Monday 13 June 2011

Silenciosos e apolíticos?


Foto: Maria Vlachou
Cem milhões de sementes de girassol em porcelana, cada uma criada individualmente por mais de 1600 artesãos. Parecem inofensivas? ‘Apolíticas’? Não o são. Foi, aliás, a descoberta progressiva da faceta política desta obra de Ai Weiwei que me deixou mais maravilhada quando a vi na Tate Modern em Outubro passado.

Ai Weiwei, artista e activista chinês, foi detido pelas autoridades chinesas no dia 3 de Abril, quando se preparava para embarcar num avião. Ninguém soube nada dele durante semanas. Não houve acusações formais, a não ser uns rumores sobre crimes económicos. A sua esposa pôde vê-lo passado mais de um mês, na presença de dois guardas. Estava fisicamente bem, mas visivelmente nervoso.

Foto: Reuters
O mundo de Ai Weiwei, artistas e museus de arte contemporânea em vários países, reagiu à sua detenção. Entre outras iniciativas, a Tate Modern projectou na sua fachada a frase “Libertem Ai Weiwei”; o artista Anish Kapoor fez um apelo a museus e galerias de arte em todo o mundo para fecharem um dia em protesto; o artista cubano Geandy Pavon projectou o retrato de Ai Weiwei na parede do consulado chinês em Nova Iorque; o Guggenheim Museum iniciou uma petição online, que já foi assinada por mais de 140.000 pessoas (ler sobre as várias iniciativas aqui). Na semana passada, Philip Bishop escreveu no Guardian que os museus não estão a fazer o suficiente. A assinatura numa petição não chega, dizia Bishop, os museus devem tornar o seu apoio a Ai Weiwei mais visível, concretamente através das suas homepages. E no mesmo jornal, Hari Kunzru questionava o silêncio do Montreal Museum of Fine Arts, que neste momento apresenta a exposição dos famosos soldados de terracota, e fazia votos para que não se perdesse a oportunidade única de chamar a atenção para a detenção do artista chinês.

No meio destas preocupações a nível internacional, as afirmações de certos directores de museus que “não fazem política” (ler a entrevista ao director do Virginia Museum of Fine Arts) ou que os museus “devem ser apolíticos” e que “não fazem protestos” (ler aqui sobre as declarações do director do Milwaukee Art Museum e as reacções de outros profissionais) são, no mínimo, desconcertantes. Claro que os museus fazem política: quando decidem o que vão expor ou não; quando criam espaço para diálogo ou não; quando escolhem os seus parceiros; quando fecham os olhos a questões como os direitos humanos e a liberdade de expressão e se manifestam ‘apolíticos’. Tanto no Virginia Museum of Fine Arts como no Milwaukee Art Museum irão em breve ser inauguradas exposições sobre a China. Claro que ambos os directores estão a fazer política.

Há museus cuja natureza os associa claramente a questões políticas (e sociais): o Canadian Museum for Human Rights em Ottawa ou o Museo de la Memoria y de los Derechos Humanos em Santiago de Chile; o Holocaust Memorial Museum em Washington (profundamente empenhado na prevenção do genocídio, mas onde não encontramos nem uma vez a palavra ‘Palestina’, dita ou escrita); ou o District Six Museum em Cape Town, para mencionar apenas alguns, muito poucos. Em geral, museus de história, que não podem (mas às vezes procuram e tentam…) ‘escapar’ à sua natureza. No entanto, qualquer manifestação de ‘neutralidade’ seria falsa.

Serão os museus de arte ‘isentos’? Mas… podem? Nem a natureza das suas colecções o permite (a arte não é neutra, não é apolítica), nem os seus negócios. Curiosamente, o Guggenheim Museum, que iniciou a petição online a favor de Ai Weiwei, esteve (está) ele próprio envolvido num caso relacionado com os direitos humanos. O New Your Times noticiava em Março, juntamente com muitos outros meios, que mais de 130 artistas iriam boicotar o novo museu que está a ser construído em Abu Dhabi, devido às condições de trabalho dos trabalhadores imigrantes envolvidos na sua construção (condições essas que se tornaram conhecidas há muito tempo, através de um documentário profundamente chocante realizado pelo programa televisivo 60 minutes, mas que estão também registadas no site da Human Rights Watch). Os artistas exigiram que houvesse uma inspecção independente imediata e ameaçaram não participar em eventos nem vender as suas obras ao futuro museu. A situação não é nada fácil para o Guggenheim Museum, que pretende criar uma colecção para este novo museu maioritariamente dedicada a artistas do Médio Oriente (alguns dos mais conhecidos fazem parte do grupo de protesto). A resposta dos responsáveis do museu pode ser lida aqui.

Num post no ano passado, intitulado Lugares de encontro, citava David Fleming, presidente, na altura, do INTERCOM (a comissão internacional do ICOM para a Gestão): “Passaram os tempos em que os museus tinham que se manter afastados, fingindo que não fazem parte da sociedade que supostamente estão a servir, continuando a sua actividade esquecendo o que está à sua volta, como se a cultura que expõem não tivesse relevância política ou social. Os museus não têm que ser lugares neutros – podem ser muito mais”.

A vida não é apolítica. A arte também não. Como é que os museus poderiam sê-lo? Os museus que querem, realmente, fazer parte da sociedade e ser apoiados por ela, não são nem silenciosos, nem neutros, nem apolíticos. Os museus que têm noção da sua missão não se tornam irrelevantes.

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