Monday 20 January 2014

A verdadeira medida

Tomada de posse de Bill De Blasio (imagem retirada do portal Hyperallergic)
Bill de Blasio é o 109º Presidente da Câmara de Nova Iorque. É casado com a activista e poetisa Chirlane McCray. Tomou posse no passado dia 1 de Janeiro. Dois dias antes, o New York Times (NYT) publicou um artigo intitulado A new mayor brings hope for a populist arts revival. Fiquei curiosa. O jornal referia que o novo presidente tem uma marca populista e que, considerando os seus hábitos culturais e artísticos, pode esperar-se que o seu interesse recaia numa parte da vida cultural da cidade bastante diferente daquela que mais atraía o seu antecessor, Michael Bloomberg. Mais concretamente, o NYT dizia que o novo presidente nunca foi visto no Lincoln Center e que a sua família raramente visita os grandes museus de arte da cidade. Pelo contrário, são muitas vezes vistos em pequenas galerias e museus nos bairros. Chirlane McCray frequenta sessões de leitura, foi membro do júri de concursos de poesia e promoveu, no dia da tomada de posse do seu marido, a leitura de um poema de um jovem poeta. A comissão de transição de De Blasio (ou seja, as pessoas que o ajudarão a escolher a sua equipa) inclui peritos ligados ao Public Theatre, ao Brooklyn Museum, à Brooklyn Academy of Music, assim como o director do Studio Museum in Harlem.

Poucos dias depois, o portal Hyperallergic publicava um artigo de Mostafa Heddaya, De Blasio and the mythology of a new arts populism. Heddaya comentava as considerações do NYT, mas concluía que, no final de contas, os interesses culturais do novo presidente e da sua esposa são pouco relevantes, tal como o eram os do seu antecessor. Heddaya partilha com outros comentadores, que refere no seu texto, a preocupação pela forma como o novo executivo poderá vir a apoiar as artes, de forma construtiva e justa, e, também, como poderá conseguir mecenato para compensar o apoio que o anterior presidente Bloomberg garantia a certas instituições culturais da cidade investindo os seus próprios milhões. 

Problemas de financiamento e problemas permanentes com a falta de políticas culturais construtivas e justas. Nova Iorque não parece estar a enfrentar uma situação muito diferente daquela de outras cidades. No entanto, e para além desta discussão, fiquei a pensar em dois outros pontos: no facto dos gostos do novo presidente serem considerados “populistas” pelo NYT (haverá aqui um significado da palavra que eu desconheça?); mas, sobretudo, o facto destes mesmos gostos e hábitos serem um assunto discutido publicamente, nos jornais e nos blogs. Conheço pouco ou nada sobre os hábitos culturais dos homens e das mulheres que nos governam. Raramente este é um assunto entre nós, antes ou depois das eleições. E raramente me cruzei com eles, com os que nos governam, quer nos sítios onde trabalhei quer nos espaços que frequento, a não ser em momentos em que a sua presença era exigida pelo protocolo. (Há algumas ilustres excepções, poucas, as mesmas que compram bilhete ao invés de reclamarem convites.)

Fiquei com isto na cabeça, fiquei a pensar se importa saber que livros é que os nossos políticos lêem, que peças de teatro têm visto, que música ouvem, quais foram os seus filmes preferidos em 2013. Um outro acontecimento nos EUA lembrou-me novamente desta questão.

Imagem: Witness Against Torture (retirada do Flickr)
No dia 11 de Janeiro, dia do 12º aniversário da abertura de Guantánamo, activistas do grupo Witness Against Torture realizaram um protesto no National Museum of American History em Washington (ver aqui). Usando os característicos fatos laranja e capuzes pretos, ficaram em posição de detenção perto da entrada do museu. Outros fizeram um discurso, pedindo a Barak Obama para libertar os restantes 155 presos e fechar o campo. Mais tarde, dirigiram-se à sala da exposição “The price of freedom: Americans at war”, assumiram as mesmas posições de detenção e exibiram cartazes que diziam “Are these the price of freedom?” ou “Civil liberty?”.

Vi na escolha do local um simbolismo mais favorável para os museus do que aquele que os organizadores quiseram atribuir. “Viemos aqui hoje porque queremos ver Guantánamo relegado a um museu”, escreveram no comunicado de imprensa; mas diziam também: “(…) queremos vê-lo encerrado e condenado, mas também entendido como um exemplo de onde o medo, o ódio e a violência nos podem levar.”

Tinha sido no livro de Tzvetan Todorov La peur des barbares: Au-delà du choc des civilisations que li pela primeira vez sobre o Torture Memo, um documento redigido em 2002 pelo gabinete jurídico do Ministério da Justiça dos EUA, que serviu para apresentar uma “nova definição” do que constitui tortura e defender a legalidade dos actos cometidos pelo governo americano. Uma linguagem muito bem trabalhada por quem sabe usar (ou abusar?) das palavras. Um documento público chocante, que serviu para justificar actos desumanos, humilhantes, vergonhosos (por isso pensei que a escolha do National Museum of American History tinha um significado mais profundo do que “ver Guantánamo ‘relegado’ a um museu”).

Fiquei novamente a pensar que livros lêem, que peças de teatro vêem, que música ouvem, quais os filmes preferidos desses políticos, juristas, agentes de segurança, economistas e outros que, aproveitando-se e alimentando os nossos medos, encontram justificações para a barbárie e querem tornar-nos seus cúmplices. Desde o torturar presos que nunca foram formalmente acusados, ao promover referendos sobre direitos fundamentais, cortar pensões que já eram de miséria, aumentar o número de alunos por turma e diminuir o número de professores e matérias, pôr em risco o bom funcionamento das instituições culturais e comprometer o acesso às mesmas, os direitos humanos são todos os dias violados, ‘por uma boa causa’, nos nossos países ‘civilizados’.


Distribuição de roupa e alimentos, Portugal, Natal 2013 (Foto: Bruno Simões Castanheira para o Projecto Troika)

Martin Luther Kink disse que “A verdadeira medida de um homem não é a posição que mantém em momentos de conforto e conveniência, mas a posição que mantém em momentos de desafio e controvérsia”. Talvez não importa mesmo saber quais os hábitos e gostos culturais de quem nos governa e de quem os apoia. Os livros, o teatro, a música não têm super-poderes. É preciso o homem ter força e consciência para conseguir usar o que neles encontrou contra a sua própria, sempre subjacente, barbárie.

Monday 13 January 2014

Blogger convidado: "Visão artística e mecenato", por Filiz Ova-Karaoglu (Turquia)

Quando conheci a Filiz e ouvi-a apresentar o seu trabalho, lembro-me que sorri. Apesar de tranquila e algo reservada, estava a explodir com ideias e parecia que não sabia como lidar com todas elas, o que fazer com elas. Neste post escreve sobre o seu trabalho na Sala de Concertos Is Sanat, financiada pelo banco homónimo. Os equilíbrios não são fáceis de manter, especialmente nos dias de hoje, mas a Filiz está a criar um caminho, constantemente a aprender, a experimentar, clara sobre os seus objectivos. mv

Buika Symphonic, 24 Maio 2013 (Foto: Ilgın Yanmaz)
As dificuldades financeiras nas instituições culturais são um assunto permanente na nossa área. Especialmente em países onde o apoio à cultura é algo que ainda e sobretudo diz respeito a entidades privadas, com muito pouco apoio da parte do governo. Até os pioneiros que têm mais sucesso neste sector não são sempre economicamente eloquentes. Temos a tendência de esquecer que estamos a gerir um negócio e que, apesar de não termos fins lucrativos, temos que manter as nossas instituições activas. Muito recentemente, vimos umas das mais destacadas instituições culturais turcas prestes a perder o seu edifício devido a um grande buraco financeiro. Salva pelos seus fundadores – uma grande empresa – no último momento antes de perder o seu lindo edifício, coloca a questão do envolvimento de instituições financeiras na cultura e na arte: deveriam manter-se apenas como mecenas ou interferir directamente no trabalho?

O crescente envolvimento das empresas nas instituições culturais não parece tão rebuscado. Não agem como um patrocinador, mantidas à distância e convidadas apenas para as festas, mas são uma parte essencial do nosso plano estratégico e da tomada de decisões. Num ambiente onde a indústria cultural está a florescer, com grandes investimentos em várias formas artísticas, desde as galerias de arte moderna aos museus, desde espaços para concertos e artes performativas às arenas, a questão é se os profissionais de cultura tem um know how suficiente sobre questões económicas, sociológicas e de marketing. E precisam de ter?

Sim, realmente. Vejo um modelo onde o envolvimento directo nas estratégias financeiras e de marketing é um ponto vital e uma grande vantagem. Ter o patrocínio de uma grande empresa e, ao mesmo tempo, ser parte da sua estrutura interna, proporciona uma estrutura estável e sustentável de estratégias de marketing e comunicação e permite a adaptação a um ambiente em constante mudança, sociologicamente, estrategicamente e economicamente. Apesar disto trazer alguma dependência de certas doutrinas adoptadas pela empresa e de certas expectativas, penso que podemos criar um compromisso, desde que o nosso trabalho artístico possa continuar a fluir livremente. Essas doutrinas não têm necessariamente que ser restritivas. Existem excelentes exemplos, como a Bienal Internacional de Istambul, que foi realizada com sucesso e que é, sem dúvida, um dos projectos mais corajosos e inovadores na sua área a nível internacional, especialmente a sua última edição, que enfrentou um realidade sócio-política bastante difícil na Turquia.

Mesmo assim, iria distinguir uma relação meramente de patrocínio de uma relação de interacção com uma empresa. Consideraria a questão do patrocínio um apoio externo no âmbito de uma visão artística existente, enquanto na relação de interacção é desenvolvida uma visão artística coerente. Esta não deveria estar baseada de forma alguma em preocupações ligadas ao sucesso comercial, embora tenhamos que olhar para a nossa viabilidade. Uma iniciativa nova, sem garantias de sucesso, precisa de paciência, mas, sobretudo, de uma visão baseada numa missão sólida. Apesar de não podermos registar grandes números, existem, felizmente, alguns exemplos em várias áreas, como galerias de arte, museus e espaços para as artes performativas.

L.A. Dance Project, 10 Maio 2013 (Foto: Ilgın Yanmaz)
A adopção de uma visão a longo prazo baseada em princípios de sustentabilidade resulta numa instituição estável, enraizada num terreno comercial e artístico sólido. Se isto poderia associar-se à criatividade e à liberdade artística, estaríamos num mundo perfeito de utopia artística. Mas mesmo assim, existem modelos de trabalho. Is Sanat foi fundado em 2000 como uma espaço para concertos que acolheria várias formas artísticas. A partir dessa altura, recebeu uma grande variedade de espectáculos, desde a música clássica ao jazz, músicas do mundo, actividades para crianças, recitais de poesia, música tradicional turca, concertos de pop e acoustic rock, uma série com jovens artistas emergentes, e muito mais. O espaço inclui ainda uma galeria de arte que recebe quatro retrospectivas por ano. Sendo uma entidade inovadora numa zona que se tornou num dos bairros de negócios e compras mais populares da cidade, com instituições artísticas emergentes e uma grande variedade de eventos culturais, continua a ser até hoje, de muitos pontos de vista, a única instituição do género.

Com base em certos princípios que foram definidos desde a fundação da nossa instituição, coerentes com as doutrinas de sustentabilidade e longevidade dos nossos mecenas, sendo nós a equipa artística, desenvolvemos um pacote, um casulo artístico à volta destes princípios, que apresentamos como sugestão aos nossos mecenas, e que eles têm a amabilidade de aceitar. Em troca, desenvolvemos as estratégias certas para o nosso ‘casulo artístico’, incluindo marketing e comunicação. É uma interacção mútua, um modelo de dar e de receber um do outro. Nesse sentido, a abertura para a mudança é um factor importante no nosso trabalho. Reinventámo-nos a nós próprios de várias formas ao longo dos anos. A mudança demográfica do nosso público levou-nos a incluir novos géneros na nossa programação, tal como teatro para a infância, a série Rising Star de concertos de acoustic rock, que provaram ser muito populares depois de um certo período de tempo. Mas, mais uma vez, foi preciso tempo para se desenvolverem e acentar. Juntos abraçamos um ambiente artístico, económico e social em mudança, ano após ano. Mantendo-nos fiéis aos nossos princípios, desenvolvemos e crescemos. No próximo ano Is Sanat vai celebrar o seu 15º ano neste modelo de colaboração. Uma vez que estamos constantemente a desenvolver, não sabemos se isto não vai mudar. Mas, para nós, provou ter sucesso nos últimos 14 anos e só podemos esperar que continue a tê-lo para muitos mais anos no futuro.

Nota:
Quando fazia a revisão deste artigo, a minha colega e amiga Maria, que me convidou para escrever no seu blog, perguntou e com razão:”Se nós profissionais da cultura precisamos de nos interessar e adquirir know-how em assuntos económicos, as empresas que participam no nosso trabalho precisam de saber de arte?”. Diria que um entendimento do conteúdo artístico seria necessário, sim. Mas se for comunicado em detalhe e correctamente pela equipa artística, isto não deveria causar problemas. Como referi, uma vez que o nosso trabalho artístico tem fluído livremente e temos estado a trabalhar à volta do conceito artístico, verificamos que no nosso caso a maioria das estratégias tem funcionado bem. Não tem sido impecável e ao longo dos anos temos encontrado obstáculos no nosso entendimento mútuo. Depois de 14 anos, no entanto, desenvolvemos uma unidade.



Filiz Ova-Karaoglu é directora artística da sala de concertos Is Sanat. Is Sanat tem uma lotação de 800 lugares e apresenta uma temporada de 7 meses com uma programação variada de artes performativas. Tendo trabalhado para a Is Sanat desde 2008 como Directora Assistente, Filiz Ova-Karaoglu foi nomeada Directora Artística em Janeiro 2013. É Mestre em História de Arte e Estudos Americanos pela Eberhard Karls University Tubingen, onde  continua os seus estudos a nível de doutoramento. É Summer Fellow no DeVos Institute of Arts Management no Kennedy Center for the Performing Arts.

Monday 6 January 2014

Para que possam viver felizes para sempre


Lembro-me que quando li a notícia sobre a colaboração do Museu de Arte Antiga (MNAA) com a agência Everything is New na produção da exposição do Prado em Portugal senti-me um pouco surpreendida. Tão pouco tempo depois da exposição de Joana Vasconcelos no Palácio da Ajuda e apesar das questões que aquela primeira parceria tinha levantado (não tanto publicamente e formalmente, talvez, mas, sem dúvida, em muitas conversas entre colegas), aqui estava mais uma parceria do Estado Português (e de um museu nacional) com o mesmo parceiro. Pelo que li nos jornais, a Everything is New financiou a produção da exposição no valor de €380.000, sendo que a receita de bilheteira e de outras vendas até este valor será a 100% da Everything is New; acima deste montante, será dividida entre esta agência e o MNAA.   

Acredito muito nas parcerias público-privadas e penso que irão acontecer cada vez mais e ainda bem. Além disso, e no caso específico da Everything is New, gostei particularmente de ler as afirmações do seu director, Álvaro Covões, em Novembro passado, a propósito dos resultados do Eurobarómetro sobre a participação cultural dos portugueses. Numa altura em que a maioria das reacções no sector ia no sentido de acusar este povo de ignorância e desinteresse e falta de cultura, Covões dizia que o estudo não era assustador e que, pelo contrário, representava uma oportunidade e uma responsabilidade social. Eu também penso o mesmo.


Quando na semana passada entrei no MNAA, uma das primeiras coisas que vi foi um suporte acrílico com folhetos: da exposição temporária do Prado em Portugal; do concerto da Beyonce; e do espectáculo “Dralion” do Cirque du Soleil. Percebi, então, que este era o suporte de publicidade da Everything is New. Esta mistura de propostas fez-me sorrir. Colocar as paisagens nórdicas de Rubens, Brueghel e Lorrain lado a lado com a Beyonce, no Museu de Arte Antiga, pode ser uma forma de desafiar os nossos preconceitos sobre “alta” e “baixa” cultura, de reconhecer que quem gosta de uma coisa pode também gostar da outra e que as formas de participação cultural variam e não acontecem apenas dentro de moldes pré-definidos pelos profissionais do sector. Acredito que esta coexistência no suporte acrílico tenha sido apenas o resultado de uma das contrapartidas dadas à Everything is New e não uma tentativa consciente de desafiar as nossas noções sobre o que é “cultura” e “arte”. Mesmo assim, é um dos resultados colaterais, e para mim positivos, deste género de parcerias.

Depois deste sorriso inicial, no entanto, começaram a surgir as dúvidas. E isto porque, quanto mais olho para os pormenores da comunicação desta parceria, mais sinto que o que vi não foi a nova exposição do MNAA, mas sim, a exposição da Everything is New no MNAA. Detalhes? Talvez sim, talvez não.

O folheto da exposição é um folheto neutro. ‘Neutro’ porque não identifica, como devia, a entidade promotora, a entidade que apresenta a exposição e que nos convida a visitá-la (o que normalmente acontece através da inclusão do logo desta num lugar de destaque). No caso do MNAA e de outros museus nacionais isto não é novo. Estas entidades estão condenadas à discrição, não se podem assumir como grandes promotoras das suas iniciativas, sendo o seu logo remetido para o rodapé dos materiais de divulgação, obrigatoriamente precedido por aqueles (dois neste caso) da sua tutela e ao mesmo nível que os logos dos apoios. Nos materiais de divulgação, a referência aos museus nacionais é, em primeiro lugar, uma referência ao local – apenas o local – de uma exposição. O que é novo no folheto desta exposição no MNAA é que o museu é mesmo identificado como ‘o local’. Não se trata apenas de uma interpretação da forma como a informação é referenciada, mas existe mesmo a designação “Localização / Location”, e não “Morada / Address”, como seria natural. Detalhes? Talvez sim, talvez não.

A posição discreta do MNAA no âmbito desta parceria é reafirmada nos suportes online. Ao clicar na imagem desta exposição temporária no website do museu, somos levados para uma página com apenas três links: 1. Nota de imprensa + info (encontramos aqui informação destinada apenas aos meios de comunicação social); 2. Vídeo de divulgação (no canal do You Tube do MNAA e com o título “A Paisagem Nórdica do Museu do Prado” e não “Rubens, Brueghel, Lorrain”, que é o título com o qual a exposição está a ser divulgada – um pouco enganador, mas por uma boa causa, suponho, uma vez que os nomes são atractivos, apesar da sua representação na exposição ser limitada); 3.  Bilhetes e informações (remete para o site específico da exposição - Porque é que esta exposição tem um site específico? Porque é que não encontramos toda a informação relevante no site do MNAA?). Detalhes? Talvez sim, talvez não.

Imagem retirada do website Portugal Confidential.
Onde quero chegar? Uma das coisas que aprendi e muito bem nesta profissão é que tudo, ‘tudo’, comunica: o que se diz e o que não se diz; o que se faz e o que não se faz. E o que me é comunicado no caso desta parceria, olhando para alguns suportes de divulgação e lendo as notícias nos jornais, é a afirmação da Everything is New como o agente que permitiu tornar a exposição realidade e que, por isso, pode beneficiar de (ou exigir?) condições especiais de apresentação e de representação.

“Mas, o que é que te incomoda realmente?”, insistiu uma amiga.

O que me incomoda realmente é que parcerias como esta são, na verdade, vistas como uma espécie de favor que se faz da parte de quem tem o dinheiro e não como verdadeiras parcerias, que contam com o contributo de ambas ou, neste caso, de várias partes. A Everything is New investiu nesta exposição, como antes na exposição da Joana Vasconcelos, um valor muito significativo que, sem dúvida, foi determinante para a viabilização do projecto. Fê-lo não porque teve pena dos museus e das condições muito limitadas em que estes estão a operar, mas porque sentiu que tinha algo a ganhar com isto, tanto em termos financeiros, como também em termos de prestígio, nesta área que não é propriamente – ou ainda - a sua. Por isso, não investiu numa exposição qualquer, mas sim, numa exposição que resulta da parceria do MNAA com o Museu do Prado. Pelo seu lado, o MNAA não recebeu apenas. Contribuiu igualmente para a realização da exposição. Contribuiu com o espaço, contribuiu com a toda a sua infra-estrutura, contribuiu com a sua expertise e contribuiu com o seu prestígio. Esta exposição não seria a mesma coisa se este museu não estivesse envolvido. E ainda, quanto terá custado, por exemplo, o seguro das obras, suportado pela Lusitânia? Ou a impressão do catálogo, assumida pela Casa da Imprensa? Portanto, esta é uma verdadeira parceria e deveria ser encarada como uma “win-win situation” e não como um risco assumido, generosamente e apenas, pela Everything is New. A exposição não teria acontecido apenas com os €380.000 que a agência investiu, não é verdade?

Imagem retirada do website Museus de Portugal
Mas mesmo antes disto, o que me incomoda realmente, e principalmente, é que o Estado avançou com esta nova parceria com a Everything is New sem terem sido discutidas, esclarecidas e avaliadas as questões levantadas pela exposição da Joana Vasconcelos no Palácio da Ajuda. Questões relacionadas com a entrega do espaço ao controlo do parceiro/investidor; com o impacto na colecção do Palácio e no próprio edifício, devido a decisões/imposições que contrariavam os conselhos dos técnicos do museu; com as condições de contratação e com a preparação dos monitores da exposição. Não consigo dizer até que ponto estas questões têm fundamento ou não; também não tenho informação concreta sobre os moldes da parceria, apesar de a ter procurado.

O Estado tem responsabilidades e tem a obrigação de ser transparente na elaboração destas parcerias. Nós, os profissionais, também temos responsabilidades e a obrigação de exigir transparência e de intervir de forma decisiva, o que ultrapassa as conversas entre colegas e a troca de comentários no Facebook. As parcerias público-privadas são fundamentais e, na minha opinião, desejáveis. Tal como é desejável que tenhamos conhecimento dos moldes em que as mesmas se constróem para que não fiquemos com a incómoda sensação - interpretando os sinais, as conversas, os rumores e as notícias nos jornais – que os museus nacionais são entregues a agentes externos e usados apenas como palcos. Detalhes? Certamente que não.