Monday 23 January 2012

O que pode fazer a diferença?


Foto tirada de http://www.londontheatredirect.com/
War Horse é uma produção do National Theatre (Londres) que estreou em Outubro de 2007. Em 2009 mudou-se para o West End. Em 2011 atravessou o Atlântico para ser apresentada em Broadway. Em 2012 está prevista uma digressão nos EUA. Trata-se de uma produção multi-premiada, adorada pelo público e pelos críticos de teatro, e é um grande sucesso de bilheteira. O lucro anual de 3 milhões de libras das apresentações da peça em West End tornou insignificantes os cortes no subsídio que o National Theatre recebe do Arts Council England (ler notícia aqui).

Em Maio de 2010, o Guardian publicava o artigo Theatre trailers: missing an opportunity. A jornalista incentivava os teatros a serem um pouco mais ambiciosos na divulgação das suas produções, citando como bons exemplos o National Theatre e Sadler´s Wells. Foi neste artigo que encontrei o link para este trailer:



Era a primeira vez que via um trabalho deste género, a fazer lembrar a publicidade dos filmes de cinema, para a divulgação de uma peça de teatro. Lembro-me de ter ficado encantada: toda a edição do trailer (o ritmo, as cenas escolhidas, a música) gerou em mim a vontade de ver a peça, de conhecer a história, de descobrir o que acontece no fim. Será este trailer o segredo do sucesso de War Horse? Provavelmente não. O segredo - que não é segredo - é que as pessoas que assistiram à peça adoraram e passaram a palavra a muitas-muitas outras. Terá este trailer feito a diferença na escolha das pessoas que inicialmente viram a peça? Claro que não tenho dados, mas é provável que tenha influenciado, muito até, no sentido que, no meio de tanta concorrência, entre muitas outras opções na oferta teatral, e não só, de Londres, esta abordagem marcou a diferença, gerou emoções, alimentou o passar-a-palavra, criou a necessidade de não perder (de uma forma muito mais palpável e eficaz do que a afirmação “A não perder!” que muitos produtores, sobretudo na área da música, insistem em colocar em todos os materiais de divulgação, desde os comunicados de imprensa aos cartazes).

A questão dos trailers para as produções de teatro voltou a ser abordada recentemente pelo New York Times, em Trailers to tempt the theatergoer. Um artigo mais técnico, que apresenta alguns exemplos e disponibiliza informações sobre os criadores, os meios e as técnicas, os custos e, sobretudo, os objectivos que se pretendia alcançar através do uso deste meio: desde apresentar a estética de uma companhia ao esclarecer eventuais preconceitos sobre o conteúdo de uma peça e, claro, reforçar na mente das pessoas os pontos fortes de uma produção, as razões porque não a podem perder.

Os trailers fizeram-me pensar novamente nos desafios que os profissionais da Comunicação estão a enfrentar na sua constante busca de novas formas e novos meios para chegarem aos públicos. O ambiente em que estamos a actuar está a mudar rápida e constantemente: a oferta é maior; o poder de compra, nesta fase, menor; os meios tecnológicos ao nosso dispor (e ao dispor do público) estão a afectar profundamente a relação entre ‘produtor’ e ‘consumidor’. O que poderá fazer a diferença na mente e no coração das pessoas? O que é preciso para chamar a atenção delas, despertar o seu interesse, gerar entusiasmo, convencê-las a deslocarem-se até ao nosso teatro, museu, galeria, auditório?

De uma coisa estou certa: não é preciso mais publicidade. ‘Publicidade’ no formato do anúncio de imprensa, espaço pago com publicidade informativa sobre o quê, onde, quando. Penso que este suporte serve ainda, apesar de já não ser o meio principal, para manter informadas as pessoas que normalmente acompanham a oferta cultural na cidade, que assistem a espectáculos, que visitam exposições e que convidam ou recomendam uma determinada actividade a outras pessoas; e serve ainda, e talvez sobretudo, para reforçar a imagem de uma instituição cultural, para ‘marcar posição’. O anúncio de imprensa - assim como o spot de televisão, acrescentaria aqui - é hoje um meio de marketing institucional e não de marketing programático. Aliás, da forma pouco inspirada como o temos usado, alguma vez terá sido?

O que poderá fazer a diferença, então? A imaginação. A inovação. A simplicidade. A intenção de desmistificar, de ser acessível. A vontade de tocar, maravilhar, inspirar as pessoas. De as fazer pensar. E também de as fazer esquecer.

Como é que isto se faz? Pode ser um trailer como o do War Horse; pode ser uma campanha como a “Quer ver a 3D? Venha ao teatro”, promovida há dois anos pelo Teatro Nacional D. Maria II (luminosa excepção, na minha opinião, no que normalmente se entende por ‘campanha publicitária’ pelas instituições culturais portuguesas);



pode ser um vídeo como este, da série Le Louvre invisible, que partilha pequenos momentos do dia-a-dia das nossas instituições; pode ser um programador que faz questão de explicar aos funcionários da bilheteira quais os pontos fortes de cada projecto, porque é que o público não pode perder cada uma das propostas, de forma que eles, os funcionários, e, através deles, o público, se possam sentir mais esclarecidos e informados, curiosos e interessados, e talvez até disponíveis para arriscar algo novo (refiro-me aqui concretamente a uma prática do anterior programador de música no CCB, João Godinho); podem ser os simples emails que cada vez mais artistas, directores de museus, curadores e programadores enviam para o seu ciclo, mais ou menos restrito, de amigos e conhecidos, dando a conhecer pessoalmente o seu trabalho e convidando a assistir/visitar, de uma forma muito mais directa, pessoal, acessível e entusiasmante – tornando inevitavelmente este mesmo ciclo de pessoas em mensageiros; pode ser uma iniciativa tão simples, bem-humorada e envolvente como a It´s Time we Met do Metropolitan Museum of Art, agora na sua quarta edição; pode ser uma forma especial de dizer “Feliz Ano Novo”.


Ler o post de Nina Simon Open thread: How does your institution say happy new year?

Exemplos soltos de coisas que li e vi nos últimos tempos. O que é comum em todos é a vontade de chegar às pessoas, estender o convite, fazer a ligação, evidenciar a relevância, criar envolvimento e cumplicidade.

Monday 9 January 2012

Fazendo votos que o caminho seja longo

Tudo começou há seis meses, num museu: o National Museum of African Art em Washington. Não, não foi um objecto. Foi um filme. Um ecrã num canto mostrava um filme sobre o escultor senegalês Ousmane Sow e as suas impressionantes e poderosas figuras. Nunca tinha ouvido falar dele. Havia várias pessoas à minha frente, não podia ver muito bem, mas fiquei completamente absorvida, ao vê-lo trabalhar, ao ouvir a sua voz e o seu lindo francês. Regressei na semana seguinte só para ver o filme. Menos pessoas desta vez, mas ainda sem espaço para me sentar. Sentei-me no chão e voltei a ver. Duas vezes.

Ousmane Sow (Foto tirada de http://www.africultures.com/)
Quando comecei a pensar no meu próximo destino, o Senegal estava em primeiro na lista. Comprei o guia e comecei a ler e a pesquisar na internet. É sempre emocionante preparar uma viagem, mas desta vez apercebi-me que estava a preparar-me para ir a um país sobre o qual não sabia absolutamente nada, além de ter uma ideia vaga sobre a sua forte tradição musical. Não sabia nada sobre a sua história política, nem sobre os seus povos, culturas e artes.

Até há pouco tempo, a África subsaariana não existia na minha cabeça (e nas minhas leituras) antes do século XV-XVI. Estava confinada ao norte árabe, que sempre me fascinou (para ser recentemente confrontada com uma afirmação no blog Africa is a Country que “’árabe’ é um termo imperial e anistórico que cria uma distinção falsa entre África do ‘Norte’ e África ‘Subsaariana’”. Ponto de vista aceite…) Pouco a pouco, mergulhei no mundo de imperadores e guerreiros e pregadores que fizeram história na região da África Ocidental antes da chegada dos europeus e cujos feitos são cantados pelos griots (guardiões da história oral).


Mais sobre o documentário de Volker Goetze aqui.

E, apesar de pensar inicialmente que esta era um mundo de homens, comecei a cruzar-me com as griottes e, entre elas, com uma senegalesa muito especial, Yandé Codou Sène, falecida em 2010, que se orgulhava da sua arte (vale a pena ver o vídeo em baixo; quando ultrapassa a sua raiva, ela efectivamente canta – ao minuto 5) e que era respeitada e estimada pelo seu povo (ver aqui).



Da história oral, passei para a palavra escrita e uma das primeiras figuras a emergir foi Léopold Sédar Senghor, primeiro Presidente eleito do Senegal, mas também um pensador e poeta (entre os seus poemas mais conhecidos, Femme noire e Poème à mon frère blanc), o primeiro africano a entrar na Academia Francesa. Alguns dos seus discursos sobre négritude (um conceito que ele firmemente impôs ao diálogo político do seu tempo, que põe ênfase nas ideias e cultura de África negra em oposição às políticas coloniais de assimilação dos franceses) podem ser ouvidos aqui. No que diz respeito a outros escritores, inicialmente estava limitada aos ‘clássicos’ apresentados no meu guia e fiquei particularmente interessada em duas senhoras, cujos livros apressei-me a comprar. Mariama Bâ, uma feminista profundamente preocupada com o destino das mulheres africanas (o seu direito à educação, o seu lugar numa sociedade patriarcal e polígama), escreveu em 1981 uma história curta chamada Une si longue lettre (Uma carta tão longa). Aminata Sow Fall, crítica da sociedade senegalesa – das suas desigualdades, do poder das elites políticas –, é a autora de quatro romances, sendo o mais conhecido La grève des bàttu (A greve dos mendigos). A minha busca levou-me depois até à geração mais nova, que estou ansiosa de ‘encontrar’ na livraria Athena em Dakar: Sokhna Benga, Fama Diagne Sène, Woré Ndiaye Kandji, para mencionar alguns nomes. E ainda, para não referir apenas mulheres, Boubacar Boris Diop, autor de Murambi, le livre des ossements, e um escritor que decidiu há uns anos voltar a escrever em wolof, uma das línguas faladas no Senegal (ler artigo aqui).


A música é o que realmente marca a cultura senegalesa. É sem dúvida o maior capítulo no meu guia. Uma vez iniciada a pesquisa, encontramos tantos nomes, tantos géneros diferentes. Mas aquilo que chamou em particular a minha atenção no meio de tanta informação foi o envolvimento do mundo da música nas eleições presidenciais, marcadas para o próximo mês. Para além do cantor mais famoso do país a nível mundial, Youssou Ndour, ser candidato, existe um movimento de jovens rappers, chamado Y´en a marre, que desafia o actual Presidente, Abdoulaye Wade, que tentou alterar a Constituição para se poder candidatar a um terceiro mandato (ler artigo no Le Monde aqui). O movimento tem página própria no Facebook.

O cinema senegalês era outra arte sobre a qual não sabia absolutamente nada. Fiquei tão contente ao encontrar o filme Moolaadé de Ousmane Sembène (o cineasta mais conhecido do Senegal; 1923-2007) disponível na íntegra no You Tube, só para descobrir que não tinha legendas numa língua que eu pudesse entender (os que entendem o bambara podem vê-lo aqui; o resto de nós pode ficar com uma ideia vendo o trailer).



E tal como Sembène lida no seu filme com a mutilação genital feminina, Joseph Gaï Ramaka (1952 - ) quebra outros tabús em Karmen Gei, lidando com a sensualidade e o amor lésbico.



Há muito poucas coisas na internet sobre a grande referência senegalesa na área da fotografia, Mama Casset (1908 – 1992), nomeadamente fotografias. Mas a minha busca levou-me também às referências mais jovens. Gostei particularmente do trabalho de Boubacar Touré Mandémory, especialmente, entre os seus álbuns disponíveis no Flickr, daquele que se entitula Émigration Clandestine.

Foto: Mama Casset
Entre os vários estilistas senegaleses que têm estado a deixar a sua marca na sua indústria a nível internacional, fiquei muito impressionada com Oumou Sy e a sua forma tão particular de misturar no seu trabalho a tradição com o design contemporâneo (vídeo de um dos seus desfiles de moda aqui).

Design: Oumou Sy
Uma outra referência, no que diz respeito aos têxteis senegaleses, é Aissa Dione, aqui numa entrevista para CulturaDakar (uma iniciativa cultural da Embaixada de Espanha em Dakar):



Foi a dança/performance que me levou de volta ao homem que inspirou esta viagem: Hommage à Ousmane Sow de Danielle Gabou (ver aqui). Avançando daqui para a dança contemporânea senegalesa, a performance de Assane Thiam Contemporary Sabar Dance Group nas ruas de Dakar deixou-me maravilhada.



São estas algumas das referências que encontrei durante a preparação da minha viagem ao Senegal. Muito em breve estarei num avião com destino a Dakar, ansiosa para descobrir tudo o que não se pode encontrar num guia: os cheiros, os sabores, o barulho, o silêncio, a disposição e a sabedoria das pessoas. O sentimento de passar a noite por baixo do céu do deserto de Lompoul.

Foto retirada de http://www.gite-africain.com/
Nota: O diário da viagem ao Senegal está publicado aqui.