Saturday 12 October 2024

Além da lei

Museu Nacional, Praga.

Em 2021, estava em Praga a visitar o Museu Nacional. Quando apanhei o elevador para chegar à cúpula e ver a bonita cidade lá de cima, vi que havia um banco. Recordo-me de ter sido invadida por uma forte emoção ao ver este pequeno e discreto gesto de hospitalidade e amabilidade. O museu não incluiu o banco no elevador porque era obrigatório por lei. Reconheceu que nem todas as pessoas seriam capazes de permanecer em pé durante a lenta viagem até ao topo e que queria ter a certeza de que as pessoas se sentiriam confortáveis ​​ e seguras; sentir-se-iam bem-vindas. Quando o nosso desejo de abrir as portas a todos (seja lá o que “todos” possa significar) é honesto, partilhar a experiência com todas aquelas pessoas que possam estar interessadas ​​em fazer parte, não estamos condicionados por leis. Estamos prontos para ir mais além.

A mesma forte emoção invadiu-me quando, há alguns meses, li um artigo de Raphaela Platow, directora executiva do Speed Art Museum em Louisville, Kentucky. O título era “Extending the Invitation: Strategies for Welcoming Visitors and Reducing Barriers to Access”. A missão do museu é “Convidar todas as pessoas a celebrar a arte para sempre”. Mas, pergunta Platow, “como é que este convite é, ou deveria ser, na prática?” – abordando assim duas das questões que são permanentes na minha prática: 1. Porque é que fazemos o que fazemos? e 2. Como passamos das belas palavras às acções?

O Speed ​​​​quis ir além das palavras (e provavelmente também além dos imperativos legais), questionando-se: como podemos criar novas formas de fazer do museu um espaço convidativo e acolhedor, de pertença comunitária; como podemos expandir continuadamente as comunidades às quais estendemos o convite; como convidamos os visitantes a interagir com o museu, as nossas colecções, espaço e programas. Para criar um museu mais acolhedor, o Speed ​​considerou o acesso em quatro dimensões principais: cultural, social, financeira e física. Em suma (embora recomendemos a leitura de todo o artigo para mais detalhes):

Cultivar um Museu Culturalmente Acolhedor: Como criar um espaço inclusivo, onde os visitantes sintam que a sua história, origem e identidade cultural são representadas e respeitadas, em vez de suprimidas em nome de uma grande narrativa canónica? Como podemos incorporar e comunicar este valor [da inclusão] aos visitantes? Estas questões têm orientado tanto as práticas curatoriais como as práticas de mediação cultural/interpretação do museu.

Construir Espaços Convidativos para o Intercâmbio Social: Como podemos criar uma experiência museológica convidativa e social e estender a mensagem de que os visitantes podem trazer para o museu todo o seu ‘eu’, em todos os aspectos de envolvimento com o espaço? Falar com pessoas que conhecemos, ou não, sempre foi uma forma de pensar e criar sentido sobre nós mesmos e sobre o mundo. O museu criou pontos de conversa coordenados por especialistas, dentro das galerias, que oferecem oportunidades para conversas informais e abertas. E também oferece novos e confortáveis bancos e sofás nas galerias, criando um ambiente de “sala de estar”.

Quebrar Barreiras Financeiras: Poderá o objectivo de criar um ambiente culturalmente e socialmente acolhedor ser alcançado se, em primeiro lugar, grande parte do público não puder dar-se ao luxo de passar pelas portas? Graças a generosos donativos privados, o Speed ​​garantiu a entrada gratuita aos domingos e no horário nocturno das primeiras quintas-feiras de cada mês, bem como a adesão gratuita de famílias ou indivíduos ao grupo de amigos para quem o custo seja uma barreira de acesso. A dimensão financeira, no entanto, não teria os mesmos resultados se a dimensão cultural e social não tivessem sido abordadas da forma como o Speed ​​o fez. A isto devemos ainda acrescentar a dimensão do acesso físico.

Conectar a Abertura Física ao Bem-Estar Holístico: Em relação a esta dimensão, seria de esperar descobrir como o Speed se tornou mais acessível para visitantes com deficiência. No entanto, este é um requisito legal mínimo e deve ser garantido; portanto, nem sequer é discutido, é uma obrigação e uma expectativa natural. O que se discute nesta parte é a forma como o museu vai abrir o seu jardim e a sua colecção, todos os dias e horas do ano, à comunidade local e a outros visitantes. O objectivo não é apenas dar uma oportunidade às pessoas de se envolverem com a arte, mas também resolver o problema da falta crítica de espaços verdes públicos nessa parte da cidade. Nas palavras do museu, “o parque pretende ser um destino acolhedor para toda a comunidade se conectar com a arte, a natureza e entre si”.

Esta é a minha expectativa em relação aos museus, e outros espaços culturais, em 2024: uma intenção honesta de estender o convite; um verdadeiro desejo de questionar as suas práticas; acções concretas em vez de belas palavras e reflexão eterna. Estas são as questões que nós, enquanto profissionais da Cultura, e também os jornalistas deveríamos colocar quando um novo ou renovado espaço cultural se abre na cidade. Estas são também as perguntas que todos os membros da sociedade deveriam sentir que têm o direito de fazer.

Espaços para vivermos e pensarmos juntos são essenciais. Este “juntos” não acontecerá se as dimensões cultural, social, financeira e física não forem centrais no nosso planeamento. E se assim for, não é a lei que interessa. As organizações e os profissionais honestos dão mais um passo e vão além da lei. Com prazer.

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