Eduardo Duarte Yañez é
um gestor cultural chileno. Neste post
partilha connosco as suas preocupações relativamente àquela que considera ser uma
obsessão do governo do seu país com o “impacto” da cultura – conceito esse que Eduardo
considera ter sido muito pouco ou mesmo nada definido por quem o usa. Ao mesmo
tempo, deposita a sua confiança nas
comunidades locais que, juntamente com a cooperação cultural internacional e as
autoridades políticas locais, estão a desenhar modelos de gestão cultural, procurando
abrir um caminho para a concretização de programas culturais. mv
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Abertura do Primeiro Encontro Internacional Mujeres por la Cultura, que se realizou na semana passada do Chile. |
Falar de processo culturais no Chile, na perspectiva do
registo de modelos de gestão de cidades, onde o papel da cultura, apesar de não
ser protagonista, tem uma importância vital nas políticas públicas de
desenvolvimento local, é algo não muito animador para os gestores culturais,
artistas e movimentos culturais comunitários, a sociedade civil organizada.
Existe, é certo, uma política cultural nacional que foi
aprovada até 2016, onde nos são dados uma série de conceitos em voga, onde se
menciona pela primeira vez a valorização do Património Cultural Imaterial,
muitas medidas e eixos aos quais, quase transversalmente, não é associado um
plano de gestão para os levar para a frente.
Por trás deste panorama, tentaremos focar-nos, de uma
forma geral, nas realidades locais das comunidades. Nos últimos quatro anos não
se avançou com nenhum conceito ou critério para se entender o que o Ministério
da Cultura do Chile (sem classificação ministerial, outra contradição) chama de
“impacto” e a sua obsessão com isto. Qual é o impacto de um poema ou de uma
composição musical? O número de pessoas que o lêem ou que a ouvem? A qualidade
da leitura ou da audição? E qual o prazo para se medir isto? Quantas décadas
terão de passar para que a obra de Gabriela Mistral comece a ter um “impacto”
na cultura nacional, caso esteja efectivamente a ter “impacto”…? Como
quantificar “o impacto” de uma obra pictórica? Pelo número de olhos que a têm
visto num determinado período de tempo (meses, anos?) ou pelo seu valor no
mercado de arte? Receio que a preocupação legítima pelos resultados de uma
certa política pública (neste caso, cultural), obcecada com o “impacto”, se não
houver cautela, pode acabar num beco sem saída.
Por outro lado, também o debate pela gratuitidade ou não
das actividades culturais (acesso à cultura) é algo feito apenas de forma
marginal, e não como um debate entre os cidadãos. A maior parte da oferta
cultural é gratuita, e em muitos casos mistura-se e confunde-se com o
entretenimento de shows para as massas, que são capazes de atingir o
valor do orçamento anual de um Departamento Municipal de Cultura.
No Chile existem 345 câmaras municipais. De acordo com o
segundo inquérito nacional de cultura (realizado pelo Conselho Nacional da
Cultura e das Artes), a forma artística com maior número de espectadores
chilenos é o cinema (34%), seguido dos concertos (29,3%). Esta situação revela
um interessante debate relativamente aos conteúdos cinematográficos, onde os
cinemas tradicionais foram substituídos pelos cinemas nos grandes centros
comerciais, e onde a programação está baseada na indústria cinematográfica de
Hollywood, na qual “escolher” que filme ver significa “escolher entre os filmes
que te obrigo a ver”, não há uma variedade de conteúdos onde possam também ser
realizadas mostras de cinema independente ou ciclos de cinema nas universidades
públicas ou privadas.
A política de fomento à leitura é um outro capítulo,
ainda mais longo, de ambiguidades. Chile tem 19% de imposto nos livros, algo
que faz sangrar as editoras, os autores emergentes ou não, e principalmente o
cidadão comum que se vê impossibilitado de comprar livros que, muitas vezes,
pressupõem 20% a 30% de um salário mensal com o qual deve sustentar a sua
família. Um trabalhador não pode adquirir livros com conteúdos de qualidade, é
proibitivo.
Contrariamente a tudo o que foi dito até agora, as
comunidades locais, como é o caso de Coquimbo, juntamente com a cooperação
cultural internacional e as autoridades políticas locais, estão a desenhar
modelos de gestão cultural, como os Planos Directores de Cultura, ferramentas
flexíveis que se constroem com todos os agentes culturais locais, procurando
definir um rumo para a concretização de programas culturais, sustentáveis e com
um registo preciso de cada acção para contemplar a maior quantidade de
indicadores. Avançou-se com projectos como a Cartografia Sociocultural de
Bairros Populares de Coquimbo e a Etnografia Escolar, seguindo os modelos de
sucesso de Educação Patrimonial do Brasil e da Colómbia. Iniciou-se a
implementação em 2012, com fundos do orçamento municipal para a cultura, da
experiência dos Seminários Debates dos Microbairros, para incluir, com rigor e
método científico na compilação de dados e também com múltiplos formatos de
obtenção de indicadores, sem serem necessariamente académicos, questões muito
importantes que devem ser tomadas em consideração.
Desta forma, os municípios vão criando uma visualização
mundial dos seus principais activos bioculturais, e avançam igualmente com a
experimentação de modelos de gestão cultural das cidades, de forma comunitária
e inclusiva. Trata-se de uma tarefa muito ampla e, com certeza, com muitos altos
e baixos, no entanto o mais interessante no processo cultural da região de
Coquimbo - que contou com o primeiro prémio Nobel para uma mulher, Gabriela
Mistral - é que há uma inter-relação entre as suas cidades e uma disposição
integral dos gestores, artistas e autoridades políticas, para trabalhar de
forma articulada. Espera-se que possamos ter no final de 2013 a primeira
memória deste processo que se vai adaptando e que recebe novos impulsos por
parte da comunidade local.
Eduardo Duarte Yañez é escritor e gestor cultural, criador de múltiplos
projectos e programas de cultura para o desenvolvimento local e a integração
cultural. Foi distinguido em 2006 com um prémio nacional de Gestão Cultural
Municipal no Chile. É licenciado em Gestão Cultural, pela Faculdade de Artes da
Universidade do Chile; pós-graduado em Cooperação e Gestão Cultural
Internacional pela Universidade de Barcelona, Espanha. Publica em diversos
meios de comunicação na América Latina e em Espanha.