Quantas vezes visitaram
um museu que não era de todo um museu? E quão chateados isto vos fez sentir?
Depois de tantos anos a visitar museus, hoje em dia sou
capaz de identificar alguns “sinais” e de evitar ser enganada, mas, mesmo
assim, nem sempre. E, ao mesmo tempo, estou a pensar em todos os outros
visitantes, não profissionais, que possam não ser capazes de “reconhecer os
sinais” e para quem a palavra ‘museu’ possa estar a representar uma
determinada ‘promessa’.
O abuso do termo é algo
que encontramos em muitos países; provavelmente, em todos os países. Uma
pequena colecção de qualquer coisa em exibição e… lá está, temos um museu e,
muito frequentemente, cobramos bilhete por ele… Poderá qualquer pessoa abrir um
estabelecimento, de um género qualquer, e simplesmente chamá-lo “farmácia”? E
será que as pessoas chamam indistintamente um restaurante “café” e vice-versa
(havendo ainda a designação híbrida “café-restaurante”), apesar de ambos os
estabelecimentos prestarem serviços na área da restauração? Não terá cada um
deles características específicas que são transmitidas (‘prometidas’) aos
clientes através do nome com o qual são chamados?
As minhas preocupações relativamente ao uso da palavra
‘museu’ voltaram enquanto estava a ouvir a apresentação de um novo projecto,
World of Discoveries – Museu Interactivo e Parque Temático, que irá
abrir em breve no Porto. A apresentação estava incluída no seminário “Turismo e
Património Cultural: oportunidades e desafios”, organizado pelo Pporto dosMuseus.
O World of Discoveries é um projecto privado que irá
procurar contar a história dos descobrimentos portugueses, um capítulo da
história do país que atrai muitas pessoas, nacionais e estrangeiras. Se me
lembro correctamente, o projecto envolve neste momento 35 pessoas, incluindo
pessoas da área da museologia. Ao apresentar o projecto, Helena Pereira,
responsável pelo serviço educativo, destacou a intenção da equipa de
proporcionar uma experiência divertida e educativa, uma apresentação rigorosa
dos factos históricos, um produto de qualidade. A história será contada através
de meios multimédia, mas também através de uma viagem no tempo que levará os
visitantes a ver uma série de cenários históricos especialmente criados para o
efeito. O potencial é enorme, claro, e o projecto está a ser desenvolvido de
forma a poder garantir a sua sustentabilidade financeira. Os preços serão €8
(crianças dos 4 aos 12), €14 (adultos dos 13 aos 64 – parece-me sempre curioso
quando certas entidades definem a idade adulta a partir dos 13 anos) e €11
(seniores).
O World of Discoveries optou por explicar a natureza da sua
oferta como “Museu Interactivo e Parque Temático”. Foi, na verdade, apresentado
como um novo modelo de museu, o do século XXI, considerando os meios que serão
usados para contar a história e que vão além da exposição de objectos. Não
concordo que este seja um modelo novo, uma vez que há já muitos anos que os
centros de ciência têm estado a usar meios similares, ou seja módulos
especificamente criados para contar uma história e não objectos históricos, que
é o que encontramos em museus de ciência. E é este o ponto que gostaria de fazer:
até agora, nunca vi um centro de ciência chamar-se a si próprio “museu de
ciência”. Porque é que um centro de interpretação interactivo iria querer
chamar-se “museu interactivo”?
Mapa no folheto do World of Discoveries |
De acordo com a definição do ICOM, “Um museu é uma
instituição permanente, sem fins lucrativos, ao serviço da sociedade e do seu
desenvolvimento, aberto ao público, e que adquire, conserva, estuda, comunica e
expõe testemunhos materiais e imateriais do homem e do seu meio ambiente, tendo
em vista o estudo, a educação e a fruição”. A definição do ICOM integra uma
série de instituições que não são museus, mas que são consideradas como tal,
considerando que assumem algumas funções comuns e partilham preocupações e
objectivos. Essas instituições são centros de ciência, planetários, centros de
interpretação, jardins zoológicos, aquários, galerias de exposições em arquivos
ou bibliotecas, para mencionar algumas. Ora, a maioria destas instituições não
muda a forma como se define: um jardim zoológico continua a ser um jardim
zoológico, um arquivo continua a ser um arquivo e um centro de interpretação é…
precisamente isto.
O World of Discoveries não é o primeiro caso em Portugal que
me levanta questões sobre o que é que está a ser exactamente ‘prometido’ às
pessoas, potenciais visitantes, e sobre o uso impreciso, e potencialmente
enganador, do termo ‘museu’. Há uns anos, tinha questionado num encontro do
ICOM a opção de chamar ao Museu do Côa, que na altura não estava ainda aberto, “museu” e não “centro de
interpretação”. Existe um centro em Aljubarrota com características similares,
em termos de produto/oferta, mas que é chamado Centro de Interpretação da Batalha de Aljubarrota.
“O que há numa palavra?”, podem perguntar. Tudo, diria. Não
existe absolutamente nenhuma intenção da minha parte em levantar aqui questões
de “qualidade” ou de “validade”. Visitei uma série de centros de interpretação
muito interessantes, em Portugal e no estrangeiro, e, apesar de não ser grande
fã dos parques temáticos, considero que podem fornecer uma experiência
educativa divertida, interessante e válida a muitas pessoas. Mas é na palavra
que reside o significado, a promessa, a criação de uma expectativa, o tipo de
experiência que uma pessoa pode ter, a decisão de a ter ou não, de pagar por
ela ou não. É por isso que considero que as coisas devem ser chamadas pelo seu
nome.