Percurso musical em 5 actos, homenagem à Maria Callas (Fonte: Lifo) |
No
início de 2011, a dívida da Ópera Nacional da Grécia (ONG) ultrapassava os 17
milhões de Euros e a organização corria um sério risco de ser encerrada. Quando
há duas semanas o director artístico da ONG deu uma conferência de imprensa
para apresentar a temporada 2013-2014, o quadro era bastante diferente:
- A dívida é neste momento 4.697.609 Euros (baixou 73%);
- O orçamento para a programação 2012-2013, inicialmente estimado em
3.890.000 Euros, teve que baixar para os 2.580.000; no entanto, a afluência
subiu para 90.000 espectadores, e a receita da bilheteira somou 2.220.000 Euros
(apenas 360.000 abaixo do valor investido nas produções);
- Todas as produções no teatro principal da ONG, o Olympia, assim como
aquelas apresentadas na sala de concertos Megaron e no Teatro Herodes Atticus
tiveram uma taxa de ocupação entre 80% e 100% - havendo sempre um número de
bilhetes gratuitos para desempregados;
- A ONG chegou a mais 20.000 pessoas fora de portas, tanto em Atenas como na
periferia, com o apoio da Fundação Stavros Niarchos, que lhe permitiu
desenvolver uma série de actividades de outreach e fazer uma digressão
em várias cidades gregas (a Fundação Niarchos está a construir um novo centro
cultural, desenhado por Renzo Piano, que será a nova casa da ONG e da Biblioteca
Nacional a partir de 2016).
Um
milagre? Nem por isso. Decisões difíceis, um forte compromisso, um claro
sentido de missão, muito trabalho e, consequentemente, apoio privado/individual. Não podemos ignorar o facto de tudo isto
acontecer num momento em que a Grécia está a atravessar uma extrema crise
económica e a sofrer severas medidas “correctivas”, que têm destruído a economia do país. O subsídio estatal para a ONG diminuiu 5 milhões de Euros nos
últimos dois anos, o que tem causado sérios problemas nas operações da
organização.
Gostaria
muito de saber de que forma cortaram nos custos operacionais, o maior ‘peso’ na
gestão de uma instituição como esta. Infelizmente, este tipo de dados não foi
partilhado publicamente, por isso, só podemos imaginar o quanto deve ter sido
difícil. Na falta destes dados, gostaria de me concentrar nas iniciativas
tomadas – apesar das dificuldades ou, talvez, por causa delas – no sentido de
pôr a ONG de volta no mapa e de criar uma ligação com a cidade e as pessoas.
Ter
que cortar o orçamento das produções em casa não significou que a ONG tivesse
cortado também no todo da sua actividade. Antes pelo contrário. Este momento de
crise foi precisamente o momento em que a ONG decidiu ser extrovertida,
original e inovadora. Através de uma série de iniciativas, conseguiu estar mais
presente que nunca na vida dos Atenienses e, fisicamente ou virtualmente, na
vida dos Gregos que vivem longe da capital.
Há
dois anos, uma das suas primeiras iniciativas de outreach tinha sido o
“autocarro lírico”, que percorria as ruas da capital grega apresentando
destaques dos próximos espectáculos. Simples, informal, directo, conseguiu
tocar os transeuntes.
Mais
tarde, desenvolveu um projecto chamado “Ópera na Mala”. Esta é uma forma
‘flexível’ de apresentar ópera em espaços não-convencionais, apenas com o
cenário que cabe numa mala e com um piano em vez de orquestra. A ONG foi a
praças, mercados, átrios de museus e encontrou-se com pessoas que de outra
forma talvez não tivesse tido contacto com esta arte. Alguns destes concertos
reuniram perto de 4000 espectadores.
Os
ensaios abertos em espaços públicos são uma outra forma de estar próximo das
pessoas e partilhar com elas o que normalmente acontece de porta fechada. No
verão passado, a ONG apresentou Madama Butterfly no Teatro Herodes
Atticus no âmbito do Festival de Atenas. Alguns dias antes da estreia, houve um
ensaio aberto próximo do teatro, na rua pedonal que circunda Acrópole e a
antiga Ágora. Na passada quinta-feira, uma semana depois da apresentação da
nova temporada, houve um ensaio aberto da orquestra no porto de Pireu – um
programa de uma hora com destaques da temporada -, assim como um ensaio aberto
da companhia de bailado da ONG no porto de Salónica – um ensaio da peça “Viagem
à Eternidade”, homenagem ao realizador Theo Angelopoulos.
Concerto no Mercado Varvakios (Fonte: Lifo) |
Por
fim, mais de 5000 pessoas seguiram o percurso musical em cinco actos no dia 15
de Setembro, celebrando o 36º aniversário da morte de Maria Kallas. “Esta
participação foi uma afirmação clara de todos nós”, disse uma pessoa à revista
Lifo. “É necessário criar ligações entre a arte e a vida da cidade, o que se
tornou absolutamente essencial nas actuais circunstâncias.”
Tudo
isto faz recordar a carta aberta que Michael Boder, director musical do teatro
Liceu de Barcelona, enviou à administração no ano passado, quando foi anunciado
que, devido às dificuldades financeiras, o teatro ia encerrar por dois períodos
de um mês. Tínhamos comentado na altura esta carta, considerando a resposta de
Boder uma excelente lição de gestão (ler aqui). Aqui está um excerto:
“Nesta situação difícil para Espanha e a sua população, podíamos dar concertos
gratuitos para os desempregados. Afinal de contas, temos os recursos
necessários! Podíamos organizar concertos e projectos para crianças, jovens e
idosos. (…) Mas temos que tocar, ou iremos desaparecer! Devíamos ter que tocar
mais, não menos. (...) Ao mesmo tempo, o Liceu podia também transmitir uma
mensagem social: ‘Vejam, estamos a tocar para vós e estamos aqui, fazemos
música e toda a gente está convidada para ouvir em vez de falar.’ (...) Que
objectivo poderia fazer mais sentido numa altura de crise? Afinal de contas, a
cultura traz conforto em tempos difíceis e dá também ideias.”
Tocar mais, não menos. Mostrar às
pessoas que estamos a tocar para elas, que estamos aqui. Esta tem sido a missão
e mensagem da Ópera Nacional da Grécia nos últimos dois anos e meio. Julgando
pela reacção das pessoas, podemos concluir que esta é mesmo a mensagem que
queriam ouvir. Em retorno, mostram o seu afecto e dão o seu apoio.
Ensaio aberto de Madama Butterfly (Fonte: página Facebook da ONG) |