Monday 31 May 2010

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Na semana passada foi revelada a nova obra de arte que irá ocupar o chamado ‘quarto plinto da Trafalgar Square em Londres. Chama-se “Nelson´s ship in a bottle” (O navio de Nelson numa grarrafa) e é obra do artista Yinka Shonibare. Li vários artigos no jornal Guardian a propósito desta nova obra, mas aquele que mais me chamou a atenção intitulava-se “Do black artists need special treatment?” (Os artistas negros precisam de tratamento especial?). A autora do artigo, Munira Mirza, questionava até que ponto hoje em dia faz sentido falar de “black art”, porque é que ainda assumimos que ser-se negro significa ser-se marginal, qual é a vantagem para a arte e os artistas (e o público, acrescentaria eu) continuarmos a falar de ‘diversidade’ procurando definir a cultura em categorias rígidas, privando-a de fluidez, de liberdade.

A procura da diversidade e da representatividade tem sido uma grande preocupação em países como o Reino Unido, e muito particularmente, mas não exclusivamente, na cidade de Londres. Uma cidade multi e intercultural, para onde cada um de nós leva o seu mundo e mistura-o com o dos outros. A procura da diversidade e da representatividade tem definido as políticas das últimas décadas em várias áreas. No entanto, Munira Mirza questiona se, depois de tantos anos e dado que o mundo entretanto mudou bastante, não fará mais sentido deixar de classificar a diversidade com base na cor. “As barreiras hoje em dia”, diz Munira Mirza, “têm como base sobretudo a classe – rendimento, redes, educação. E isto afecta muitos brancos também.”

Enquanto lia o artigo, pensava: agora, substitui a palavra ‘negros’ por ‘deficientes’. E pergunto: Os artistas deficientes precisam de tratamento especial? Por grande coincidência, nesse mesmo dia saiu um artigo no jornal Le Monde intitulado “Danse avec des béquilles” (Dança com canadianas
). “Qual é o lugar da dança na sua vida, da deficiência na sua dança”, perguntavam ao bailarino Ali Fekih. “Há vinte anos que danço”, respondeu, “e que sou confrontado com a estigmatização da deficiência. É sempre a mesma história e evidentemente um perigo de nos fecharmos na deficiência. É uma realidade, mas isto não nos impede de fazermos o nosso trabalho. Somos artistas antes de sermos deficientes, o que alguns por vezes esquecem”.

Muitos de nós olhamos para os artistas deficientes com um misto de admiração, pela luta que têm que travar para chegarem onde querem chegar, e de compaixão, pelas limitações que nos parece que a deficiência irá sempre impor, não lhes permitindo chegarem ao nível de outros artistas. Quem trabalha na área da Comunicação, raras vezes resiste à tentação de destacar a deficiência para chamar a atenção dos meios de comunicação e do público. Quais as expectativas deste último? Normalmente, não tão grandes como se se tratasse de artistas ‘normais’. A tendência é dar um desconto.

Quem beneficia desta abordagem? Provavelmente ninguém. Porque os artistas com deficiência, como já vimos, querem ser primeiro vistos como artistas. A sua luta é a luta de todos os que querem chegar algures. Com algumas diferenças, sem dúvida, mas nada a que não sejam habituados. Não são raras também as vezes que os programadores perdem a oportunidade de apresentar um excelente espectáculo porque tinham já programado um espectáculo com deficientes numa determinada temporada e, quotas preenchidas, não vão programar mais um. Por último, o público, pronto a manifestar a sua admiração/compaixão, pronto a dar o desconto, pouco interessado, de resto, em assistir a um espectáculo que espera que seja perturbador, de alguma forma, e de menor qualidade.

Mas às vezes, ganha-se. Ganha-se quando se assiste a um espectáculo maravilhoso, que nos abre uma janela para um novo mundo, que questiona subtilmente os nossos preconceitos e faz-nos voar, enche-nos de felicidade.

Os quatro vídeos que se seguem são os trabalhos de artistas estrangeiros e portugueses e poderão mostrar melhor de que é que estou a falar.

The cost of living, por DV8 Physical Theatre




Duo improvisé, por Brahem Aïache e Nicolas Fayol



Menina da lua, por Dançando com a Diferença




O Aqui, por CIM – Companhia Integrada Multidisciplinar (o espectáculo representará Portugal no International VSA Festival
, em Washington, em Junho 2010)

1 comment:

sara said...

Olá. Vi este último espectáculo - O Aqui - há alguns meses no Teatro Muncipal de Almada. É extraordinário.