguíssemos, o que é que este apoio significaria para a Korydor? Como é que a revista ia mudar? Como é que nós íamos mudar?

Mais de 200 pessoas apoiaram a Korydor, excedendo o objectivo inicial da campanha. Em três meses aumentámos o número de leitores em 20%, conseguindo mais e mais da comunidade artística para dar à comunidade de pessoas que querem que a arte faça parte da sua vida. As contribuições eram frequentemente acompanhadas pelo seguinte comentário: “(mesmo que não estivéssemos a ler a revista antes) estão a fazer algo tão importante, por favor, continuem!”.

A Korydor foi o primeiro meio de comunicação na Ucrânia que foi apoiado via crowdfunding. Seguiram-se outros, como o Public Radio, uma iniciativa independente que atingiu recentemente o seu objectivo de crowdfunding.

Project "Working Room" with Anatoliy Belov, CSM, 2013. Foto: Kostiantyn Strilets, © CSM
O CSM está a dar mais um passo no sentido de alargar o seu círculo de apoio. Daqui a três semanas, em colaboração com o Kyiv-Mohyla Business School, vamos lançar o primeiro programa especial para estudantes de MBA que permitirá a gestores de empresas falar, ver, ouvir e aprender com artistas ucranianos de diferentes géneros e gerações. Tentaremos pensar o nosso futuro juntos e ver como é que podemos todos permanecer independentes no nosso pensamento, expressão e compreensão mútua de quaisquer interesses restritos e necessidades medonhas. 


Kateryna Botanova é crítico de arte, curadora, investigadora em cultura contemporânea e políticas culturais, tradutora. Desde 2009, é a Directora do Foundation Center for Contemporary Art em Kiev, fundadora e editora principal do jornal cultural Korydor. Membro do Conselho Consultivo do festival FLOW (desde 2009), European Cultural Parliament (desde 2007), Vienna Seminar steering group (Erste Foundation, 2012), Public Council of Junist at Andrijivsky project (desde 2012), comissão de peritos do prémio PinchukArtCenter para Jovens Artistas ucranianos. A Kateryna trabalha na área do envolvimento social da arte nos processos transformativos das sociedades. Dá aulas e escreve sobre arte contemporânea, gestão cultural e crítica cultural. É Mestre em Estudos Culturais pela National University of Kyiv-Mohyla Academy. Em 2009 a sua tradução de Culture and Imperialism de Edward Said recebeu o prémio Ukrainian Book of the Year.

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