Conheci a Ania Danilewicz em Outubro passado. Estava em Portugal por alguns meses e queria saber mais sobre os museus e, em particular, sobre o GAM – Grupo para a Acessibilidade nos Museus. Houve mais dois encontros depois desse, longas conversas, e em ambas Ania impressionou-me com a sua energia, a sua vontade de aprender, o seu espírito crítico, o seu desejo de poder intervir e fazer mais. Neste post partilha, com muito sentido de humor, os seus pensamentos e sentimentos por regressar ao seu país, cheia de ideias que poderiam parecer inúteis num meio bastante resistente à mudança, só para se aperceber que coisas boas acontecem em todo lado, até no seu próprio museu e ainda que numa escala mais pequena. Não é impossível, mas é uma passo de cada vez. Quem tiver sorte, encontra três velhas senhoras pelo caminho… mv
Adam Malysz, melhor atleta Polaco de salto de esqui (Foto: Associated Press/East News) |
Há algum tempo, três senhoras com muita idade estavam a visitar a nossa exposição. Esta era uma apresentação bastante moderna (interactiva também), mas elas preferiram fazer uma visita mais tradicional: olhando só, não tocando, circulando em silêncio, mantendo alguma distância dos objectos expostos. Mesmo assim, pareciam satisfeitas, porque a exposição mostrava a cidade no tempo da sua juventude. Perto da saída, um dos guias aproximou-se delas:
“-Já experimentaram a nossa nova estação de escuta?”
“- Por amor de Deus, não! Isto não é para nós… demos espaço aos jovens…
“- Mas podem encontrar canções originais do tempo em que eram jovens!”, insistiu o guia. “Vejam, este é um telefone original dos anos 30. Se escolherem os números ímpares, podem ouvir todos estes sucessos!”.
E as três velhas senhoras fizeram-no. Pegaram no telefone, que é uma estação de escuta, e aproximaram-se todas do aparelho. Aproximaram-se, mas ainda com muito cuidado. Um pouco depois começaram a… cantar suavemente, dando risadinhas, como se fossem meninas. Experimentaram também os números pares, que continham as mesmas canções mas num remix contemporâneo. E divertiram-se tanto!
Porque é que estou a falar nisto? Porque me salvou da minha depressão pós-Portugal! Aqui estão alguns dos sintomas desta minha doença recente (se tiverem alguns deles, procurem o mais rapidamente possível três velhas senhoras!).
Regressei recentemente de uma visita prolongada a Portugal, onde uma das minhas ocupações permanentes foi visitar museus e conhecer pessoas deste sector. Durante a minha estadia, descobri com prazer e surpresa, coisas muito atraentes, como o percurso especial no Museu do Azulejo, composto de réplicas de painéis de azulejos especialmente criadas para cegos – para serem tocadas e para uma pessoa poder sentir a sua estrutura, a forma, a superfície e as cores - , mas recebidas com muito interesse também por outros visitantes. Fiquei maravilhada com a minha visita ao Museu da Comunidade Concelhia da Batalha, admirando todos os serviços que tornam esta pequena instituição tão especial para a comunidade local e tão importante para a rede mundial de profissionais de museus. E apreciei muito todas as minhas conversas com a Maria Vlachou no contexto da acessibilidade e do GAM – Grupo para a Acessibildade nos Museus.
Apercebi-me também, claro, que os exemplos maravilhosos são as excepções que confirmam a regra. E a regra é a mesma que em todo o lado – a maioria dos museus não é moderna, aberta e preparada para novas tendências. Mesmo assim, encontrei bons exemplos suficientes para me sentir inspirada e motivada para novos projectos no meu museu.
Trabalho no Museu Militar em Bialystok, um museu de tamanho médio, sem nada de muito especial. É moderno o suficiente (a exposição permanente foi mudada nos últimos três anos, sendo esta a primeira remodelação em… 38 anos) para oferecer aos visitantes visitas guiadas e programas interessantes. Mas trata-se de um museu sub-financiado e conservador e necessita de mais mudanças. Por isso, o meu regresso significou duas coisas: o confronto entre as ideias inspiradoras que trazia comigo e a realidade do museu; a obrigação de escrever este post para a Maria sobre o sector dos museus na minha cidade e no meu país.
E esta foi a génese da minha doença. Estava desesperadamente à procura de algo bom e impressionante que mereceria a pena ser apresentado neste blog internacional. “O que é que poderia alguma vez ficar ao lado do Louvre ou dos National Museum Liverpool?”, pensei. Uma amiga fez-me a pergunta mais simples: “Porque não o teu próprio museu?”. No início, desatei a rir, mas pouco depois encontrei as três velhas senhoras que mencionei e aquela experiência convenceu-me, na realidade, do quanto poderia ser fácil e simples a implementação de ideias como a acessibilidade, a abertura, a participação, mesmo que os resultados não sejam tão espectaculares como noutros casos (Liverpool, Portugal, Louvre).
As três senhoras mostraram-me que a criação de um ambiente acessível e acolhedor pode simplesmente significar dar informação apropriada e estar pronto para adaptar as condições existentes às necessidades de diferentes visitantes. Se tivéssemos proposto às velhas senhoras ouvir remixes modernos de velhas canções, teriam, com certeza, recusado, tal como fizeram quando lhes propus experimentar a ‘estação de escuta’. ‘Remix’ e ‘estação de escuta’ não são palavras do seu mundo. Mas um convite para atender o telefone, que tem um papel de uma estação de escuta, parece ser uma boa maneira para as convencer a interagir com o objecto e também para lhes apresentar música moderna. Ipso facto, saltaram do nível “indivíduo consome conteúdo” para o nível “interacção individual” (apresentados por Nina Simon no seu blog, num dos diagramas de participação cultural), sem nós termos feito nada em especial ou termos preparado um programa especial. Se é tão fácil, porque é que não experimentamos fazê-lo mais vezes? Ao desenharmos aquela exposição, tínhamos planeado fazer uma audio-descrição para cegos e um audio-guia para todos os visitantes. Como não tínhamos dinheiro suficiente para comprar dois aparelhos móveis diferentes, decidimos gravar apenas uma narração, capaz de atrair qualquer visitante, independentemente das suas deficiências ou capacidades. E só nesse momento é que nos apercebemos que este é um exemplo de pensamento e design universal, um dos mais importantes desafios para os museus neste momento. Uau, até podemos fazer isso!
Poderia ainda mencionar um outro exemplo dos meus primeiros dias no museu. Era Março de 2011 e o melhor atleta polaco de salto de esqui, um herói nacional para todos os Polacos, Adam Malysz estava a finalizar a sua carreira profissional. Muitas pessoas participaram numa acção espontânea chamada “Polónia inteira põe um bigode” (Adam Malysz tem um bigode muito característico…), onde todos puseram um bigode postiço (alguns até fizeram crescer pela ocasião!). E nós participámos também! Numa altura em que o museu era sobretudo visto como um espaço antiquado e conservador, colámos bigodes coloridos em todos os manequins da nossa exposição. E foi só isso! Essa acção tão simples mudou a nossa imagem radicalmente, mostrando a nós e a outras pessoas que poderíamos afastar-nos um pouco e olhar para nós próprios com sentido de humor e que, apesar dos sérios acontecimentos históricos relatados na nossa exposição, poderíamos também ter graça e aproximar-nos das pessoas. Foi só um dia, mas deu à equipa uma força incrível para começar a pensar as nossas actividades de uma outra perspectiva, indo além dos modelos pré-definidos.
Foto: Museum Militar em Bialystok |
Talvez estes exemplos não sejam grandes, significantes ou impressionantes o suficiente para serem apresentados entre notas sobre os National Museums Liverpool ou o Louvre. Mas mostram, sem dúvida, que as grandes mudanças começam frequentemente com passos pequenos. É fácil dizermos que não podemos mudar nada, por falta de dinheiro ou de pessoas. É muito mais desafiante e importante começarmos por questionar: o que posso mudar ou melhorar neste momento no meu ambiente? Estes pequenos passos podem algumas vezes ter uma influência mais alargada do que as grandes acções. Preparam-nos para nos transformarmos e para nos adaptarmos devido a uma necessidade e não a ocasiões especiais ou esporádicas.
Estou quase a recuperar da minha depressão pós-Portugal. Quase, porque no fundo tenho ainda uma forte necessidade de implementar e desenvolver novos elementos para o nosso programa. Mas agora sei como o fazer – com um passo de cada vez.
Ania Danilewicz é animadora cultural e gestora, Responsável pelo Departamento de Educação e Organização de exposições no Museu Militar em Bialystok. Antes, tinha trabalhado para o Teatro Drama na mesma cidade e foi jornalista para o maior jornal da região de Podlasie, Gazeta Wspolczesna. Tem colaborado com muitas associações e alguns projectos independentes, como a Street Culture Enthusiasts Association ENGRAM, Borderland Summer School, Foundation of the University of Białystok, Marcel Hicter Foundation in Brussels. Recebeu o Diploma Europeu de Gestão de Projectos Culturais em 2012 e frequentou o Seminário Internacional para Operadores Culturais, organizado pelo Centro Nacional de Cultura e a Fundação Marcel Hicter. Terminou os seus estudos na Universidade de Bialystok em 2005.