Monday 29 October 2012

Qual - ou quem - é a barreira?

Castelo de Mértola (Foto: Fátima Alves)

Uma família chega ao sopé do castelo de Mértola. Tem quatro crianças, uma delas com mobilidade bastante condicionada; um rapazinho nos seus 10-11 anos. Um dos irmãos pega no andarilho e transporta-o a correr até ao topo dos degraus que levam à entrada do castelo. A mãe apoia o seu filho no braço e começam os dois a subir lentamente os degraus. A meio, sugere-lhe fazer uma pausa. O rapaz prefere continuar. Faz um esforço enorme para colocar o pé, que treme do cansaço, no degrau seguinte. Não quero ultrapassá-los; sigo-os, quero acompanhá-los no seu ritmo. Chegando à entrada do Castelo, o rapaz finalmente descansa. A mãe avança um pouco para avaliar a dificuldade do resto do caminho.

Assisti a esta ‘subida ao castelo’ no fim de uma semana em que participei em dois encontros sobre museus e acessibilidade: o seminário anual do GAM – Grupo para a Acessibilidade nos Museus, no Seixal, intitulado Programar para a Diversidade, e o 1ºEncontro Transfronteiriço de Profissionais de Museus, em Alcoutim. Dias antes da realização do seminário do GAM, encontrei-me com uma colega polaca que me colocou a seguinte questão: “O que esperas destes encontros”?

Fala-se bastante de acessibilidade entre os profissionais de museus, cada vez mais. E o conceito de ‘acessibilidade’ está constantemente a crescer e a alargar-se. Não se trata apenas da preocupação em e da obrigação de dar resposta às necessidades das pessoas com deficiência (física e cognitiva), mas de um amplo leque de necessidades intelectuais, sociais e culturais dos cidadãos. Trata-se, ainda, de gerir e de saber aproveitar uma cada vez maior vontade e necessidade das pessoas em estarem envolvidas no processo de tomada de decisões, de forma a que se revejam nos produtos finais propostos pelos museus ao público (a minha comunicação sobre este tema em Alcoutim encontra-se disponível na coluna da direita).

Escrevo este texto quase uma semana depois e apercebo-me que as coisas que mais me marcaram nesses dois encontros e que mais me fizeram reflectir estão todas ligadas a questões de mentalidade, da nossa mentalidade, dos profissionais de museus.

Fernando António Baptista Pereira, professor na Faculdade de Belas-Artes e comissário de várias exposições apresentadas em Portugal e no estrangeiro, fez a conferência de abertura no seminário do GAM. Questionado sobre a sua melhor e a sua pior exposição, não hesitou em admitir que as suas piores exposições, apesar de lindíssimas, foram aquelas que fez para os seus pares, aquelas que não foram feitas a pensar no público em geral. Dá esperança ouvir isto da parte de alguém que comissariou e voltará a comissariar exposições que atraem um grande número de pessoas. E como Fernando António Baptista Pereira, haverá, com certeza, mais profissionais desta área (comissários, directores de museu, curadores) que, mesmo que não o digam, tenham consciência que assim é. Por isso, uma pessoa fica a pensar quando é que podemos esperar ver nos museus portugueses, e em particular nos museus nacionais (públicos) portugueses, exposições que possam ser entendidas pelos não-especialistas que as visitam e que são a maioria dos visitantes. Exposições que possam ser fonte de novos conhecimentos, de verdadeiro prazer e de descoberta, em vez de um meio de comunicação e de diálogo entre poucos entendidos e uma fonte de frustração para os restantes?

Em Alcoutim, assistimos à apresentação de Maribel Rodriguez Achutégui “Redacção de textos expositivos para todos os públicos”, que veio lembrar-nos que é possível, sim, escrever para todos, sem infantilizar, sem banalizar o discurso, sem pôr em causa a precisão científica da informação apresentada. A alguns de nós, a sua apresentação trouxe memórias do excelente seminário Sabe escrever para todos? A acessibilidade da comunicação escrita nos museus, o primeiro seminário anual do GAM, em 2006, que contou com duas presenças marcantes: a de Helen Coxall (consultora em museum language – sim, a especialidade existe, assim como existe extensa bibliografia sobre a matéria, que em parte se encontra no site do GAM) e a de Julia Cassim (designer ligada ao Helen Hamlyn Centre for Inclusive Design). Mais tarde nesse ano, Helen Coxall fez um memorável workshop, Am I Communicating? Writing effective museum texts, organizado pelo GAM na Fundação Calouste Gulbenkian. Qual terá sido o impacto dessas iniciativas em Portugal? Quem trabalha em serviços educativos queixa-se frequentemente da dificuldade em ‘convencer’ comissários e directores de museus da necessidade dos textos (para as exposições, mas também para todos os suportes de comunicação do museu) serem escritos  numa linguagem mais acessível (se bem que as excepções existem: lembro-me, por exemplo, dos textos da exposição sobre o automóvel no Museu dos Transportes e Comunicações no Porto ou dos do Museu da Comunidade Concelhia da Batalha, para referir apenas dois). Uma pessoa fica a pensar, porque é que é que tão difícil convencê-los? Será que nunca ouviram as queixas dos seus visitantes, destinatários últimos, diz-se, desta oferta? Ou será que não se importam?

Uma outra apresentação brilhante e muito ‘educativa’ foi a do designer gráfico Filipe Trigo, que nos trouxe uma série de exemplos daqueles que já todos temos visto nas nossas visitas a museus e exposições: bíblias na parede (ou book on the wall), letra pequena, legendas escondidas ou colocadas muito baixo ou muito alto, contrastes que tornam a leitura impossível, anarquia na apresentação dos conteúdos (que ficam onde der mais jeito, sem uma lógica por trás). Esta apresentação merecia ser vista por comissários e directores de museus, mas também por designers gráficos, uma vez que não existe consenso sobre quem é que impõe soluções a quem. Existe é uma desconfiança mútua e talvez alguma indefinição sobre o papel de cada um e, entre os dois, sobre o papel dos museólogos e/ou profissionais dos serviços educativos e/ou profissionais da comunicação. Não faria sentido que cada um fosse ouvido sobre a sua área de especialidade, com o objectivo final de servir melhor as necessidades dos visitantes?

Hoje poderia responder melhor à pergunta da colega polaca, “O que esperas destes encontros?”. Espero que da próxima vez que se organizar um encontro para se falar de acessibilidade (qualquer tipo de acessibilidade) haja mais directores de museu, comissários de exposições, arquitectos e designers na audiência. Esta não é uma questão que diga apenas respeito aos serviços educativos. Diria até que diz cada vez mais respeito àqueles que tomam as decisões finais. Para que serve sensibilizar e preparar tecnicamente nos cursos de museologia futuros profissionais, que só daqui a 20 ou 30 anos estarão numa posição de tomar decisões, se nos próximos 20 ou 30 anos continuarem a encontrar a maior barreira de todas dentro dos próprios museus? Se estes encontros continuarem a ser uma oportunidade para se encontrarem os já sensibilizados e para concordarem entre eles, o seu impacto, então, continuará a ser mínimo ou quase inexistente. Há necessidade de assumir compromissos e não ficar pelo discurso politicamente correcto. Há também a obrigação de cumprir a lei. E tem que ser agora, não daqui a 20-30 anos. Não custa nada (e não custa mais…).


Vídeos
Joaquina Bobes, Textos expositivos y visitantes: ¿hablamos el mismo idioma? 
Julia Cassim, Inclusive design

Monday 22 October 2012

Blogger convidado: "Festivais, a nova cara do Zimbabwe", por Nicholas Moyo


É sempre um grande prazer ter uma conversa com Nicholas Moyo. Não só pelo seu sentido de humor, mas sobretudo pela sua sabedoria e experiência, pela sua forma calma e equilibrada de analisar as realidades à sua volta, pela sua crença num futuro melhor. Neste post, Nicholas escreve sobre a proliferação de festivais das artes no Zimbabwe e os esforços do National Arts Council para criar algumas directivas no sentido de assegurar que todos os festivais sejam realizados de acordo com as aspirações do país, no que diz respeito ao desenvolvimento das indústrias criativas. mv

Intwasa Arts Festival (Foto retirada de www.intwasa.org)
A criação de festivais das artes no Zimbabwe para a exposição de produtos artísticos e culturais tem sido moda na última década. Por muito que as pessoas possam concordam sobre o que é um festival, no Zimbabwe um festival relacionado com as artes é promovido como uma plataforma para a celebração das artes, onde artistas e outros profissionais ligados à cultura se juntam por um período específico para mostrar os seus produtos num ambiente carnavalesco e de festa.

Esta definição persiste porque os festivais são, em geral, um tempo de celebração e divertimento. Trata-se de um evento normalmente promovido por comunidades que se concentram num aspecto único daquele grupo de pessoas. No que diz respeito ao sector das artes e da cultura, cada festival é moldado à volta de um grupo particular de pessoas, que constituem o núcleo do mercado e do público.

O cenário actual

Há aproximadamente 25 festivais no Zimbabwe: seis internacionais, oito nacionais, seis provinciais e cinco distritais. A maioria destes festivais começou na última década, quando o panorama político estava em colapso, sobretudo a economia.

Nesse período, Zimbabwe testemunhou a proliferação de festivais de arte realizados em todo o país. Sem dúvida, alguns deles foram criados para lidar com questões relacionadas com os direitos humanos. Outros eram acolhidos por organizadores fugazes que procuravam ‘arrancar’ fundos a patrocinadores. Este cenário teve como resultado a intervenção do National Arts Council, que iniciou uma consulta com o sector, criando algumas directivas gerais para todos os festivais que tinham lugar no país. As directivas tinham como objectivo assegurar que todos os festivais de artes seriam realizados de acordo com as aspirações do país no que diz respeito ao desenvolvimento das indústrias criativas.

Harare International Festival for the Arts (Foto retirada de www.hifa.co.zw)
Sucessos

Os festivais são, em geral, uma plataforma enorme criada para o estabelecimento de uma transacção entre públicos e organizadores, que envolve a comercialização de um produto artístico. Em primeiro lugar, todos os festivais têm registado um aumento sustentado de afluência todos os anos. Existe um mercado crescente e uma nova relação entre este mercado e o sector criativo. As pessoas começam a trocar o seu tempo e recursos financeiros por ‘boa arte’.   

Em segundo lugar, os criadores consideram importante e necessário criar ‘boa arte’, nova e excitante, enquanto os produtores, directores e artistas têm estado a subir a fasquia, devido à natureza competitiva da indústria criativa. Os organizadores de festivais contratam novas produções, sobretudo a produtores respeitados, uma vez que estes conseguem atrair mais pessoas a produções específicas.

Harare International Festival for the Arts (Foto retirada de www.hifa.co.zw)
Desafios

As indústrias criativas têm tido bastantes desafios no mercado. No topo da lista está a incapacidade de atrair importantes parcerias que ou trariam apoios financeiros para o festival ou suportariam algumas das suas componentes, mesmo em género. Alguns organizadores não têm a capacidade de estabelecer estas parcerias, sendo impossível marcarem com regularidade datas no calendário. Assim, vemos certos festivais serem obrigados a cancelar datas com as quais poderiam ter avançado apenas se aparecesse um parceiro da última hora.

Os patrocinadores, especialmente aqueles do sector empresarial, não se têm mostrado disponíveis para apoiar as artes. E os festivais não são excepção. Alguns, como o Harare International Festival for the Arts, têm criado sinergias de negócios com empresas. Poderíamos dizer que os desafios económicos que o Zimbabwe enfrenta como nação têm o seu impacto na circulação do dinheiro na área do entretenimento. Os rendimentos dos trabalhadores do Zimbabwe estão abaixo da linha da pobreza e, por isso, este facto por si tem um efeito global nos hábitos de compra das pessoas e na forma como gastam o seu dinheiro.

Intwasa Arts Festival (Foto retirada de www.intwasa.org)
Em conclusão, os festivais no Zimbabwe são necessários para o desenvolvimento das indústrias criativas do país. Com os diferentes impulsos dados por diferentes festivais, é evidente que estes são cuidadosamente preparados no sentido de atrair consumidores específicos a produtos artísticos específicos. No entanto, terão que ser redesenhados como empreendimentos de negócio para os produtos criativos. O crescimento dos festivais irá igualmente garantir que as artes sejam vistas como um contribuinte decisivo para o PIB do país.


Nicholas Moyo é neste momento Director-Adjunto do National Arts Council do Zimbabwe. Tem mais de 20 anos de experiência em gestão cultural – como director, produtor e administrador. Tem participado em várias acções de formação e pequenos cursos, sobre gestão cultural, liderança, e fundraising, entre outros. Fundou o segundo maior festival multi-disciplinar do Zimbabwe, Intwasa Arts Festival koBulawayo, e é neste momento membro do Conselho Consultivo. É igualmente membro do Conselho Consultivo de Tusanani Cover Trust, uma organização que apoia crianças desfavorecidas. Nicholas Moyo foi um dos consultores do primeiro festival de artes e cultura da Zâmbia, o AMAKA Arts Festival, que teve lugar nos dias 8 a 14 de Outubro.

Monday 15 October 2012

Homens nus, sexo, preservativos, orgasmos. Interessados?


Grécia. Sem necessidade de avisos prévios. (Foto: mdtili no Instagram)
Tantas 'palavras-chave' num só título... Pergunto-me se este post será mais lido do que outros devido, precisamente, ao título ou às fotografias que o ilustram. É possível, sim. A maioria de nós não resiste a títulos e imagens como estes e à ‘promessa’ detrás dos mesmos. O sexo atrai; a nudez também.

As instituições culturais – enfim, as pessoas que nelas trabalham – são igualmente atraídas por estes temas e às vezes estão mesmo dispostas a trabalhar sobre eles, procurando as associações mais imaginativas. Quem esperaria, por exemplo, encontrar uma exposição sobre “o amor e a paixão na costa” num Museu da Pesca numa pequena aldeia belga? Chamava-se Zeerotica e apresentava histórias sobre sereias, monstros marinhos mitológicos e as suas vidas íntimas; mariscos afrodisíacos e a vida amorosa dos pescadores; imagens eróticas de mais de um século de vida na praia.

A curadora de Zeerotica dizia numa entrevista que, apesar do que as pessoas poderiam pensar, esta não era uma exposição obscena; na verdade, era uma exposição para toda a família. Há diferentes maneiras de lidar com estes temas, como com todos os outros, assim como há também diferentes interpretações do que pode ser considerado obsceno, chocante ou pornográfico. Para além das decisões dos conservadores, devemos ainda considerar as opções em termos de marketing. E os marketeers culturais, tal como todas as outras pessoas, não conseguem resistir à tentação de usar (ou mesmo ‘abusar’) certos temas para atrair mais pessoas e públicos novos.

Aproximam-se dois eventos que fizeram recentemente notícia. Ambos começam esta semana. Ambos lidam com assuntos picantes. Ambos desenharam campanhas de marketing provocadoras. Mas, quanto mais penso neles e leio os comentários das pessoas, mais sinto que existe uma diferença fundamental na sua abordagem. O que provavelmente se reflectirá também nos resultados.


"Mr.Big" by Ilse Haider, at the entrance of the Leopold Museum. (Photo taken from Delirium Clemens:)
A exposição Nude Men (Homens Nus) abre na próxima sexta, dia 19, no Leopold Museum em Viena. Lê-se no website do museu: “Anteriormente, as exposições sobre o tema da nudez limitavam-se sobretudo aos nus femininos. Com a apresentação ‘homens nus’ no Outono de 2012, o Leopold Museum irá mostrar uma exposição há muito devida sobre as diversas representações de homens nus desde 1800 até hoje.”  Na entrada do museu, “Mr. Big”, um modelo gigante de um homem nu criado por Ilse Haider, atrai as atenções e publicita a exposição. Não é uma pintura, é uma foto; por isso, é mais ‘real’, não apenas ‘arte’, se me faço entender… Na cidade de Viena as pessoas podem ver dois cartazes diferentes: um mais ‘tradicional’ – que apresenta “Preacher” de Egon Schiele – e um outro, menos ‘tradicional’, criado pelos artistas Pierre & Gilles, intitulado “Vive la France” (novamente, uma foto…)


Cartazes da exposição Homens Nus (imagens gentilmente cedidas pelo Leopold Museum)
Acompanhei a discussão sobre este segundo cartaz na página do museu no Facebook. As pessoas podiam votar na versão que gostavam mais. Na verdade, o museu foi forçado a apresentar as opções censuradas (devido às regras do Facebook que levaram à eliminação de vários posts), mas prometia aos seus fãs que tanto na rua como na exposição estaria tudo à vista. Não pareceu haver outro género de preocupações, todos pareciam estar bem dispostos e ansiosos pela exposição. Uma vez os cartazes na rua, e de acordo com o responsável de Relações Públicas do Leopold Museum, Klaus Pokorny, começou a haver queixas, especialmente de pais que não gostaram de ver o cartaz ao pé das escolas dos seus filhos. Na semana passada, o museu voltou a colocar o cartaz no Facebook (a versão ‘especial para Facebook’), não tanto para defender a sua opção, mas mais para convidar as pessoas a falar sobre ela: “A propósito da nossa exposição, mostramos homens nus… Nada mais, nada menos. Estamos agora a discutir se deveríamos ter coberto as partes sensíveis, como fizemos aqui no Facebook. A representação de um pénis é algo absurdo para a nossa sociedade?”. As pessoas não demoraram a reagir e, mais uma vez, o diálogo estava bastante aberto e bem-disposto, concentrado no assunto principal, que era: não era correcto mostrar algo assim no espaço público?
Versão censurada do cartaz da exposição para o Facebook.
Dois dias antes da inauguração de Nude Men, no dia 17, estreia Don Giovanni na English National Opera. Soube disto quando recebi no meu news feed, entre centenas de outros artigos, um que se intitulava Opera and orgasms (não pude resistir...). E não era tanto sobre Don Giovanni, como sobre o cartaz: uma embalagem de preservativo aberta ao lado das palavras: “Don Giovanni. Em breve”.


(Imagem retirada do jornal LA Times)
De acordo com uma porta-voz que falou ao jornal Evening Standard, “o teatro queria para esta ópera uma campanha publicitária inteligente e cativante. Surgiu esta ideia, que pensamos que é brilhante, divertida e apanha a essência de Don Giovanni de uma forma espirituosa.” Não me convencem. Considero que a ideia é pobre, até preguiçosa, e procura provavelmente chocar apenas e mais nada. E esta parece ser uma linha geral na forma como a ENO tenta aproximar-se a públicos ‘novos’: tentam fazer as coisas parecer necessariamente sexy. Uma iniciativa que tem como objectivo atrair pessoas novas chama-se Undress for the Opera (Despe-te para a ópera)… Há um vídeo com um discurso apaixonante do encenador Terry Gilliam a dizer porque é que a ópera é fascinante, mas aquele título (enganoso) era mesmo necessário? Quando tudo o que querem dizer é “Isto pode interessar-te. Temos aqui alguns bilhetes baratos para experimentares. A propósito, vem vestido como quiseres” (na verdade, uma senhora comentou num jornal que para as suas filhas adolescentes a ida à ópera tinha sido uma ocasião para se vestirem elegantemente…)

Para voltar à campanha do Don Giovanni, as reacções no Facebook, apesar de não virem daqueles que são o público-alvo da campanha (é verdade, onde estão eles? Sabem disto? Viram o vídeo? Perceberam que é para eles?…), mostram que alguns dos actuais fãs da ENO sentem que isto é só conversa e uma tentativa de parecer forçosamente sexy. Acreditam até que as pessoas já vão à ópera vestidas como quiserem. Outras pessoas parecem achar a campanha divertida. No Facebook, a ENO respondeu aos críticos dizendo que “Em termos gerais, as reacções à campanha publicitária de Don Giovanni têm sido positivas e a maioria das pessoas vê o lado engraçado e concorda connosco que a publicidade apanha a essência de Don Giovanni de uma forma espirituosa.” Soa um pouco como uma resposta ‘oficial’.

Na minha opinião, a diferença entre as duas campanhas é que, apesar de ambas procurarem chegar a uma audiência mais vasta e talvez ‘nova’ através de temas populares e sexy, o Leopold Museum tenta ser rico e criativo na sua abordagem, enquanto a ENO faz a sua parecer e soar banal e preguiçosa. E acredito que isto vai influenciar os resultados. Ou talvez não… Tenho a certeza que a seguir às aberturas haverá mais discussão, tanto na imprensa como no Facebook, incluindo, possivelmente, as opiniões daqueles que são o alvo destas campanhas. No caso de não haver um outro género de avaliação somativa por parte das instituições promotoras, será, com certeza, interessante acompanhar estas conversas informais.

Agradecimentos especiais a:
Klaus Pokorny, Responsável de Relações Públicas no Leopold Museum, pela gentileza de me enviar os cartazes e responder às minhas perguntas;
Inês Fialho Brandão, por me dar a conhecer Zeerotica;
Spyros Gryllakis, pela ajuda com as traduções do alemão.

Monday 8 October 2012

Blogger convidado: "Servindo as artes - Sobrevivendo a crise", por Ira-Iliana Papadopoulou (Grécia)


Quando conhecemos Ira Papadopoulou dificilmente adivinhamos que, por trás de uma personalidade aparentemente calma, reservada e algo silenciosa, esconde-se tanta força e paixão. Ela é tão forte e apaixonada que, quando lhe foi dito que o seu orçamento anual ia ser reduzido a… 0, pensou: “OK, voltemos ao trabalho!”. Mas as coisas não têm sido fáceis. Ira e muitos outros profissionais da cultura na Grécia enfrentam condições extremamente duras, não só pelos cortes na cultura, mas devido a uma série de medidas que têm conduzido à destruição da economia do país. Ira faz aqui um breve relato sobre um sector que permanece vivo, que resiste e que tem ainda a capacidade de proporcionar um antídoto social à amarga realidade económica. mv 

Parte da instalação "OITO" (ΟΚΤΩ), Nº 6, de George Tserionis, 2011 (desenho sobre papel, 120x110). (Foto: George Tserionis)

“Sem a arte, a crueza da realidade tornaria o mundo insuportável.”
George Bernard Shaw


O tópico sugerido era claro: a cultura grega em tempos de crise. Não pude resistir. Era definitivamente algo sobre o qual poderia falar. Há alguma semanas, quando Maria Vlachou me dirigiu o amável convite de escrever para o seu blog, estava mais que disposta a partilhar as minhas opiniões como profissional e a minha sincera angústia pela actual situação das instituições culturais na Grécia. E depois, mesmo antes de começar a escrever, li um dos posts mais antigos da Maria sobre a crise grega e o sector cultural e apercebi-me que não mudou quase nada desde 2010… Ou talvez não? Talvez tenha havido algumas mudanças, mas deixo os leitores fazer o juízo final se se trata de mudanças para melhor ou para pior.

Começando pelo Ministério Grego da Cultura, que já não é um dos mais importantes do país (como tinha sido dito aos Gregos em 2004), mas um sub-ministério de uma combinação mágica: Ministério da Educação e dos Assuntos Religiosos, da Cultura e do Desporto. Sim! Um ultra-ministério onde tudo – educação, religião, cultura e desporto – pode ser combinado e gerido. Algo não muito diferente da famosa salada grega, um pouco de tomate, algumas azeitonas, um pouco de cebola, um pouco de queijo feta…

As pessoas que trabalham em instituições culturais públicas – ou instituições supervisionadas ou financiadas pelo Estado -  estão a fazer um apelo desesperado à ajuda. O dinheiro não é suficiente sequer para pagar as contas de electricidade. Sabem agora que devem procurar recursos alternativos, mas nunca ninguém tentou dar-lhes algumas directivas em como o fazer. Além disto, a estratégia do Estado de incentivos ao patrocínio privado é quase não-existente.

O cinema Attikon, o mais velho cinema no centro de Atenas, quase um ano depois de ter sido incendiado durante os protestos contra as medidas de austeridade. (Foto: Ira Papadopoulou)
Até as instituições culturais privadas se encontram agora no olho da tempestade. Como não existe um vácuo financeiro ou cultural, o sector privado luta para conseguir manter o seu pessoal, a qualidade dos seus serviços, os seus patrocinadores e, ao mesmo tempo, manter uma programação cultural de interesse. Esta é uma equação difícil de resolver. Alguns mantêm-se de pé, outros caem e outros ainda parecem determinados em avançar para um novo género de criatividade e mostrar abertura a “palavras desconhecidas”, como colaboração, voluntariado, esquemas de assinaturas, crowdfunding. Ninguém pode garantir que exista luz no fundo do túnel, mas se não tentarem, nunca o saberão.

E tudo isto está a acontecer numa altura em que os seguidores do partido neo-nazi Chrysi Avgi (Aurora Áurea) ameaçam publicamente encenadores, autores e artistas por estarem a apresentar trabalhos que, na sua opinião, são um insulto aos “ideais nacionais”. Parece que a arte é, mais uma vez, o alibi perfeito para a histeria nacionalista e teorias de conspiração de todo o género. Ao fim ao cabo, todas as crises económicas vão lado a lado com as qualidades básicas e fundamentais dos valores sociais…

No entanto, falar da “crise económica, social e moral dos nossos tempos” tem-se tornado numa repetição enfadonha e aqueles que trabalham para as artes tentaram dar um passo atrás e encontrar uma caminho longe deste discurso deprimente. Sem subestimar os efeitos psicológicos e outros da crise, os artistas parecem ter encontrado a coragem para resistir e reivindicar o seu direito de discutir, criar e sugerir alternativas para a apresentação do seu trabalho ao público. Novas iniciativas culturais, novas produções culturais, novos grupos artísticos (como o espaço cultural about:, o espaço Ommu, o Contemporary Art Meeting Point, a equipa artística Athens Art Network, para mencionar só alguns), mas, sobretudo, um novo espírito para juntar as pessoas e tentar desviar a atenção do público da miséria do dia-a-dia.

Celebração do festival anual de banda desenhada Comicdom Con Athens. Entrada principal da Hellenic American Union, Março 2012. (Foto: Antonia Houvarda) 
Não quero dizer com isto que a crise e a privação são benéficas para a arte. Não se trata de um florescimento das artes. Não há nada de mágico aqui. Mas se acreditarmos nas artes e continuarmos a servi-las da melhor forma que soubermos, talvez exista uma oportunidade de sobreviver e até florescer.

Devemos muito aos artistas Gregos. É graças à sua coragem e à persistência dos gestores culturais que o pulso cultural do país continua a bater. E por mais difícil que seja de acreditar, há mais de uma dúzia de exposições de artes visuais a inaugurar todos os meses, mais espectadores nos teatros do que nos anos anteriores e mais eventos públicos (e gratuitos) do que nunca. Conferências, concertos, festivais, espectáculos, happenings, etc. etc. Uma saída à noite em Atenas prova que há uma intensa vida cultural lá fora e que, no mínimo, a cultura pode ainda ser um antídoto social à nossa amarga realidade económica.


Ira – Iliana Papadopoulou estudou Sociologia, Políticas de Comunicação e Gestão Cultural no Reino Unido. Desde 2004, ela é Directora de Assuntos Culturais na Hellenic American Union, uma instituição cultural e de educação ao serviço da sociedade, com sede em Atenas, Grécia. Antes de chegar à HAU, trabalhou como Directora de Relações Públicas e Comunicação noutras organizações culturais e de educação na Grécia, como o British Hellenic College e o Centro de Estudos Neo-Helénicos (casa oficial do Arquivo Cavafy). Entre 2010 e 2012 foi International Fellow do DeVos Institute of Arts Management no Kennedy Center em Washington.

Monday 1 October 2012

Nas redes sociais... socializa-se

Imagem retirada da apresentação de Devon Smith The science of social media  building.
Uma suposição comum é que todo e qualquer suporte de comunicação serve o mesmo propósito: a divulgação. E mais concretamente ainda: a divulgação de agenda. Não é raro encontrarmos vários suportes a propósito do mesmo evento (exposição, concerto, peça de teatro, debate), de vários formatos (MUPI, cartaz, postal, folheto, jornal, anúncio de imprensa, spot TV ou rádio), todos com a mesma informação (o quê, quando, onde). Penso que por trás do uso de cada suporte deve existir um objectivo próprio. A escolha de formato, os conteúdos a inserir em cada um, os timings em que aparecem, tudo contribui para divulgar um evento, mas, além disto e sobretudo, para construir algo maior em termos de comunicação: a ideia, o sentimento e o envolvimento que se quer que as pessoas tenham relativamente à entidade ou à pessoa que o promove.

As redes sociais são ainda um suporte novo, pouco estudado, pela maioria de nós, em termos de propósitos, possibilidades e impacto. Estou concretamente a referir-me ao Facebook,  que é aquela que mais uso. Acompanhando a actividade de uma série de entidades (culturais e não só), chego à conclusão que, enquanto rede social, o Facebook é, em primeiro lugar, isso mesmo: um espaço para socializar. Como diz uma amiga, devemos encará-lo como um café, um espaço público de conversa, de partilha – de ideias, opiniões, experiências, informações. É um espaço onde queremos estar porque… todos ali estão, porque queremos fazer parte, porque não queremos ficar de fora, porque queremos conversar também (e, em especial, sobre nós…). Com base na minha experiência pessoal, as entidades que fazem mesmo isso, que conversam, são aquelas com as quais me sinto mais envolvida, o que significa que faço like, partilho e comento (contribuindo, assim, para uma maior visibilidade de um determinado post). No caso das entidades que se limitam a divulgar a sua agenda (e que, ainda, exageram no número de posts ou colocam muitos seguidos), passo por cima ou tiro-as do meu news feed, deixando os meus ‘amigos’ fazerem a triagem do que for mais relevante ou interessante (e então, sim, presto mais atenção).

Esta tem sido a minha experiência do uso do Facebook a nível pessoal e profissional. No entanto, e apesar da maioria de nós não ter propriamente estudado estes meios, esta área de conhecimento tem já os seus especialistas. Tive a grande oportunidade de ouvir uma deles num seminário no Kennedy Center em Julho passado. Chama-se Devon Smith, é novíssima, claramente uma especialista, e ocupa o cargo de Director of Social Media na agência Threespot, que desenha estratégias de envolvimento digital para organizações sem fins lucrativos. Aprendi muitas coisas naquela apresentação (cujo powerpoint está disponível aqui e é muito elucidativo) e, ao mesmo tempo, ficou confirmada a minha maior ‘suspeita’: o Facebook não vende bilhetes...

É por essa razão mesmo que devemos considerar melhor o porquê da nossa presença neste meio, a melhor forma de a garantir e o que devemos esperar dela. Entre o que aprendi com a Devon Smith, a minha experiência como utilizadora e as minhas ideias relativamente ao que significa “comunicação” numa entidade cultural, as minhas constatações são as seguintes:

Porque estamos no Facebook
Para conversarmos com os nossos ‘amigos’, pessoas que gostam de nós, da nossa forma de estar, do que temos a dizer, do nosso trabalho;

- Para reforçarmos a nossa marca, ou seja, a ideia que queremos que as pessoas tenham de nós, daquilo que representamos;

- Para multiplicarmos os nossos ‘amigos’, porque através dos que temos, ganhamos outros, fazendo a nossa palavra chegar cada vez mais longe e alargando, assim, a nossa base de apoiantes.

Como devemos estar no Facebook
Antes de qualquer outra coisa, diria que é essencial que a nossa voz nesta conversa possa ser concreta, reconhecível, aquela que os nossos ‘amigos’ procuram ouvir. Há algum tempo, tinha escrito um post chamado Rostos, onde falava da importância de humanizarmos as nossas instituições, de lhes darmos um rosto, porque é uma forma de criar uma relação com as pessoas, de as envolver. Neste caso, trata-se da importância de lhes darmos também uma voz. E como diz, e muito bem, Marc Sands, o brilhante Director de Marketing da Tate Modern, as pessoas não o querem ouvir a ele, querem ‘ouvir’ e ‘conversar’ com Nicholas Serota, o director do museu (vale a pena ver o vídeo How to engage with new audiences in the gallery). O impacto de um post é completamente diferente quando é o director de um museu, um director artístico, um programador, um chefe de orquestra, um encenador, um artista, a falar de um evento, a convidar-nos, a dizer porque é que não o podemos perder, a desvendar segredos, a partilhar as suas inspirações, emoções, preocupações. E depois, é esta a ‘voz’ que será ‘partilhada’ e levada mais longe pelos nossos ‘amigos’ (quem é ‘amigo’ de Jorge Silva Melo no Facebook entenderá de que estou a falar).

Imagem retirada da página do Rijksmuseum no Facebook
Dito isto, penso que há mais alguns pontos que merecem a nossa atenção:

- Conversar significa abandonar a linguagem seca e institucional e assumir um tom humano, directo, quotidiano, com sentido de humor. O melhor exemplo entre as instituições que eu sigo é o Rijksmuseum (vale a pena ver o vídeo Rembrandt´s timeline, cujo objectivo era aumentar o número de fãs da página do museu, ou seguir todos os meses a votação das Misses que farão parte do calendário que o museu vai produzir).


- Conversar significa falar, mas também ouvir. E responder. Não poucas vezes, comentários e perguntas colocadas pelos ‘amigos’ (sobretudo em páginas de personalidades, geridas ou não pelas próprias) ficam sem resposta, pondo fim à ‘comunicação’ (muito bons exemplos de artistas portuguesas que conversam com os seus fãs em páginas pessoais são, na minha opinião, os da Mísia e da Aldina Duarte). É igualmente importante saber lidar com a controvérsia e com comentários menos simpáticos. Um dos melhores exemplos que vi recentemente foi a forma como o teatro Woolly Mammoth lidou com a controvérsia à volta da reposição da peça de Mike Daisey The Agony and the Ecstasy of Steve Jobs (ler aqui  e aqui). O teatro respondeu a todos os comentários do público e não hesitou em colocar na sua página artigos que criticavam severamente a opção de repor a peça, mostrando assim total abertura e alimentando a conversa à volta… dele próprio (estes posts já não aparecem na timeline do teatro, mas vale a pena ser fã do Woolly Mammoth, aprende-se muito).

Resposta do Editor de Multimédia do jornal Expresso ao comentário de um leitor no Facebook. Ler mais no blog PiaR

Por último, algumas práticas comuns que merecem ser revistas:

- Parece-me fazer sentido considerar o número de posts por dia se queremos realmente garantir a atenção dos nossos ‘amigos’ (há instituições que nos saturam, sem terem nada especial a acrescentar à conversa);

- Apesar dos posts com fotografias serem aqueles que geram mais ‘conversa’ (like´s, partilhas, comentários), não me parece que faça sentido as fotos de um evento serem colocadas uma a uma, em posts consecutivos, em vez de arrumadas num álbum; como também não faz sentido colocar fotos desfocadas, mal tiradas, várias versões da mesma cena ou do mesmo momento numa conferência ou debate;

- Os posts de agenda são muito pouco interessantes, têm muito pouco ou nada a ver com a natureza do Facebook, não estimulam a conversa (muito menos vendem bilhetes). Transmitem aquela ideia do vendedor que procura impingir algo, algo que… não esteja a vender (com ou sem razão).


Finalmente, o que podemos esperar de tudo isto? Uma conversa. Uma boa conversa. Momentos de espanto, de riso, de surpresa, de descoberta, de deleite, de cumplicidade, que façam com que os nossos ‘amigos’ procurem cada vez mais a nossa companhia, virtual e… real.


Mais
Devon Smith, Case studies of theatres using social media (apresentação)