Monday 28 March 2011

A cauda longa

Na semana passada estive em Guimarães, numa Jornada organizada pelo Paço dos Duques sobre a importância do marketing na promoção dos museus. As inscrições superaram as expectativas da organização - e também a capacidade da sala -, algo que, no meu ver, prova o interesse dos profissionais dos museus nesta temática, mas também a necessidade em aprofundar a mesma, uma vez que, de uma forma ou doutra, todos os museus desenvolvem acções de marketing, mas poucos têm profissionais com formação adequada que as possam integrar numa estratégia.

A minha comunicação intitulava-se “A necessidade de definição de estratégias de comunicação e marketing para os museus” e uma das perguntas que me foram colocadas no fim foi até que ponto a criação de marcas para museus pequenos e grandes poderá constituir um impedimento no desenvolvimento de parcerias entre eles, uma vez que a marca implica concorrência.

Cada museu tem uma oferta única, começando, obviamente, pela sua colecção. Os museus podem competir a outros níveis - como os serviços, por exemplo -, mas ao mesmo tempo podem criar parcerias, juntar esforços e os ‘pequenos’ podem aproveitar a visibilidade e popularidade dos ‘grandes’. Estava a responder à pergunta e a imagem que tinha na minha cabeça era do site da Amazon, que quando compramos um livro, nos informa: “Pessoas que compraram este livro, compraram ainda…”. O que poderia ser traduzido para: “Se gostou de visitar este museu, talvez tenha interesse em visitar também…”.


Esta questão dos ‘pequenos’ e dos ‘grandes’, dos mais e menos populares, dos mais e menos conhecidos, levou-me a ler novamente o livro The Long Tail (A cauda longa), de Chris Anderson, que tem o subtítulo: “Why the future of business is selling less of more” (porque é que o futuro do negócio é vender menos de mais). Neste livro realmente inspirador Anderson analisa a transformação do mercado de massa numa massa de nichos. Graças às novas tecnologias, e especialmente à Internet, o mercado hoje em dia consome não apenas os grandes êxitos, mas também inúmeros produtos de nicho, cujo total de vendas torna-os no novo grande (enorme) mercado. Isto acontece sobretudo porque, como se vê no caso da Amazon, a falta de necessidade de armazenar produtos e de os expor em prateleiras, baixou radicalmente os custos de os colocar no mercado. E uma vez colocados no mercado, começam a vender. Ao mesmo tempo, os consumidores, que sempre gostaram de poder ter escolha, são hoje os novos cosmopolitas que apreciam e consomem tanto o mainstream como o underground. O resultado não é apenas quantitativo (maior oferta, maior escolha), mas também qualitativo, uma vez que se tornou óbvia a procura de conteúdos não comerciais.

São três as forças da ‘cauda longa’, diz Anderson: a democratização das ferramentas de produção, que abriu o caminho a novos produtores e definiu uma nova ‘Pro-Am era’ (profissionais – amadores), tornando a ‘cauda’ mais longa; a democratização da distribuição, que incentivou a criação de promotores agregadores (Amazon, eBay, iTunes, Google, Wikipedia), que tornam a cauda mais grossa; e a ligação entre oferta e procura, através daquelas pessoas que determinam os gostos e as opções de outras, ou seja… todos nós e os nossos ciclos de amigos e conhecidos, que, através de blogs, críticas, comentários e recomendações partilhados online conduzimos a procura da ‘cabeça’ para a ‘cauda’.

Todos estes desenvolvimentos afectam directamente o sector cultural, a nível de produção, distribuição e de consumo. No que diz especificamente respeito à Comunicação, quem trabalha nesta área sabe que o passar-a-palavra tem sido a melhor forma de promoção, aquela em que os consumidores mais confiam. “A internet”, diz Anderson, “é o maior amplificador do passar-a-palavra” e as implicações, ou as oportunidades, que nos apresenta afectam e influenciam a forma como desenvolvemos o nosso trabalho. Muitas instituições culturais criam hoje em dia os seus próprios conteúdos para a Internet e as redes sociais, não querendo depender apenas dos meios de comunicação para a divulgação da sua oferta. Esta é, realmente, uma parte fundamental do trabalho que devemos desenvolver. Mas é igualmente importante ‘ouvirmos’ o que se diz sobre nós no ciberespaço. Quem são as pessoas que influenciam outras? Temos que as identificar e temos que saber o que dizem sobre nós. Como, onde? Usando ferramentas como o Google Alerts, Google Trends, identificando menções à nossa marca no Facebook, etc. É essencial estarmos atentos e sabermos usar estes novos canais e ferramentas de comunicação. E na gestão deste trabalho, como de todos os outros, a eficiência só pode ser garantida com a criação de planos concretos, a elaboração de formas de avaliação e a integração de tudo isto numa estratégia de Comunicação.

E para voltar à pergunta que me foi feita em Guimarães e que acabou por me levar tão longe, há museus pequenos que poderiam surpreender-nos e encantar-nos… se soubéssemos que existem. Todos juntos constituem uma espécie de ‘cauda longa’, não propriamente ameaçadora para a ‘cabeça’, os museus grandes, populares e visíveis. A parceria com eles parece natural, é desejável, não constitui concorrência da forma como acontece noutros negócios. No entanto, não resultará se os ‘pequenos’ não investirem na qualidade da sua oferta. Para a maioria das pessoas, a visita a um museu é uma opção de ocupação dos tempos livres. O museu que não souber garantir a qualidade da experiência, facilmente será apagado da lista das opções. E, na verdade, isto é válido para pequenos e grandes.

Monday 21 March 2011

É possível medir o impacto?

Pororoca, da coreógrafa brasileira Lia Rodrigues,
apresentado na Culturgest em Abril 2010. (Foto: Sammi Landween)
Quando falamos no valor intrínseco da cultura em geral e das artes em particular, consideramos que não há forma de o avaliar. Defendemo-lo por intuição, por experiência própria, recorrendo a provas empíricas, mas não nos parece possível investigá-lo cientificamente. Este tema interessa-me em particular e assim fiquei muito curiosa quando encontrei uma referência a um estudo que se intitulava Assessing the intrinsic impacts of a live performance. O que encontrei na Internet foi este sumário dos resultados do estudo, que comecei a ler com enorme interesse.

O estudo foi desenvolvido pela WolfBrown, uma empresa americana que se dedica ao estudo das artes e da cultura. Em particular, Alan Brown tem desenvolvido vários trabalhos relacionados com o impacto intrínseco e o envolvimento da comunidade. Juntamente com a co-autora do estudo, Jennifer Novak, Brown explica que através desta investigação procuraram definir e medir a forma como um espectáculo ao vivo transforma os espectadores. Mais concretamente, basearam-se em três hipóteses: 1) Que os impactos intrínsecos pelo facto de assistir a um espectáculo ao vivo podem ser medidos; 2) que diferentes tipos de espectáculos criam diferentes grupos de impactos intrínsecos; e 3) que a abertura de uma pessoa para viver a experiência de um espectáculo ao vivo influencia a natureza e extensão dos impactos. Entre Janeiro e Maio de 2006 entrevistaram espectadores de um total de 19 espectáculos de vários géneros de música, dança e teatro. Foram aplicados dois questionários, um antes do espectáculo, para avaliar a preparação mental e emocional para o mesmo, e outro depois, preenchido em casa e enviado pelos inquiridos, que pretendia investigar uma série de reacções àquele espectáculo específico.

Através do primeiro questionário, os investigadores pretendiam avaliar: o índice de contexto (o nível de experiência e conhecimentos prévios dos inquiridos relativamente ao espectáculo e aos intérpretes); o índice de relevância (o nível de conforto da pessoa, ou seja, se se encontrava numa situação familiar, do ponto de vista social e cultural); o índice de antecipação (o estado psicológico dos inquiridos imediatamente antes do espectáculo, as suas expectativas). Através do segundo questionário, Brown e Novak procuraram, então, identificar e medir os impactos dos espectáculos nos inquiridos. Os índices definidos foram: cativação, estímulo intelectual, ressonância emocional, valor espiritual, crescimento estético e ligação social.

Neva, pela companhia chilena Teatro en el Blanco, apresentado na Fundação Calouste Gulbenkian em Junho 2010, no âmbito do programa Próximo Futuro.
(Foto: Taina Azeredo)
Tudo isto soava fascinante. Mas não conseguia imaginar o tipo de perguntas que teriam sido feitas a fim de avaliar e chegar a conclusões relativamente a estes factores. Por isso, escrevi a Alan Brown, que teve a amabilidade de me enviar rapidamente o relatório completo, incluindo os questionários e os quadros com os resultados.

A primeira parte do estudo procurava identificar a abertura / preparação das pessoas para viverem a experiência do espectáculo. As perguntas neste questionário, que procuram explorar os três índices acima referidos, parecem bastante óbvias e directas: conhecimento prévio do trabalho dos intérpretes e familiaridade com o respectivo género de arte; frequência com que assiste a espectáculos deste e doutros géneros; fontes de informação sobre o espectáculo; pormenores sobre a organização da ida ao espectáculo; constituição do grupo; principais razões para assistir; estado de espírito, entusiasmo e expectativa de vir a gostar da experiência. Muito sucintamente, os resultados desta primeira parte indicam que as pessoas com maior índice de contexto podem beneficiar mais dos espectáculos; a maioria das pessoas compra bilhetes para espectáculos que se inserem na sua zona cultural de conforto; a expectativa de uma experiência agradável é o melhor indicador de que a mesma irá trazer satisfação.

No que diz respeito à segunda parte, o tipo de perguntas para cada índice de impacto era:

Cativação: até que ponto os inquiridos se sentiram absorvidos, perderam a noção do tempo e se esqueceram de tudo o resto?

Estímulo intelectual: sentiram-se provocados, desafiados, intelectualmente envolvidos, reflectiram sobre as suas próprias opiniões e ideias, há coisas que gostariam de perguntar aos artistas, falaram sobre o significado do espectáculo com as pessoas que os acompanhavam?

Ressonância emocional: a reacção emocional foi forte, quais as emoções mais intensas, sentiram-se ligados aos intérpretes, o espectáculo foi de alguma forma ‘terapêutico’?

Valor espiritual: sentiram-se inspirados, com mais poder, passaram para um estado de consciência diferente?

Crescimento estético: sentiram-se expostos a um estilo ou tipo de arte com o qual não estavam familiarizados, mudaram de ideias relativamente ao mesmo, sentem-se mais preparados para o apreciar, acompanharão mais no futuro?

Ligação social: sentiram-se ligados ao resto dos espectadores, tiveram um sentimento de pertença, o espectáculo serviu para celebrar o seu património cultural, foram expostos a uma nova cultura, adquiriram uma perspectiva nova sobre as relações humanas e os assuntos sócias?

Muito sucintamente, mais uma vez, e destacando apenas alguns resultados que chamaram a minha atenção, o estudo revelou que o índice cativação está relacionado com altos níveis de satisfação e influencia outros impactos; a maioria dos inquiridos teria perguntas a colocar aos artistas e conversou sobre o significado do espectáculo com os seus acompanhantes; existe uma forte ligação entre o índice emocional e a memória da experiência; sentir-se inspirado não é necessariamente um impacto procurado pelos espectadores; a maioria dos inquiridos sente-se melhor preparada para apreciar o género de arte a que foi exposta; a ligação social acontece quando as pessoas são expostas a novas culturas e também quando assistem a espectáculos ligados ao seu património cultural.

No sumário dos resultados acima referido podem-se encontrar muitos mais pormenores sobre o estudo e também sobre os níveis de satisfação das pessoas. Este inquérito não pretende avaliar a qualidade dos espectáculos, apesar de alguns dos impactos poderem estar relacionados a ela. Tenho dúvidas quanto ao entendimento que os inquiridos poderão ter tido de algumas perguntas no segundo questionário, ainda por cima sendo ele um questionário auto-administrado, ou seja, as pessoas preencheram-no sozinhas em casa sem poderem colocar questões em caso de dúvida. No entanto, posso dizer que a leitura do relatório satisfez a minha curiosidade. Parece mesmo que sim, que é possível avaliar e chegar a conclusões relativamente ao impacto de um espectáculo ao vivo. A minha curiosidade agora estende-se aos impactos que persistem, meses ou anos depois; àquilo que fica; e ao como e porque é que fica. Registos na nossa memória e na nossa alma que não se dissipam.

Sonia, pelo New Riga Theatre, apresentado no Teatro Maria Matos em Junho 2009, no âmbito do programa Dias das histórias (im)prováveis. (Foto: Ginta Maldera)

Tuesday 15 March 2011

1º Aniversário

Este blog faz hoje um ano. E celebra mudando de visual. Obrigada, Rui Belo.

Monday 14 March 2011

O poder e a magia do objecto 'real'

Um centro de ciência é um museu interactivo, cujas exposições são compostas por módulos especialmente fabricados para o visitante poder explorar vários fenómenos e conceitos científicos e outras aplicações tecnológicas. Trabalhei durante cinco anos no Pavilhão do Conhecimento. Presenciei inúmeras vezes a curiosidade, o espanto, a alegria da descoberta, o entusiasmo, o divertimento que resulta da interacção das pessoas com os módulos. Mas lembro-me de uma vez em especial em que fui testemunha do fascínio. Provocado não por um módulo, mas por um objecto real, histórico: o fato do astronauta Neil Armstrong. O Pavilhão ia receber a visita do último astronauta a pisar a lua, Eugene Cernan, e, a propósito desse acontecimento, iria ser exposto o fato de Neil Armstrong. Uma fila interminável de pessoas de todas as idades à espera para serem fotografadas ao lado do fato. Nunca tinha visto nada assim. Este é o poder do objecto real.

Pavilhão do Conhecimento, Outubro 2001. Foto: Maria Vlachou
Tenho estado a pensar nisso nos últimos tempos, no objecto real, na experiência ao vivo. Na altura que estava a tirar o meu mestrado, no início dos anos 90, os museus em todo o mundo estavam a testar as potencialidades de um novo meio, da Internet. Começaram a ser criados sites, as colecções ficaram disponíveis online, foram criadas as primeiras visitas virtuais. Levantaram-se, ao mesmo tempo, as primeiras questões relativamente ao perigo que este meio representava, no sentido de manter as pessoas, possíveis visitantes, longe dos museus, uma vez que permitia o acesso remoto, e gratuito, aos mesmos.

Os medos não foram confirmados. Pessoalmente, sempre partilhei a convicção daqueles que acreditam que nada pode substituir o fascínio pelo objecto real (“the real thing”); a emoção que provoca, a ligação que cria. A minha convicção não estava baseada numa investigação científica, mas na minha própria experiência. Nunca foi o mesmo ver uma pintura preferida num livro e estar à frente dela num museu, perceber a sua dimensão, a sua profundidade, a intensidade das suas cores; ver a assinatura do pintor no canto. O recentemente apresentado Google Art Project cria um nível de acesso nunca antes visto a milhares de obras de arte em vários museus, permite descobrir detalhes que antes não teriam sido observadas a olho nu. Mas, mesmo assim, o género de emoção que cria é diferente daquele que experienciamos quando nos colocamos à frente da obra. Penso que o Google Art Project contribuirá também para a criação de um maior desejo de um dia se poder ver o objecto real.

Quanto aos espectáculos, não há dúvida que entre não ver de todo e ver na TV, mesmo gravado, ou agora num DVD, sempre foi bom poder ver. Mas também, sempre foi ainda mais emocionante ver uma transmissão ao vivo do que um programa gravado. E claro que nada se compara com o poder assistir mesmo, sentado numa sala de espectáculos, sentindo uma ligação muito especial com os intérpretes no palco e com os restantes espectadores que connosco partilham a experiência. A expectativa que parece aumentar quando as luzes baixam, o silêncio, os momentos inesquecíveis e irrepetíveis de um espectáculo ao vivo, o permanecer no exterior do teatro para falarmos sobre o que acabámos de ver. Quase vinte anos depois, lembro-me da ansiedade com a qual me levantei às 7 da manhã do dia 12 de Julho de 1992 para ver o último acto de Tosca, transmitido ao vivo a partir do Castel Sant´Angelo em Roma, o local preciso onde decorria a história. No dia anterior, tinha acompanhado à tarde o primeiro acto, transmitido da igreja Sant´ Andrea della Valle e o segundo à noite, a partir do Palazzo Farnese (ler notícia aqui). Mas indo ainda mais para trás, quase que consigo ainda sentir a emoção, misturada com algum medo, de ter visto um dos ‘monstros’ do teatro grego, Alexis Minotis, a interpretar Prometeu Agrilhoado num anfiteatro do século IV A.C. Tinha ele 81 anos; tinha eu 9. Anos mais tarde, vi aquele espectáculo na TV. Não houve magia. Não estava no meio do campo, rodeada da escuridão, cheia de frio, a ouvir o estridular dos grilos e a partilhar o sofrimento do pobre Prometeu.

Prometeu Agrilhoado, 1979. Foto: Arquivo do Teatro Nacional da Grécia.
Há uns dias atrás, li no Guardian um artigo intitulado Can a filmed stage show be as good as the real thing?. O crítico de teatro Mark Shenton defendia que não; Hermione Hoby, que escreve no Observer sobre arte, dizia que sim. Fiquei particularmente curiosa, e desconfiada, quando Hoby referiu que um estudo do National Endowement for Science, Technology and the Arts sobre a transmissão ao vivo em salas de cinema das produções do National Theatre tinha revelado que o público nos cinemas estava mais envolvido emocionalmente do que os espectadores que assistiam ao vivo no próprio teatro. Procurei o relatório, que se intitula Beyond live: digital innovation in the performing arts e encontrei a resposta. Para avaliar o envolvimento dos espectadores, é primeiro necessário identificar as razões pela opção de ver ao vivo ou no cinema e as expectativas das pessoas. A principal razão dos inquiridos que tinham assistido ao vivo a Fedra foi ver a actriz Helen Mirren e a sua principal expectativa, ver um espectáculo emocionante ou inspirador; quanto aos espectadores nos cinemas, a maioria tinha principalmente procurado a experiência de ver a transmissão de uma peça de teatro num cinema, sendo que a sua maior expectativa era experienciar uma nova forma de apresentação teatral. Estas diferenças poderão explicar o impacto sentido por cada tipo de espectador e o seu envolvimento.


De qualquer forma, o que é importante realçar é que, desde 2009, graças às transmissões ao vivo das produções do National Theatre, milhares de pessoas em vários países têm acesso às mesmas, pessoas essas que, devido à distância geográfica, ao preço do bilhete ou até ao facto dos bilhetes estarem esgotados, não teriam tido a oportunidade de ver o espectáculo. Igualmente significativo é o facto destas transmissões terem criado o desejo em 34% dos inquiridos nos cinemas de ir ao National Theatre, em particular entre pessoas com rendimentos baixos. Um terço dos espectadores de cinema estariam dispostos a gastar no máximo entre 21 e 30 libras para assistir ao espectáculo ao vivo, enquanto o preço máximo que gastariam para o bilhete de cinema seria entre 11 e 15 libras.

O impacto de um espectáculo ao vivo na vida das pessoas é algo frequentemente discutido quando se fala no valor da cultura e das artes. Será que se pode avaliar? Parece difícil. Mas parece também que não é impossível. Mais notícias (e provas…) em breve.

Monday 7 March 2011

Livres de visitar um museu de arte

Foram vários os amigos que na semana passada me reencaminharam o artigo de Timothy Aubry How to behave in an art museum. Fiquei angustiada com este relato, da pessoa que define a visita a um museu de arte, se bem que com bastante sentido de humor e alguma ironia, como uma experiência neurótica. Que diz que não sabe o que deve pensar ou dizer ou sentir. Que se sente observada, desadequada, que espera poder impressionar as outras pessoas. Quão foi (e ainda é) profundo para alguns o ‘trauma’ causado por aqueles que John Holden, em Culture and Class, apelida de cultural snobs. Aqueles que se consideram guardiões da arte, que desprezam quem não a entende ou aprecia da mesma forma que eles, que têm maneiras tão ‘especiais’ de os fazer sentir indesejados, excluídos, pouco inteligentes. Eles são tanto profissionais de museus como visitantes. “Era melhor quando éramos crianças”, diz Aubry, “quando sabíamos de que é que gostávamos sem esforço, quando as nossas paixões não eram aprendidas”. Porque é que isto havia de mudar? Para sermos aceites? Por quem?

Ao comentar sobre o texto de Timothy Aubry, Kyle Chayka questiona no blog Hyperallergic: Does the younger generation have a new attitude toward museums? Sim, tem e ainda bem. Mas aqui deveremos reconhecer o papel fundamental que os próprios museus tiveram nesta mudança de atitude, na criação desta nova relação.

Esta questão não é tão recente como se possa pensar. George Hein, no seu livro Learning in the Museum, cita o Professor Edward Forbes que dizia em 1853 que os curadores “podem ser prodígios do conhecimento, mas completamente inaptos para os seus postos” se não sabem nada sobre pedagogia, se não estão preparados para ensinar pessoas que não sabem nada. E em 1909, o visionário John Cotton Dana escrevia: “Um bom museu atrai, entretém, provoca curiosidade, leva a questionar e, assim, promove o conhecimento. (…) O museu só pode ajudar as pessoas se o utilizarem; vão utilizá-lo apenas se souberem que existe e apenas se for dada atenção à interpretação das suas colecções, de modo que elas, as pessoas, as entendam” (em: E. Alexander, Museums in Motion).

Cem anos depois, há ainda muitos museus que estão longe de perceber a importância da acessibilidade cognitiva às suas colecções e a necessidade da criação de um espaço de conforto; insistem em serem eles a determinar a agenda dos visitantes, impondo a agenda dos seus conservadores; estão determinados em ensinar e não mostram abertura para aprender; são incapazes de contar uma história e também de permitir a existência paralela de várias narrativas; são espaços muito pouco acolhedores para os não iniciados.

Mas há também museus abertos, acolhedores, inspiradores, envolventes, divertidos, que fazem toda a diferença. Museus que querem ser verdadeiros espaços de encontro, de diálogo, de confronto, de descoberta; mas também de entretenimento, de tempo bem passado com a família e os amigos.

Pour Your Body Out by Pipilotti Rist. MOMA. Foto: Maria Vlachou
Timothy Aubry refere no seu texto que olhou para as pessoas que estavam na instalação Pour Your Body Out de Pipilotti Rist no MOMA e que ficou confuso. Pessoas de todas as idades deitadas no chão, abraçadas, a conversar, a rir-se. E pensou: “Isto não está certo! Não percebem que é suposto os museus fazerem-vos sentir miseráveis e inseguros?”. Em 2008 tive a oportunidade de ver este trabalho. Adorei a instalação, fez-me sonhar, voar. Adorei o ambiente criado. E adorei ver as variadíssimas formas como as pessoas gozavam daquela experiência imersiva. Informais, relaxadas, contentes. Adorei o convívio e aquele sentimento de cumplicidade partilhada com pessoas desconhecidas. Provavelmente, o que cada um de nós ‘levou’ daquela experiência foi muito diferente, tal como o terão sido as nossas agendas ao entrarmos no museu. Mas existem formas mais válidas que outras de apreciar e de se relacionar com a arte? E quem as define? O artista? O curador? Quando era adolescente, não havia pergunta mais irritante na escola do que “O que é que o poeta quer dizer-nos com isto?”. Como responder a uma pergunta destas? Porque é que não me perguntavam “O que é que este poema te diz a ti”? E será que aceitariam o “nada” como resposta?

Não quero dizer com isto que as intenções do artista (ou do poeta…) são irrelevantes. Que os conhecimentos profundos que um curador tem sobre uma determinada temática não interessam. Que ambos interferem com a minha liberdade. Antes pelo contrário. Mas acho que não devem ser apresentados como dogmas. Como visitante, deveria poder sentir que as minhas experiências e conhecimentos são igualmente válidos. Mas que também a minha eventual falta de experiência ou conhecimentos é respeitada e que o museu é o espaço e meio ideal para as colmatar, se assim o desejar.

Há várias formas de os museus demonstrarem essa abertura, que reconhece as formas diferentes como cada pessoa vive e interpreta a experiência. Lembro-me das legendas escritas pelos próprios visitantes para os quadros da Tate Britain. Relatos e interpretações tocantes e surpreendentes, numa linguagem directa e acessível. Lembro-me também da primeira e única vez que vi nos painéis informativos de um museu um quadro no canto inferior com a explicação dos termos científicos cujo uso nos textos era necessário e inevitável. Era o Museum in Docklands em Londres, que não partia do princípio que toda a gente tinha uma licenciatura em arqueologia ou história romana.



Mas há ainda outras abordagens que reconhecem os variados perfis e necessidades das pessoas que pretendemos servir. A campanha do Metropolitan Museum of Art It´s time we met, agora na sua terceira edição, foi uma forma genial de apresentar as várias caras do museu, caras comuns, e de envolver o público. O museu ganhou um rosto (aliás, vários rostos) e não era aquele de um cultural snob. Uma outra iniciativa foi a da Columbus Symphony Orchestra, que quis livrar-se da imagem elitista e antiquada: Num spot publicitário encontramos no foyer de um teatro um casal de africanos-americanos – a senhora com vestido comprido, o senhor com smoking – que olham à sua volta com desconforto. Vêem um casal jovem, vestido informalmente. O senhor pensa: “Eu sabia que deveria ter-me vestido mais informalmente. Sinto-me desconfortável”. O jovem também olha à sua volta sentindo-se desconfortável e pensa: “Eu sabia que deveria ter trazido fato e gravata”. O locutor diz: “Não precisa de se sentir desconfortável para apreciar um concerto”.

Quantos de nós, profissionais da cultura e da comunicação, procuramos passar esta mensagem? Quantos de nós trabalhamos activamente na eliminação da barreira psicológica / cognitiva? Diria que os melhores exemplos vêm dos serviços educativos dos museus. Aliás, na semana passada estive a ler o mais recente relatório do National Endowment for the Arts, Beyond attendance: a multi-modal understanding of arts participation. Encontrei nele a referência que os africanos-americanos, hispânicos e índios-americanos participam mais que os brancos em actividades culturais que não aquelas tradicionalmente apresentadas em instituições culturais. Com uma excepção: a visita a museus de arte. Será isto o resultado de décadas de trabalho desenvolvido por estes museus no sentido de tornarem a sua oferta acessível e relevante para públicos muito diversos? Gostava de acreditar que sim.

Wednesday 2 March 2011

Blogger convidado: Das vozes, por Cecília Folgado

Mais uma vez peço de empréstimo o Musing on Culture. Podia criar o meu blogue, podia, claro que podia, mas não era a mesma coisa... e, na verdade, estaria apenas a colaborar com a pulverização das opiniões e dos debates do sector que é, acredito, contraproducente. Assim, mantenhamo-nos concentrados aqui e enquanto a Maria Vlachou o estimular.

Na coluna de opinião de Jorge Marmelo, no passado dia 15 de Fevereiro no P2 do Público, reflectia-se sobre a lusofonia e, a certa altura, atribuía-se o uso da expressão na cultura, e de forma irónica, aos “marketeiros da cultura”. A mim, ‘marketeira da cultura’ por vocação, escolha e formação, a referência tocou-me num ponto sensível, melhor dizendo, em dois; ambos relacionados com as vozes do sector e com quem faz o sector.

Ora, comecemos pelo marketing e pelo que fazem os ‘marketeiros culturais’ ou não. Correndo o risco de soar defensiva, começo por dizer que o marketing não é bom, nem mau. O marketing é só um instrumento, uma ferramenta de gestão, que, se bem utilizada, cria valor para ambas as partes, valor esse essencialmente decorrente de acções que promovem a eficiência, a eficácia e a relação duradoura com os consumidores (públicos, quando no contexto cultural). Houve um tempo em que o marketing era ‘duro’, daí a imagem dos senhores a venderem aspiradores a quem não tinha electricidade; depois, veio o tempo em que se procuravam as casas com electricidade para se venderem aspiradores; agora, bate-se à porta, pede-se para entrar, pergunta-se o que se quer, vê-se o que se tem e começamos a falar com o olhar posto no longo prazo. Chamamos-lhe ‘marketing relacional’. Assim contado até parece bonito e talvez nem se acredite, mas como outras expressões blockbuster, nomeadamente a lusofonia, o marketing entrou no léxico cultural e se há muitos marketeiros culturais, há pouca gente a fazer marketing cultural.

Mais, o marketing não começa do zero nem inventa nada, sobretudo na cultura. Tem de partir de uma visão, de uma missão e operacionalizá-las, fazê-las acontecer. Pode usar a lusofonia, mas esta só deixará de ser ‘cliché de marketeiro’ se apoiada na acção e no mind-set efectivos da organização ou agente culturais que a querem efectivar.

A referência aos marketeiros conduz-me até à segunda questão, questão essa que ando a remoer desde há algum tempo: quem faz o sector e quem, no sector cultural, tem voz.

Começo por quem tem voz: por razões que relaciono com a tradição e com a prática, mas sobretudo com o imaginário e a simbólica do sector, são, grosso modo, os criadores quem fala e são os criadores quem é ouvido (excepção feita para alguns pensadores e programadores de notoriedade firmada e espaço de expressão conquistado*). São os criadores que representam o sector cultural e veiculam as suas preocupações e se posicionam na construção de um discurso público sobre o ‘estado da arte’. Vislumbrando a variedade com que este sector se constrói, ao nível dos papéis e ao nível das áreas e experiências, parece-me pouco, parece-me muito pouco.

Falemos do sector: incluem-se as artes de palco e o cinema, os museus e o artesanato, as artes plásticas, o design, a arquitectura, o património, etc., nas versões institucionais, independentes e comerciais, nacional, regional e municipal, urbana e rural. Estou em crer que cada um destes sub-sectores e cada uma destas combinações tem muito a dizer. Depois, falemos das pessoas: dos produtores, dos gestores, dos administradores, dos técnicos, dos marketeiros (sim, também), todos eles com experiências e olhares diversos sobre o sector. Também aqui é preciso que se reflicta e se assumam posições, é preciso que se consciencializem de que são parte necessária e construtiva do sector.

É preciso que reclamemos vozes, é preciso que as deixemos soar, é preciso construir raciocínios, pensamento e reflectir sobre o estado das coisas e concertar discursos. É preciso também fazer lobby e manter o fluxo de afirmação junto dos media e junto da opinião pública (aquela mesma opinião pública que acha que o sector é feito de subsidio-dependentes e estrelas de TV). É preciso mostrar o que fazemos, o que queremos; mas primeiro é preciso que o sector se reconheça múltiplo, variado e abra espaço não-hierarquizado às diversas vozes internas.

* Cabe aqui dizer que estas vozes, as de pensadores e programadores com espaço de expressão conquistado, têm sido permanentemente o garante de uma perspectiva mais alargada sobre o sector. E precisamos delas. Muito.