Nicholas Penny, director da National Gallery (imagem retirada do Guardian) |
Os directores de dois museus de Londres anunciaram este mês
que irão deixar o seu lugar assim que forem nomeados os seus sucessores:
primeiro, Sandy Nairne da National Portrait Gallery e depois Nicholas Penny da
National Gallery. Dois directores considerados muito bem sucedidos.
Embora nem tenham especificado algum motivo profissional
especial para deixarem o cargo (pelo menos, a minha pesquisa no Google não
revelou algo neste sentido), o jornalista do Guardian Jonathan Jones pensa que
o motivo pode ser o aumento da pressão sobre os directores dos museus de
Londres devido a expectativas populistas, a suposição da parte dos meios de
comunicação de que todas as exposições devem ser um sucesso e uma crença
política que os museus devem não apenas apresentar colecções bem geridas, mas também fornecer entretenimento e educação a todos. E Jones afirma:
"(...) Será que estamos prestes a ver uma nova geração
tecnocrata de chefes de museus que baixam a cabeça, colocam as
relações públicas em primeiro lugar e fazem tudo o que podem para cumprir metas
definidas pelos políticos e pela imprensa? (...) Esse tipo de pressão não deixa
propriamente muito espaço para a experimentação. Os museus não podem ser apenas
máquinas de entretenimento. Devem ter um lado mais calmo, onde a arte vem em
primeiro lugar, as multidões em segundo e um lado académico que reverencia
alguém como Penny. Tudo isto parece ser o anúncio deprimente do final da
individualidade no mundo dos museus." (leiam o artigo)
Torna-se cada vez mais difícil para mim entender porque é
que os museus são ainda e constantemente confrontados com dicotomias: objectos
ou pessoas; estudiosos ou tecnocratas; quietude e reverência ou publicidade e
acessibilidade. Tem que ser assim? Não é possível encontrar um equilíbrio? Não
podem ser ‘E’?
Ao ler o livro “Civilizing the museum" de Elaine
Heumann Gurian há um par de anos, lembro-me de ter uma sensação de grande consolo
ao chegar ao capítulo "The importance of 'and'." Elaine comentava sobre o relatório da American Association of Museums Excellence and Equity (um relatório que em 1993 foi distribuído a todos os estudantes de museologia
no UCL, onde eu estudava). Lia-se:
"(...) Este relatório fez uma tentativa concertada para
aceitar as duas ideias principais propostas por facções dentro do sector –
equidade e excelência - como iguais e sem que uma delas fosse
prioritária." Mais adiante: "(...) para o sector dos museus ir para a
frente, é preciso mais do que trazer uma paz política, associando palavras.
Devemos acreditar no que escrevemos, ou seja, que organizações complexas devem
abraçar a coexistência de mais que uma missão principal." E ainda:
“Ocorreu-me que talvez toda a minha carreira tenha sido metaforicamente sobre o
'e' ".
Devemos acreditar no que escrevemos, este é um ponto. E,
provavelmente, o outro ponto é que devemos ir em frente e fazer aquilo sobre o
que escrevemos ou falamos. Porque não é impossível fazê-lo. Quem é a melhor
pessoa para o fazer? Pode ser apenas uma pessoa? Será que as equipas que
envolvem profissionais com diferentes sensibilidades conseguem atingir estes
múltiplos objectivos de uma forma mais equilibrada? Procuramos criar este tipo
de equipas? São todos ouvidos equitativamente?
"Publicidade e acessibilidade são tudo", escreve
Jonathan Jones num tom de crítica negativa no seu artigo. A publicidade pode
não ser tudo, mas a acessibilidade certamente é. Os museus são para qualquer
pessoa que possa estar interessada neles, mas nem todas as pessoas abordam os
seus conteúdos com o mesmo nível de conhecimento ou de interesse e com o mesmo
tipo de necessidades. É um trabalho difícil, de facto, mas, se os museus querem
cumprir a sua missão, têm que ter um lado mais calmo e um lado de celebração.
Têm que agradar àqueles que sabem e têm que encantar quem não sabe tanto ou
quem não sabe nada. Foi em 1853 que o naturalista britânico Edward Forbes
escreveu: "Os curadores podem ser prodígios do saber e ainda impróprios
para o seu lugar, se não sabem nada sobre pedagogia, se não estão preparados
para ensinar as pessoas que nada sabem." Essas pessoas são importantes
também. Essas pessoas talvez sejam ainda mais importantes.
Enquanto escrevo sobre estas dicotomias, surge-me mais
uma necessidade, como profissional, mas também como cidadã. Gostaria de ouvir a
opinião dos responsáveis pela gestão dos nossos museus (e organizações
culturais em geral) sobre estas questões. Gostaria de ouvir afirmações claras,
gostaria de sentir que há uma visão por trás delas. Gostaria de saber qual o
plano em que poderá incidir a minha crítica. Jonathan Jones está
preocupado com os tecnocratas que mantêm a cabeça em baixo, eu estou preocupada
com os directores (de museus, teatros, orquestras, bibliotecas) que se mantêm
silenciosos. Estive recentemente num debate onde alguém disse: "Felizmente,
eu nunca fui convidado para ocupar cargos de direcção e isso significa que fui
sempre livre de dizer o que penso." Felizmente? Isto não é profundamente
preocupante?
Não há dúvida de que há uma grande dificuldade em lidar
com gestores ou directores com opinião. Nesta nossa democracia, alguém que
assume um determinado cargo é suposto mostrar uma espécie de
"lealdade" que o/a impede de partilhar publicamente a sua opinião
(especialmente quando contrária às posições dos governos). Não estou a defender
que todos os problemas, todas as discordâncias, devam ser tratados em público.
No entanto, há assuntos que dizem respeito a todos nós. Quando o Estado nomeia certas pessoas para determinados cargos,
gostaria de saber o que se espera delas. Quando essas certas pessoas aceitam o
cargo, gostaria de saber o que pretendem fazer e qual será o plano para
alcançar os objectivos. E se elas sentem que não lhes são dadas as condições
para fazerem bem o seu trabalho ou se não sentem que estão à altura do que se espera delas, eu
gostaria de saber sobre isto também. Quando dois directores de museus (em
Londres ou em qualquer outro lugar) anunciam, num espaço de duas semanas um do
outro, que se vão embora, gostaria de perceber o porquê. Quando outros
directores de museus (em Londres ou em qualquer outro lugar), se mantêm no
cargo, apesar do estado das coisas, também gostaria de perceber o que é que os
faz ficar.